O surgimento das outras geometrias

 

Toda pessoa culta deveria saber, pelo menos em linhas gerais, o que são [geometrias não-euclidianas] e quais influências tiveram no desenvolvimento da matemática e do pensamento científico.Dario Palladino

Há verdade nisto: muitas coisas têm uma época em que são descobertas ao mesmo tempo em lugares diferentes, como violetas na primavera.Farkas Bolyai

Do nada eu criei um novo e estranho universo. János Bolyai

Nesse contexto, os matemáticos inicialmente, partindo da geometria neutra e negando o V postulado, tinham a intenção de localizar algum absurdo lógico, para confirmar posteriormente a sua validade (do V postulado). Porém avançavam em suas proposições e não identificavam nenhuma contradição.

Os primeiros matemáticos a adotarem essa linha, que finalmente resultaria na descoberta de outras geometrias, foram Saccheri (1667-1733) e Lambert (1728-1777) (que, embora tivessem avançado, não conseguiram interpretar corretamente os resultados), Legendre (1752-1833), Gauss (1777-1855) (dedicou anos no estudo do V postulado e correspondências divulgadas após sua morte, confirmam que ele foi o primeiro a admitir a existência de outras geometrias, mas não as publicou, pois nessa época (cerca de 1813) certamente suas descobertas não seriam aceitas pela comunidade científica com mentalidade kantiana), Ferdinand Karl Schweikart (1780-1859) (que numa carta a Gauss, em 1818 ou 1819, afirma ter chegado as mesmas conclusões que ele), Nicolai Ivanovich  Lobachewsky[1] (1792-1856) (foi o primeiro a publicar seus trabalhos, em 1830, o que lhe garantiu a autoria da descoberta) e János Bolyai (1802-1860) (que desconhecendo os trabalhos de Lobachewsky publicou trabalhos  posteriores ao dele, em 1832, que hoje divide a autoria com Lobachewsky). Percebemos que o amadurecimento da intuição de uma nova possibilidade se fez presente na Rússia, Hungria e Alemanha...”como violetas na primavera”. Eles foram pioneiros em desvincular a verdade da intuição.

Outra possibilidade, que não abordaremos em nosso trabalho, é considerar a geometria neutra e um postulado que afirmasse que retas paralelas não existem. Foi o que fez George F. B. Riemann (1826-1866) em 1854. Ele ainda concebeu várias outras geometrias a partir de diferentes definições de comprimento de uma curva, que são consideradas puramente analíticas. Seu estudo geral dos espaços métricos foi fundamental para o desenvolvimento da teoria da relatividade geral, de Einstein. ”É verdade que começamos nossas Geometrias como estruturas puramente lógicas, mas, tal como em outros ramos da Matemática, verificamos que a natureza se antecipou a nós, e que uma superfície, muitas vezes, está esperando por nossa capacidade de invenção. Por esta razão, a Matemática não-euclidiana encontrou campos de aplicação altamente importantes na curiosa mixórdia da Física moderna”.(KASNER; NEWMAN, 1968, p.149).

 

Gauss Lambert
Lobachevsky Legendre
Riemann János Bolyai

 Podemos então esquematizar as três principais geometrias como segue:

 

GEOMETRIA NEUTRA

Termos Primitivos

Relações Primitivas

Axiomas (exceto o axioma das paralelas)

Termos Definidos

Teoremas demonstrados sem o Axioma das Paralelas

 
  +   +   +  
 

Axioma das Paralelas: por um ponto não pertencente a uma reta é possível traçar uma reta paralela à reta dada

 

Axioma: por um ponto não pertencente a uma reta passam mais de uma reta  paralela à reta dada.

 

Axioma: por um ponto não pertencente a uma reta não é possível traçar nenhuma reta paralela à reta dada.

Alteração do segundo axioma euclidiano (a reta não pode ser prolongada indefinidamente)

 
  =   =   =  
 

GEOMETRIA EUCLIDIANA

 

GEOMETRIA HIPERBÓLICA[2]

 

GEOMETRIA ELÍPTICA

 

Com a rigorosa sistematização da geometria euclidiana feita por Hilbert e a descoberta das outras geometrias, a geometria deixa de ser uma “verdade absoluta” para um conceito de verdades válidas dentro de um sistema axiomático, sem significado a priori, e a geometria deixa de estar vinculada a representação do espaço físico.

 

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REFERÊNCIAS

[1] Lobachewsky submeteu para publicação, em 1823, as notas de um curso de Geometria para a Universidade de Kazan, porém foram inicialmente rejeitadas. “O livro de Lobachevsky foi muito atrevido para sua época... A própria disposição dos capítulos chama a atenção. A construção dos cinco primeiros capítulos é feita sem a utilização do V postulado de Euclides. Portanto ele estava elaborando uma geometria absoluta (aquela que não depende do V postulado, somente dos quatro primeiros). Do ponto de vista histórico essa apresentação é fundamental, já que foi a primeira pessoa que o fez conscientemente. O aspecto métrico é a chave de seu trabalho. Lobachewsky se dá conta que a medida dos ângulos e dos segmentos não depende do V postulado, enquanto que a medida das áreas, sim depende diretamente do famoso postulado. Por essa razão, o cálculo das áreas de diversas figuras é abordado somente quando o texto está bem avançado. O livro se compõe de 13 capítulos, dez deles dedicados à medida de diferentes elementos geométricos (linhas, ângulos, poliedros, triângulos, prismas, etc.) e os três últimos estão dedicados à teoria das perpendiculares, das paralelas e da igualdade dos triângulos”. (FERNÁNDEZ, 2004, p.102, tradução nossa do original em espanhol).

 

[2] Nome sugerido inicialmente por Félix Klein (1849-1925) em 1871. “Em grego, hipérbole significa “excesso”, e em tal geometria o número de paralelas em relação a  uma dada reta, que passam por um ponto (não pertencente a ela), supera àquela prevista na geometria Euclidiana. (TRUDEAU, 2004, p.177). Traduzido por nós do original em italiano. Nos trabalhos de Lobachevsky ele utilizou o nome de Geometria Imáginaria e posteriormente de Pangeometria.

 

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