O movimento estudantil destacou-se como um dos segmentos mais combativos da sociedade brasileira contra a ditadura militar. Após um momento inicial de desorganização, cresceu a adesão estudantil aos grupos e movimentos de esquerda que se opunham à ditadura, gerando um processo de intensa radicalização desse movimento que atingiu seu ápice em 1968.
O incêndio à sede da UNE quando do Golpe e a posta na ilegalidade das suas entidades, bem como a perseguição às suas lideranças foram seguidos da lei n° 4.464 de 09/11/1964, conhecida pelo nome do então ministro da Educação, Lei Suplicy de Lacerda, que pretendia inibir a atividade política estudantil. Por isso, além de pôr na ilegalidade as antigas organizações estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as Uniões Estaduais dos Estudantes (UEE), a lei criava novas entidades, os Diretórios Acadêmicos, sob estreito controle das autoridades universitárias.
Com a adoção da Lei Suplicy, as entidades estudantis que se contrapunham ao regime viram-se obrigadas a se organizar de forma autônoma e ilegal. Um plebiscito nacional sobre a Lei Suplicy organizado nas principais universidades mostrou que a maioria dos estudantes queria manter suas entidades fora do controle do governo.
Assim, onde havia condições para tal, os estudantes realizaram eleições clandestinamente e apoiaram as lideranças eleitas de Centros Acadêmicos agora ilegais. Onde isso era impossível, submeteram-se formalmente às exigências da lei, o que lhes dava acesso às verbas para custeio dos DA, tratando, contudo, de manter a autonomia política dos seus movimentos. Também adotou-se soluções mistas, em que um DA legalmente eleito e com acesso à sede e verbas apoiava um CA efetivamente visto como a liderança local (depoimento Dácio, Funari etc). O fato mais grave ocorrido em universidades foi em Brasília, quando uma greve geral de estudantes e professores em repúdio à perseguição e demissão de professores na UNB resultou na ocupação militar do campus e seu fechamento por um longo período.
A PUC-SP, contudo, talvez tenha sido a única universidade no país que não sofreu as consequências da Lei Suplicy. Isso porque as autoridades universitárias da época respeitavam a autonomia estudantil, indicando para a representação oficial os estudantes que tinham sido eleitos por via direta pelo corpo discente da universidade, permitindo assim sua participação no Conselho Universitário e o acesso a recursos financeiros destinados à representação oficial (depoimentos de Dácio, Funari, Carlos Ciampa etc).
Não foi mera coincidência portanto, que logo nos primeiros meses após o golpe de 1964, o Ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda, declarasse que “a USP e a PUC-SP se constituíam nos dois maiores centros de subversão do Brasil (matéria de jornal, carta do Bandeira de Mello).
Mais importante e indicativo do crescente repúdio do estudantado brasileiro à interferência governamental na sua vida política foi o fato de que a UNE e as UEEs não desaparecessem por força da sua posta na ilegalidade. Em 1966, vários delegados estudantis se reuniram clandestinamente e elegeram uma nova diretoria. Sem sede, patrimônio, infraestrutura e verbas, a UNE e várias das UEEs sobreviveram e se fortaleceram com o tempo. A palavra de ordem gritada nas manifestações estudantis, “A UNE somos Nós!” - exemplificava a inquestionável legitimidade de que gozava essa entidade junto aos seus representados. Uma série de manifestações e passeatas ocorrem em setembro desse ano que culminam com a invasão da Faculdade de Medicina da UFRJ e o espancamento e prisão de centenas de estudantes, que merecem o repúdio nacional.
De 1967 em diante, a luta do movimento estudantil direcionou-se contra a Reforma do Ensino Superior, proposta por um acordo firmado entre o Ministério da Educação e a agência estadunidense de ajuda ao desenvolvimento, o Acordo MEC-USAID. Esse acordo estabelecia novas diretrizes para o ensino superior no país, valorizando a formação técnica em detrimento da pesquisa científica básica e da formação na área de ciências humanas e sociais e pretendia transformar a universidade pública em paga mediante a introdução de uma anuidade no início do semestre letivo.
