Encontro temático discutiu a obra de Cândido Procópio Ferreira de Camargo
Evento realizado na PUC-SP entre 26 e 28 de agosto discutiu os principais pontos do livro "Católicos, protestantes, espíritas", publicado em 1973

Luís Mauro Sá Martino[*]

Quando o primeiro exemplar de "Católicos, Protestantes, Espíritas", de Cândido Procópio Ferreira de Camargo, saiu da gráfica, em 1973[1], a Sociologia da Religião consolidou-se como campo autônomo de pesquisa no Brasil. Seus estudos anteriores, "Kardecismo e Umbanda" (1961) e "Igreja e Desenvolvimento" (1971), já anunciavam a paisagem teórica que viria a se delinear no novo trabalho. Como o ano de publicação de "Católicos, Protestantes, Espíritas" foi o mesmo de criação do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pensou-se que uma reflexão sobre o livro seria o caminho natural para uma celebrar o aniversário do Programa. Com esse propósito foi realizado, entre os dias 26 a 28 de agosto na PUC-SP, o encontro temático "Católicos, Protestantes, Espíritas…30 anos depois".

O evento reuniu pesquisadores e estudiosos da religião no Brasil, dentre eles vários ex-alunos de Camargo, como Beatriz Muniz de Souza, uma das organizadoras, Antonio Flávio Pierucci e Reginaldo Prandi, além de estudantes de graduação e pós-graduação interessados nas relações entre religião e mudança social, foco da obra de Camargo. A tese do livro é audaciosa: a pluralidade religiosa não é um sinal de reavivamento da religião; pelo contrário, a dispersão das instituições religiosas e sua contínua adaptação às exigências da vida cotidiana ameaçam a existência da religião, ao menos nas formas em que a conhecemos. A fragmentação do universo institucional "dessacraliza a própria instituição religiosa"[2].

E foi esse o tema da mesa de abertura do evento, composta por Prandi e Pierucci. Pesquisadores do Núcleo de Sociologia da Religião do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), do qual Procópio era coordenador, os professores fizeram um balanço teórico da secularização no Brasil. Prandi, em particular, explicou alguns dos métodos de trabalho de Camargo e do próprio CEBRAP, procurando colocar a obra no contexto de acordo com referenciais nacionais e internacionais da Sociologia contemporânea.

Seguindo a proposta do livro, o segundo dia do evento foi dedicado aos evangélicos. Os professores Antônio Gouvea de Mendonça, José Rubens Jardilino e Leonildo Campos mostraram até que ponto as denominações evangélicas crescem em uma sociedade particularmente secularizada, adotando para tanto estratégias de modernização mais ou menos conservadoras, conforme o caso. Mendonça enfatizou a história do Protestantismo no Brasil, ressaltando a presença de protestantes nas invasões francesas e holandesas – a influência, sobretudo nesta última, foi mais duradoura. Jardilino e Campos, comentando a exposição, reforçaram o sentido do crescimento pentecostal e das inúmeras formas novas de participação na sociedade brasileira, sobretudo no campo educacional e político.

O último dia do evento foi dividido em duas etapas. Na parte da tarde, Regina Novaes, Maria José Fontelas Rosado Nunes e Ênio José da Costa Britto debateram as novas formas e possibilidades do Catolicismo no Brasil. Retomando algumas das idéias de Camargo em "Católicos, Protestantes, Espíritas" - sobretudo a distinção entre o Catolicismo "internalizado" e o "tradicional" - os pesquisadores avaliaram a situação da Igreja no Brasil. Conforme explicou Pierucci no primeiro dia do evento, "toda a Sociologia da Religião no Brasil é uma Sociologia do declínio do catolicismo". Essa discussão foi retomada pelos debatedores quando consideraram as formas de atuação e desenvolvimento da Igreja. O tema era bastante caro a Camargo.

"Católicos, Protestantes, Espíritas" traz uma discussão sobre o processo de secularização, apontando para uma inevitável perda de terreno das religiões. Isso em uma época em que o censo registrava o Brasil ainda como "o maior país católico do mundo". Os dados do Censo 2000, exibidos em primeira mão por vários pesquisadores, mostraram uma modificação sensível nessas condições. Praticamente hegemônicos em 1940, os católicos somam atualmente pouco mais do que 73% dos brasileiros, competindo com um impressionante avanço do Pentecostalismo e, a par de um crescimento vegetativo dos espíritas, com uma ascendência impressionante dos que se declaram "sem religião".

No encerramento do evento, Leila Marrach Basto de Albuquerque, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), debateu com Silas Guerriero e Eliane Gouveia, ambos da PUC-SP, os chamados "Novos Movimentos Religiosos". Em sua exposição, Leila enfatizou a importância do corpo nas novas doutrinas e religiões. Guerriero e Eliane, por sua vez, discutiram as relações possíveis entre formas efetivamente "religiosas" desses movimentos e sua desvinculação com "religiões", no sentido em que estas são tradicionalmente compreendidas. Guerriero chamou a atenção para a dificuldade de estabelecer de maneira definitiva o que se entende por "novos movimentos religiosos", na medida em que muitos deles se orientam em situações de fronteira entre a mística, o ocultismo, a ecologia e as religiões propriamente ditas.

Há muito fora dos catálogos, esse "Católicos, Protestantes, Espíritas" praticamente inaugurou a moderna Sociologia da Religião no Brasil. Conquanto não tenha sido o primeiro estudo nessa área, reuniu pela primeira vez uma teoria sociológica de peso – uma importante contribuição para a metodologia weberiana – com o estudo concreto de casos em larga escala.

Notas

[*] Doutorando em Ciências Sociais, PUC-SP.

[1] Camargo, Cândido Procópio Ferreira de: Católicos, Protestantes, Espíritas, Petrópolis, Vozes, 1973.

[2] Ibid., p.10.