Mitologia dos Orixás é a maior coletânea de mitos de divindades africanas e afro-americanas, já produzida. O livro é fruto de uma longa e competente consulta bibliográfica no Brasil e em outros países aliada a uma acurada pesquisa de campo, ambas baseadas numa verdadeira teia de informações que o autor cuidadosamente refaz em notas que acompanham cada mito. Porém, mais que uma bela obra científica, trata-se de uma obra científica bela, fruto da sensibilidade de um exíguo conhecedor e entusiasta das religiões de origem africana como é Reginaldo Prandi.
Os trezentos e um mitos reunidos e recontados apresentam as venturas e desventuras dos orixás mais cultuados nos países da diáspora negra e também daqueles cujo culto foi quase extinto, permanecendo às vezes, somente na memória de seus velhos sacerdotes, como Agenor Miranda Rocha. O professor Agenor, com 94 anos de idade, considerado o decano da religião dos orixás no Brasil, foi o primeiro sacerdote a registrar mitos por escrito em 1928. Aquele caderno pessoal foi publicado em 1999 [Caminhos de Odu: Os Odus do jogo de búzios, com seus caminhos, ebós, mitos e significados, conforme ensinamentos escritos por Agenor Miranda Rocha em 1928 e por ele mesmo revistos em 1998. Organizado por Reginaldo Prandi, com ilustrações de Pedro Rafael (Rio de Janeiro, Pallas, 1999)].
Essas narrativas falam muito dos rituais e do modo de ser e de viver dos filhos-de-santo do candomblé. Os mitos estruturam a religião dos orixás. Seus adeptos seriam descendentes das divindades e os contos, por sua vez, seriam fragmentos da própria história de vida desses filhos-de-santo. História essa que se repetiria ciclicamente, conforme o mito, que vem sendo contado de geração para geração desde um tempo imemorial.
A tarefa que Reginaldo Prandi colocou para si foi fazer de Mitologia dos Orixás um conjunto rico e harmonioso. Teve êxito. Diante da enorme diversidade de fontes, o autor logrou forjar um padrão de linguagem - segundo ele inspirado no modo dos poemas oraculares dos babalaôs africanos - que confere ao texto vivacidade e clareza.
Fotos e ilustrações, por sua vez, são cúmplices do texto na apresentação das faces dos deuses africanos. As fotografias foram feitas por admiradores e pesquisadores do candomblé, sobretudo o próprio Prandi, e as gravuras são do artista Pedro Rafael. Os retratos mostram os orixás no corpo de seus filhos em transe, com suas ferramentas, roupas, colares e gestos, de modo que mito e rito "conversam" harmoniosamente, mesmo sob os olhos do leitor menos familiarizado com o repertório ritual das religiões de origem africana.
Já as ilustrações acompanham todo o texto pontuando-o com precisão e beleza, sobretudo aquelas que abrem os capítulos. Um trabalho de grande sensibilidade que mais do que ilustrar, e o faz primorosamente, estabelece uma conexão profunda com o texto muitas vezes imperceptível num primeiro olhar.
Mitologia dos Orixás, enfim, é uma obra de grande valor literário. Referência para os pesquisadores das religiões de origem africana e para seus adeptos. Pode-se desde já vislumbrar sua influência sobre pesquisadores, simpatizantes e o povo-de-santo. Essa religião de tradição oral, que cada vez mais se apropria da palavra escrita universal, dispõe agora de uma belíssima fonte da qual todos nós podemos beber.