O feminino no poder. Esse fato provoca estranhamento em nossos dias. Imaginem nos séculos XVIII e XIX, quando mulheres negras surgem na Bahia como sacerdotisas centrais dos templos de uma expressão religioso denominada Candomblé. Para explicar esse fato, procuro iluminar a trajetória da mulher negra África-Brasil, mostrando suas relações sócio-culturais-econômicas.
Palavras-chave: Mulher Negra, Candomblé, Escravidão.
Female on power. This fact provokes strangeness nowadays. Imagine in the XVIII e XIX century, when black women appeared in Bahia as the main priest in the temples of a religious expression called Candomblé. In other to explain this fact, I try to illuminate the trajectory of black women in Brazil, showing their cultural and economics relationships.
Keywords: Black Women, Candomblé, Slavery.
Em todas as sociedades conhecidas é o homem que detém o poder religioso. É ele quem faz a mediação entre os "outros" e os deuses. Em outras palavras, somente alguns homens, de uma determinada sociedade, têm o poder de conversar e ouvir as vozes divinas.
Assim, torna-se possível imaginar a abrangência do fascínio, a dimensão da surpresa e o próprio estranhamento, no dizer antropológico, do encontro de uma religião em que no lugar do masculino está o feminino. Tanto os estudiosos das religiões, quanto as pessoas anônimas ficam surpresas quando se deparam com a mulher ocupando o ápice da hierarquia religiosa. No entanto, essa expressão religiosa está viva e faz parte da cultura brasileira. A maioria de seus elementos veio com os africanos para o Brasil.
Não obstante, na África é o homem quem detém o poder religioso. Para explicar essa troca de poder religioso entre os sexos torna-se importante reconstruir o cotidiano da mulher negra. Ainda na África, Pierre Verger, ao remontar à importância da feira, especialmente para os iorubás, mostrava a presença das mulheres como grandes negociantes, sendo que no mercado, comparadas aos homens, elas são maioria.
A atividade de troca que ocorre nas feiras parece ser de importância inconteste para as mulheres iorubás, pois elas se submetem à separação de suas famílias: quando jovens, deixam seus lares para ir comerciar em mercados distantes; quando idosas, mandam suas filhas para as feiras importantes e permanecem próximo a suas casas com seus tabuleiros, ou, então, abrem pequenas vendas. Evidencia-se que essas trocas realizadas nas feiras tanto podem ser para a subsistência como para alguma acumulação. Neste último caso, é importante sublinhar, a mulher não está trabalhando para o seu cônjuge. Ela compra a colheita do marido, a revende na feira e fica com o lucro. Nessa perspectiva, pode-se avaliar a autonomia da mulher iorubá: deixa a própria família, se embrenha em caminhos distantes para chegar às feiras; compra a produção de seu próprio marido, revende e permanece com o lucro; é, enfim, uma ótima comerciante.
Mas a sua importância parece ser mais abrangente à medida que se visualiza a feira não somente como a complementaridade econômica, ela é o locus privilegiado de outras trocas além de bens materiais. Nas feiras trocam-se também bens simbólicos: notícias, modas, receitas, músicas, danças. Estreitam-se relações sociais. Ali são realizadas alianças importantes; ali também ocorrem os namoros, acertam-se casamentos.
Percebe-se, assim, que o papel da mulher iorubá vai além do desempenhado nas atividades econômicas. Ela é mediadora não só das trocas de bens econômicos, como também das de bens simbólicos. O lugar social ocupado pela mulher iorubá, sem sombra de dúvidas, possibilita-lhe o exercício de um poder fundamental para a vida africana.
