POLÍTICA
A
política aristotélica é essencialmente
unida à moral, porque o fim último do estado
é a virtude, isto é, a formação
moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários
para isso. O estado é um organismo moral, condição
e complemento da atividade moral individual, e fundamento
primeiro da suprema atividade contemplativa. A política,
contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como
objetivo o indivíduo, aquela a coletividade. A ética
é a doutrina moral individual, a política é
a doutrina moral social. Desta ciência trata Aristóteles
precisamente na Política, de que acima se falou.
O
estado, então, é superior ao indivíduo,
porquanto a coletividade é superior ao indivíduo,
o bem comum superior ao bem particular. Unicamente no estado
efetua-se a satisfação de todas as necessidades,
pois o homem, sendo naturalmente animal social, político,
não pode realizar a sua perfeição
sem a sociedade do estado.
Visto
que o estado se compõe de uma comunidade de famílias,
assim como estas se compõem de muitos indivíduos,
antes de tratar propriamente do estado será mister
falar da família, que precede cronologicamente o estado,
como as partes precedem o todo. Segundo Aristóteles,
a família compõe-se de quatro elementos: os
filhos, a mulher, os bens, os escravos; além, naturalmente,
do chefe a que pertence a direção da família.
Deve ele guiar os filhos e as mulheres, em razão da
imperfeição destes. Deve fazer frutificar seus
bens, porquanto a família, além de um fim educativo,
tem também um fim econômico. E, como ao estado,
é-lhe essencial a propriedade, pois os homens têm
necessidades materiais. No entanto, para que a propriedade
seja produtora, são necessários instrumentos
inanimados e animados; estes últimos seriam os
escravos.
Aristóteles não nega a natureza humana ao escravo;
mas constata que na sociedade são necessários
também os trabalhos materiais, que exigem indivíduos
particulares, a que fica assim tirada fatalmente a possibilidade
de providenciar a cultura da alma, visto ser necessário,
para tanto, tempo e liberdade, bem como aptas qualidades espirituais,
excluídas pelas próprias características
qualidades materiais de tais indivíduos. Daí
a escravidão.
Vejamos, agora, o estado em particular. O estado surge,
pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social,
político.
O estado provê, inicialmente, a satisfação
daquelas necessidades materiais, negativas e positivas, defesa
e segurança, conservação e engrandecimento,
de outro modo irrealizáveis. Mas o seu fim essencial
é espiritual, isto é, deve promover a virtude
e, conseqüentemente, a felicidade dos súditos
mediante a ciência.
Compreende-se,
então, como seja tarefa essencial do
estado a educação, que deve desenvolver harmônica
e hierarquicamente todas as faculdades: antes de tudo as espirituais,
intelectuais e, subordinadamente, as materiais, físicas.
O fim da educação é formar homens mediante
as artes liberais, importantíssimas a poesia e a música,
e não máquinas, mediante um treinamento profissional.
Eis porque Aristóteles, como Platão, condena
o estado que, ao invés de se preocupar com uma pacífica
educação científica e moral, visa a conquista
e a guerra. E critica, dessa forma, a educação
militar de Esparta, que faz da guerra a tarefa precípua
do estado, e põe a conquista acima da virtude, enquanto
a guerra, como o trabalho, são apenas meios
para a paz e o lazer sapiente.
Não obstante a sua concepção ética
do estado, Aristóteles, diversamente de Platão,
salva o direito privado, a propriedade particular e a família.
O comunismo como resolução total dos indivíduos
e dos valores no estado é fantástico e irrealizável.
O estado não é uma unidade substancial, e sim
uma síntese de indivíduos substancialmente distintos.
Se se quiser a unidade absoluta, será mister reduzir
o estado à família e a família ao indivíduo;
só este último possui aquela unidade substancial
que falta aos dois precedentes. Reconhece Aristóteles
a divisão platônica das castas, e, precisamente,
duas classes reconhece: a dos homens livres, possuidores,
isto é, a dos cidadãos e a dos escravos, dos
trabalhadores, sem direitos políticos.
Quanto à forma exterior do estado, Aristóteles
distingue três principais: a monarquia, que é
o governo de um só, cujo caráter e valor estão
na unidade, e cuja degeneração é a tirania;
a aristocracia, que é o governo de poucos, cujo caráter
e valor estão na qualidade, e cuja degeneração
é a oligarquia; a democracia, que é o governo
de muitos, cujo caráter e valor estão na liberdade,
e cuja degeneração é a demagogia. As
preferências de Aristóteles vão para uma
forma de república democrático-intelectual,
a forma de governo clássica da Grécia, particularmente
de Atenas. No entanto, com o seu profundo realismo, reconhece
Aristóteles que a melhor forma de governo não
é abstrata, e sim concreta: deve ser relativa, acomodada
às situações históricas, às
circunstâncias de um determinado povo. De qualquer maneira
a condição indispensável para uma boa
constituição, é que o fim da atividade
estatal deve ser o bem comum e não a vantagem
de quem governa despoticamente.
FAMILIA E EDUCAÇÃO
O
Estado deve promover a família e a educação,
legislando sobre as mesmas.
"Convém fixar
o casamento das mulheres nos dezoito anos, e o dos homens
nos trinta e sete, ou pouco menos. Assim a união será
feita no momento do máximo vigor e os dois esposos
terão um tempo pouco mais ou menos igual para educar
a família, até que cessem a ser próprios
à procriação" (Política,
4,c.14, § 6).
Com vistas à depuração social defende
ainda:
"Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar
ou educar, deve haver uma lei que proíba alimentar
toda a criança disforme. Sobre o número dos
filhos (porque o número dos nascimentos deve sempre
ser limitado), se os costumes não permitem que os abandonem
e se alguns casamentos são tão fecundos que
ultrapassem o limite fixado de nascimentos, é preciso
provocar o aborto, antes que o feto receba animação
e a vida; com efeito, só pela animação
e vida se poderá determinar se existe crime" (Política,
4,c.14, § 10).
Só modernamente se veio a saber melhor sobre a vida.
Enquanto isto demorou, até moralistas cristãos
admitiram o aborto antes da referida animação
de que fala Aristóteles, como acontecida apenas em
um estágio adiantado da gestação.
O
grande Aristóteles,
apesar de sua vida relativamente curta (62 anos) e da perda
de seus livros mais literários e brilhantes, continua
sempre grande.
Não
se sabendo dizer se foi mesmo o maior filósofo
dentre os até agora nascidos,
certamente é Aristóteles ainda uma das cordilheiras
mestras do pensamento humano.