Em meados de 1967 nova diretoria foi eleita para a UNE em congresso clandestino organizado em São Paulo. O novo presidente da UNE, Luís Travassos (Luís Travassos), era aluno de Direito da PUC-SP e fora anteriormente presidente do DCE da PUC e depois da União Estadual de Estudantes de São Paulo.
O ano de 1968 assistiu à radicalização do movimento estudantil em todo o país, marcado por grandes manifestações de rua, greves e ocupações de universidades. Inicia-se com mobilizações no Rio de Janeiro a favor dos excedentes, ou seja, dos estudantes que embora aprovados no vestibular, excediam o número reduzido de vagas que era oferecido nas universidades públicas (depoimento Mariza, Dácio, Funari). Também no Rio de Janeiro uma forte mobilização de estudantes secundaristas exigia a melhoria do Calabouço, o restaurante popular onde os secundaristas de baixa renda costumavam comer. Em São Paulo, por sua vez, estudantes de Filosofia da USP, da Fundação Getúlio Vargas e da PUC ocuparam suas respectivas reitorias reivindicando a ampliação de vagas nas Universidades.
O estopim do 68 brasileiro será o assassinato pela polícia do estudante secundarista Edson Luís, no Rio de Janeiro, durante uma manifestação em protesto contra a reforma do Calabouço. Seu corpo foi levado para a Assembleia Legislativa na Cinelândia e velado durante toda a noite.
No dia seguinte, um cortejo de milhares de pessoas percorreu a cidade até o Cemitério de São João Batista aos gritos: “- Mataram um estudante, e se fosse um filho seu?” e ao som do estribilho do Hino da República que pede que a Liberdade “abra as asas sobre nós”. Protestos e passeatas aconteceram também em outras capitais do país. A missa de 7º dia de Edson Luís, rezada na Candelária, no Rio de Janeiro, foi seguida por uma repressão violenta da polícia, que fechou estabelecimentos comerciais e montou um cerco à saída da Catedral, perseguindo os manifestantes com cavalaria montada, bombas de gás lacrimogêneo e prisões.
Em junho estouram greves na UFRJ e ocupações e agitações nas Universidades de São Paulo. Por toda a parte, os estudantes exigem diálogo com as autoridades acadêmicas e negociações com o Ministério da Educação. Uma enorme assembleia na Reitoria da UFRJ, no Rio de Janeiro, no qual os estudantes debateram sua pauta de reivindicações com o Conselho Universitário viu-se cercada por uma operação militar de grande envergadura. Ao romper o cerco para abandonar o recinto, centenas de estudantes foram espancados e encurralados na antiga sede do Clube Botafogo próxima à Reitoria, onde foram presos e fichados.
A indignação provocada por essa violência injustificável explode nos protestos organizados no centro da cidade do Rio de Janeiro no dia seguinte, que ficaram conhecidos como a “sexta-feira sangrenta”. A polícia dispersou os manifestantes a tiros, causando a morte e o ferimento de um número de pessoas até hoje não identificado. Do altos dos prédios, contudo, empregados dos estabelecimentos comerciais atiravam objetos na polícia e várias escaramuças se sucediam entre policiais e pessoas que se encontravam no centro da cidade que montavam barricadas e queimavam camburões da polícia.
O auge da agitação estudantil no país acontecerá no 26 de junho, quando ocorre a famosa;Passeata dos Cem Mil. Religiosos, artistas de teatro, músicos e escritores anunciam o seu apoio à manifestação, o que fez com que o governo desistisse de reprimi-la. Uma enorme passeata se estende desde a Cinelândia até a Candelária, percorrendo o centro da cidade até se dispersar após um comício no qual falaram as principais lideranças estudantis do país. Formou-se aí uma comissão para negociar com o governo, composta por um professor universitário, um psicanalista e uma mãe de estudante. As negociações não prosperaram, contudo, pois o governo não tinha a intenção sincera de dialogar.
Em São Paulo, nova ocupação da USP acontece e se sucedem passeatas. Na PUC-SP, por sua vez, os estudantes ocuparam os jardins da universidade e as instalações da Reitoria por quase dois meses para protestar contra a Reforma Universitária imposta pela ditadura e inspirada no acordo MEC-USAID e contra um anunciado aumento de mensalidades (depoimentos Carlos, Tomás, Oscar, Mariza etc).