Nesse momento, movo o meu foco de análise para a família. É Verger quem destaca o papel da mulher, ao informar que
(...) Na organização da família iorubá, que é polígama, contrariamente ao conceito que pessoas mal informadas fazem, as mulheres usufruem uma maior liberdade que a que se dá nas uniões monogâmicas. Na grande casa familiar do esposo, elas são aceitas como progenitoras dos filhos, destinadas a perpetuar a linhagem familiar do marido. Mas elas nunca aí são totalmente integradas, deixando-lhes esse fato uma certa independência. Após o casamento, elas continuam a praticar o culto de suas famílias de origem, embora seus filhos sejam consagrados ao deus do cônjuge (Verger, 1986: 275)[1].
Apesar de os dados contidos na afirmação de Verger atestarem a patrilinearidade em relação ao poder religioso (os filhos são consagrados ao deus do cônjuge), a mulher, ao praticar o culto de sua família de origem, está vinculada ao deus paterno; portanto, guarda uma certa autonomia em relação a seu marido.
Se, para algumas interpretações, o casamento de um homem com várias mulheres indica a submissão feminina, pode-se interpretar esse fato preliminarmente como Verger, ao mostrar que a dominação masculina dilui-se entre as várias mulheres. Essa versão, aliada ao dado das "mulheres no mercado", das "ótimas comerciantes" que conseguem amealhar fortunas consideráveis - o que as torna, muitas vezes, mais ricas que seus próprios maridos (mesmo porque é da competência masculina a subsistência das mulheres e filhos) - faz com que a versão vergeriana sobre a poliginia e a autonomia feminina ganhe muito mais sentido.
Ainda na África, outras situações vividas pela mulher merecem destaque: "(...) Na organização dos reinos fons e nagô-iorubá, as mulheres desempenharam um papel ativo, eram elas quem administravam o palácio real, assumindo os postos de comando mais importantes, além de fiscalizarem o funcionamento do Estado" (Silveira, 2000: 88)[2].
Destaca-se, também, que os daomeanos eram guerreiros terríveis, mas, sobretudo, que mantinham uma tropa feminina de elite que amedrontava de longe o inimigo.
No século XVIII, as feiras e mercados iorubás isolados se articulavam em uma grande rede, ao mesmo tempo em que ocorria o processo de urbanização das cidades. Data dessa mesma época a fundação de duas associações femininas importantes: as sociedades Ialodê e Gueledé.
A Ialodê era uma associação feminina cujo nome significa "senhora encarregada dos negócios públicos". Sua dirigente tivera lugar no conselho supremo dos chefes urbanos e era considerada uma alta funcionária do Estado, responsável pelas questões femininas, representando, especialmente, os interesses das comerciantes. Enquanto a Ialodê se encarregava da troca de bens materiais, a sociedade Gueledé era uma associação mais próxima da troca de bens simbólicos. Sua visibilidade advinha dos rituais de propiciação à fecundidade, à fertilidade; aspectos importantes do poder especificamente feminino.
É interessante notar que essas duas associações femininas estão diretamente referidas às atividades desenvolvidas pelas mulheres nas feiras. Mais precisamente à mulher do mercado, a mediadora da troca, tanto de bens materiais quanto de bens simbólicos que vieram dar origem respectivamente a Ialodê e a Gueledé. Percebe-se, assim, que a mulher iorubá além de deter o saber de usar a autonomia que a própria família poligínica lhe possibilitou, tornou-se a mediadora de bens materiais e simbólicos; e foi, ainda no século XVIII, fundadora de associações femininas importantes.
Essa volta ao passado africano não tem a pretensão de filiar este estudo às correntes afro-centristas. Esse retorno possibilita simplesmente alcançar uma profundidade histórica à medida que a África é percebida como fonte. Na realidade, o foco de minha análise centra-se na diáspora. Movimento esse pensado, anteriormente, como de mão única, uma vez que o significado da escravidão que emerge, no primeiro momento, era o de uma viagem sem volta, com o massacre, com o desmonte da diversidade cultural africana que aportava no Brasil com seus agentes.
Durante quase cem anos, os estudos que analisaram o negro no Brasil, se não o viam como destituído de tudo, o viam como mercadoria, que no limite é quase a mesma coisa. Em outras palavras, o olhar era externo, mais do que isso, era o do colonizador, sobretudo do traficante e do "senhor". O africano, ao contrário, continuou tanto como criatura, quanto como criador. Dessa forma, durante a escravidão, na subterraneidade, o "movimento das feiras" ocorria em várias direções, iluminando uma outra visão da diáspora, anulando o caminho sem volta de uma única direção. É nessa perspectiva que devem ser entendidos os seus significados: se percebo a diáspora como divisor de águas entre o passado e o presente, entendo também que o seu sentido não é estático; mas são fluxos, trocas entre o passado e o presente, entre os africanos que permaneceram em sua terra natal, os que vieram para o Brasil, os que chegaram nas Antilhas e nos Estados Unidos. A diáspora significa necessidade de trânsito em várias direções, de transposições de fronteiras, especialmente das fronteiras de inúmeros grupos étnicos africanos que chegaram ao Brasil.
É nesse sentido que Canevacci afirma: "A diáspora de etnias tão diferentes realizou de formas imprevisíveis o sentido da palavra de origem grega: uma inseminação aqui e acolá, uma fecundação dispersiva, uma disseminação desordenada" (Canevacci, 1996: 8)[3].
Na verdade o autor, ao fazer essa afirmação, não está somente explicitando o sentido da diáspora, mas está colocando as bases do sincretismo para a totalidade da cultura. É ainda Canevacci quem diz que "(...) a diáspora é a mãe do sincretismo" (Canevacci, 1996: 8)[4].
Salienta-se também que uma das características fundamentais da diáspora é a criatividade que permite, de forma às vezes desordenada, fecundações inesperadas. Essa desordem promove, sem dúvida alguma, uma possibilidade sincrética que estará presente em todas as fecundações culturais que, por sua vez, estão referidas também a fatores históricos e sócio-econômicos. O sincretismo faz-se presente desde o momento em que o africano sai de sua terra natal; fazia parte das estratégias do sistema escravocrata a mistura de diferentes etnias para, assim, evitar rebeliões. Esse procedimento também ocorria na chegada dos africanos ao Brasil: evitava-se a formação de um grupo étnico numa fazenda ou em suas proximidades.
Um outro fato concreto que aprofundou o sincretismo foi o tráfico interno que ocorreu em terras brasileiras especialmente a partir de 1850, quando o tráfico internacional foi proibido por lei; escravos de regiões onde o ciclo econômico encontrava-se decadente eram vendidos para outras regiões.
Essas possibilidades sincréticas, ou fecundações inesperadas, frutos da diáspora, são, no limite, ressignificações, das quais o sincretismo é um dos aspectos fundamentais que podem ser encontrados no cotidiano feminino negro no Brasil. Se na África as mulheres ganharam fama como excelentes comerciantes, chegando mesmo a fundar a associação Ialodê, no Brasil essa organização parece ter tido menos importância. Silveira explica a ressignificação do cargo de Ialodê, que veio a ser usado como um título para mulheres importantes do Candomblé. Afirma Silveira: "Omonikê, Maria Julia Figueiredo, que sucedeu Marcelina Obatossi na direção do já intitulado Ilê Axé Iya Nassô Oka foi a última a ter os títulos africanos de Ialodê e Erelu" (Silveira, 2000: 94)[5].
No Brasil, o que era uma associação transformou-se em um título cuja substância tinha a ver tanto com o comércio quanto com a religião. Essa mudança não impediu que surgissem as ganhadeiras-escravas ou forras, que permaneceram com o mesmo papel de mediadoras tanto de bens materiais quanto de bens simbólicos. Tanto isso é verdade que no Maranhão, mais precisamente na cidade de São Luís, no século XIX, tem-se a presença de Adelina - a charuteira - filha de uma escrava conhecida como Boca da Noite e de um rico senhor.