A ocupação mostrou até que ponto a autonomia universitária da PUC era uma fato incontestável, pois a Reforma Universitária exigida pela Ditadura aqui tomou um rumo diametralmente oposto ao pretendido. Comissões paritárias entre professores e alunos debateram e definiram novos currículos que visavam a formação de uma consciência crítica e comprometida com realidade do país e a adoção de metodologias de ensino participativas (depoimentos Maria do Carmo, Salma etc). A Reitoria, por sua vez, respeitou inteiramente o movimento estudantil, abstendo-se de perseguir ou reprimir os estudantes que estavam participando da ocupação. Conta-se, aliás, que algumas reuniões para negociar o fim da ocupação foram feitas na residência do Reitor e que quando finalmente os estudantes decidiram deixar o prédio, combinaram com ele deixar a chave do prédio embaixo do tapete da porta principal (depoimentos do Funari, Dácio, Carlos, Tomás etc).
Ao recomeçar as aulas no segundo semestre de 1968, as autoridades policiais redobraram a repressão às mobilizações estudantis em todo o país. Estudantes presos em passeatas anteriores foram condenados por agitação e lideranças importantes acabaram presas, como Vladimir Palmeira e Jean Marc von der Weid no Rio de Janeiro.
No início de outubro, acontece o episódio mais violento em São Paulo. No 2 de outubro, os estudantes da USP estavam na Rua Maria Antônia, onde na época era a sede da USP, fazendo pedágio para arrecadar dinheiro para o 30º Congresso da UNE, que se realizaria no fim do mês, quando estudantes do Mackenzie, pertencentes ao CCC (Comando de Caça aos Comunistas), a FAC (Frente Anticomunista) e ao MAC (Movimento Anticomunista), atiraram ovos em cima dos estudantes da USP, iniciando o confronto que ficou conhecido como a “Batalha da Maria Antônia”.
A batalha que envolveu aproximadamente um grande número de estudantes do Mackenzie e da USP, durou dois dias e terminou com a morte do estudante secundarista José Carlos Guimarães com um tiro de fuzil e dezenas de feridos. Luiz Travassos, presidente da UNE e José Dirceu, presidente da UEE conduziram as manifestações de protesto.
A escolha de Ibiúna, no interior de São Paulo, para sediar o 30ª Congresso da UNE mostrou-se, em retrospecto, uma decisão equivocada. O grande número de estudantes enviados como delegados de suas universidades aquela pequena cidade logo chamou a atenção e a polícia, já de sobreaviso, não demorou em encontrar o local e prender os cerca de 700 estudantes ali reunidos.
Levados para o antigo presídio Tiradentes, a maioria dos estudantes lá permaneceram até serem libertados. Soltos, muitos deles foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional e perseguidos posteriormente. Permaneceram presos, no entanto, os principais líderes estudantis Luiz Travassos, Vladimir Palmeira e José Dirceu que só serão libertados quase um ano depois, em troca do embaixador americano Charles Burke Elbrick, sequestrado em setembro de 1969 por organizações armadas. Da PUC foram presos.......
A queda do Congresso de Ibiúna, como ficou conhecido esse episódio, marcou o início de um longo período de declínio do movimento dos estudantes, que já mostrava forte debilitamento devido à repressão cada vez mais forte às suas manifestações e às suas lideranças.
Finalmente, ao se encerrar o ano de 68, a promulgação do Ato Institucional n°5 veio liquidar com praticamente toda a atividade política pública nas universidades.
Suprimidas as garantias constitucionais como o habeas corpus, as lideranças estudantis passaram a ser presas e mantidas nas prisões até serem condenadas sumariamente por quaisquer motivos alegados pela justiça militar, que desde a nova Lei de Segurança Nacional se tornara responsável pelos chamados “crimes políticos”. Por isso, muitos estudantes foram forçados a abandonar as universidades de modo a não serem localizados pela polícia. Na PUC, porém, padres, freiras e professores tratavam de proteger os alunos, negando-se a passar informações sobre os seus endereços ou turmas que frequentassem aos agentes policiais. Conta-se, inclusive, que o Reitor Bandeira de Mello mandou avisar a estudantes que estavam sendo procurados pela polícia, recomendando-lhes que fugissem (depoimento de Tomás).