A biografia dessa ganhadeira é exemplar; assim, é a sua história:
Era ainda adolescente quando seu pai e senhor sofreu um revés financeiro, empobreceu e passou a fabricar charutos. Adelina era encarregada das vendas e, duas vezes ao dia, ia para a cidade entregando tabuleiros de charutos de botequim em botequim e vendendo avulso para os transeuntes. Em sua peregrinação por São Luís, procurava parar sempre no Largo do Carmo, onde estudantes do Liceu eram os seus fregueses. Lá teve a oportunidade de assistir a numerosos comícios abolicionistas promovidos pelos estudantes nas escadarias da escola. Apaixonou-se pela causa e passou a freqüentar as manifestações e passeatas em prol da abolição da escravidão (Schumaker, 2000: 23)[6].
Adelina, a charuteira, ficou famosa e sua vida consta do Dicionário das mulheres do Brasil. No entanto, com certeza, as ganhadeiras-escravas ou forras anônimas, à medida que circulavam pela cidade, faziam circular também notícias, informações, músicas, orações... recriando, no Brasil, o papel feminino de mediadora de bens simbólicos.
A importância econômica da ganhadeira é atestada pela sua presença em várias cidades brasileiras. Na cidade de São Paulo, a presença das ganhadeiras é narrada por Maria Odila da Silva Dias:
Os observadores contemporâneos também descreveram negras de tabuleiros sentadas nas calçadas da rua da Quitanda Velha, durante o dia ou à noite, sob a iluminação fumacenta dos rolos de cera escura, pregados nos tabuleiros ou socados nos turbantes, quando caminhavam lentamente, jogando sombras pelo caminho (Dias, 1984: 14)[7].
Não é só na São Paulo que se encontravam as ganhadeiras trabalhando, vendendo seus produtos, especialmente, gêneros de primeira necessidade para a população pobre da cidade. Em Minas Gerais, Luciano Figueiredo é o informante:
O destaque da presença feminina no comércio concentrava-se nas mulheres que eram chamadas de 'negras de tabuleiro'. Elas infernizavam autoridades de aquém e de além-mar. Todos os rios de tinta despejados na legislação persecutória e punitiva não foram capazes de diminuir o seu ânimo em Minas e pelo Brasil afora (Figueiredo, 1997: 145)[8].
Há vários estudos que mostram a presença e a importância das mulheres de tabuleiro na Bahia, das comerciantes femininas, como o de Verger, 1959; Landes, 1967; Moreira Soares, 1996 e Ferreira Filho, 1998. Pierre Verger, ao comparar a rede africana das feiras com as que ocorrem nas Américas, afirma:
(...) aqui houve a sua supressão, mas existem feiras locais (diurnas) e os "tabuleiros" das vendedoras isoladas (diurnas e noturnas). A baiana de turbante, camisa rendada, saias de algodão colorido sobrepostas e pano-da-Costa, numa adaptação de vestimenta africana (ou melhor, das africanas muçulmanas) a um novo meio e novos "patterns" de vestuário - vai, com o tabuleiro sobre a cabeça, coberto, como em terra Nagô, por um pano que protege do sol e das moscas. Vai e se instala num canto da feira local, ou numa calçada, no ponto que lhe pertence de costume; ela senta num banquinho, põe ordem no tabuleiro e vende, aos apreciadores da comida africana, os acaçás, acarajés... Em alguns pontos da cidade, à noite, na luz vacilante dos lampiões, um grupo de baianas vende suas comidas ou pequenos objetos de perfumaria, recriando do outro lado do Atlântico a "feira noturna" dos vilarejos iorubás (Verger, 1992: 155)[9].
A recriação da feira em Salvador é comentada também por Cecília Moreira Soares que, referindo-se às escravas ganhadeiras, escreve:
O sucesso das ganhadeiras que se dedicavam à venda de peixe e de diversos gêneros, com renda diária de até 4 mil réis, em 1849, faz crer que souberam desempenhar seu papel muito bem. O sucesso se refletia, sobretudo, no controle que as ganhadeiras vieram a ter sobre o comércio varejista de produtos perecíveis (Moreira Soares, 1996: 61)[10].
É a mesma autora quem informa que: "(...) a escrava ganhadeira, devido ao sucesso que obtinha nas vendas, podia acumular o excedente em relação à parte paga ao senhor e, assim, comprar a sua própria alforria" (Moreira Soares, 1996: 68); Chegaram a comprar a alforria de outros membros de sua família inclusive a de seus companheiros" (Bernardo, 1986: 32)[11].
É claro que o fato de parte das escravas ganhadeiras terem comprado sua alforria não é o único responsável pela situação das mulheres negras serem alforriadas antes e em maiores proporções que os homens. Apesar da existência de poucos trabalhos sobre as relações de gênero durante a escravidão, Cunha demonstrou que, em termos de alforria, "(...) houve discriminações: beneficiava-se primeiro, em extraordinárias proporções, as mulheres " (Cunha, 1985: 41)[12].
Ainda segundo Cunha: "(...) estas disparidades são maiores se for levado em conta que a proporção dos sexos na população escrava pendia fortemente para os homens, vistos como economicamente essenciais" (Cunha, 1985: 41).
As escravas ganhadeiras podiam comprar a alforria. No entanto, só a partir de 1871, com a Lei do Ventre-Livre, foi permitido à escrava formar um pecúlio. Essa poupança parece estar diretamente referida à afirmação de Giacomini de que:
A expressão família escrava não aparece em nenhum momento nas fontes pesquisadas, nem mesmo na legislação referente aos escravos e sua prole. Pelo contrário, na legislação referente e nos projetos de lei sobre escravidão, nos momentos em que se fez referências à relação entre escravos, eram utilizadas as expressões como filhos de escravos e mãe escrava.
Parecer e Projeto de Lei (Lei do Ventre-Livre) de 1870 referiam-se à família.
A 7ª - Providências para manter a integridade da família, estabelecendo que, no caso da libertação das escravas, os filhos menores de oito anos acompanharão suas mães (art. 6º, § 6º) e ampliando-se a disposição do artigo 2º da Lei nº 1695 de 15 de setembro de 1869, a qualquer caso de alienação ou transmissão (art. 6º, § 11º)" (apud Giacomini, 1983: 15)[13].
Pelo projeto de lei, "(...) verificava-se que a legitimação da família negra se referia à mulher e seus filhos" (Bernardo, 1997: 61)[14]. Aqui se encontra a causa de se facultar à escrava ganhadeira o pecúlio, que deveria ser utilizado com os seus filhos. Na realidade, no momento em que passa a vigorar essa lei, as crianças nascidas a partir dessa data não são mais escravas, mas são filhos de escravos. A época dessa lei foi marcada pelo pânico. O medo se reflete em uma notícia do Diário do Rio de Janeiro, em 1871:
O que ficará sendo a escravidão? Qual será a autoridade, a posição do senhor, quando o escravo puder, perante ele, invocar os seus direitos em relação à propriedade, em relação à família, quando puder exigir dele a sua emancipação em nome da lei? (...) Não cogitou (o governo) que, se conceda ao escravo o direito da sucessão ativa e passiva, é mister conferir-lhe o uso e o exercício ativo e passivo de todas as ações que nasceu do direito de família, que regulam as sucessões e a transmissão de herança? Concebe alguém que, sem completa anarquia, os escravos possam mover ações em juízo, como autores e como réus, que possam demandar legados e heranças que possam mover ações de filiação? (apud Giacomini, 1983)[15].
As crianças nascidas no pós-Ventre-Livre tornaram-se uma ameaça tão grande aos senhores que a possibilidade de pecúlio para a mãe-escrava simplesmente suavizava o pânico e o prejuízo do senhor. Assim, se a reprodução escrava, anteriormente, era vista de maneira absolutamente positiva, a partir de 1871 a criança negra torna-se um peso difícil de se desvencilhar.
A Lei do Ventre-Livre, com o seu pecúlio, nada mais fez do que acentuar uma forma alternativa de família que tem suas origens na diáspora e desdobramentos na escravidão e no pós-abolição. Se na África as mulheres viviam com seus respectivos filhos em casas conjugadas à grande casa do esposo, num sistema poligínico, no Brasil rompeu esta relação, permanecendo a chefia da família com a mulher, florescendo a matrifocalidade.
Essa forma alternativa de família está diretamente relacionada à autonomia feminina que veio sendo conquistada desde a África, onde as mulheres foram as principais responsáveis pela rede de mercados que interligavam todo o território iorubá, com experiência de excelentes comerciantes, atribuída também às mulheres bantas. Essas atividades comerciais recriadas no Brasil ainda na época da escravidão fazem com que surjam as ganhadeiras, escravas ou livres, que em muitas regiões tornam-se as responsáveis pela distribuição dos principais gêneros alimentícios, chegando a comprar a própria alforria, numa forma de liberdade que, por sua vez, beneficiou muito mais as mulheres, que eram menos necessárias à produção sobre a qual o sistema escravocrata estava constituído. Assim, as mulheres negras, comparadas com seus parceiros, tiveram melhores oportunidades de trabalho, construindo brechas no mercado de trabalho livre que então se formava. Continuaram a ser ótimas comerciantes; foram também amas, lavadeiras, cozinheiras; chegaram a ser também operárias das primeiras fábricas no início do processo de industrialização em São Paulo.
Desse modo, a matrifocalidade como forma alternativa de família parece fazer parte dos fluxos, das trocas constituídas na diáspora. Tanto para a mulher africana quanto para a afro-descendente, a matrifocalidade aparentemente não foi somente uma imposição da escravidão e do pós-abolição, com a conseqüente marginalização do homem negro no mercado livre durante as primeiras décadas do século XX, que o impossibilitava de assumir a chefia familiar.
A mulher negra parece viver a matrifocalidade de forma diferente das mulheres brancas. Em minhas pesquisas anteriores e na atual, pude verificar que para essas mulheres a matrifocalidade não é encarada como sofrida, pesada; pelo contrário, acentua sua autonomia, traz satisfação.
Klass Woortman, ao estudar a matrifocalidade na Bahia, obteve dados semelhantes aos meus:
Um fato que merece menção é o de que a proporção de díades maternas em minha amostra é mais alta que nas de Hammel. O fato pode ser devido à diferença de amostragem, mas pode também ser devido a diferenças culturais entre as duas populações. Não disponho de informações relativas à ideologia familiar das comunidades peruanas estudadas por Hammel, mas podemos recordar que muitas mulheres na Bahia não desejam casar-se como foi observado por Landes e que elas podem facilmente despedir seus companheiros, caso estes não correspondam às expectativas. Algumas mulheres declararam que preferiam receber visitas... A mesma liberalidade também é parte das atitudes dos homens, eles preferem deixar a casa se a mulher começa a ficar muito mandona ou reclamona (Woortman, 1987: 123)[16].
Os achados de Woortman, como os de Landes e os meus, sugerem a existência de elementos culturais na matrifocalidade vivenciada por parte das mulheres negras no Brasil. Parry Scott, ao discutir como o homem e a mulher vivem a matrifocalidade, diz que:
Esse termo identifica uma complexa teia de relações montadas a partir do grupo doméstico onde, mesmo na presença do homem na casa, é favorecido o lado feminino do grupo. Isso se traduz em: relações mãe-filho mais solidárias que relações pai e filho, escolha de residência, identificação de parentes conhecidos, trocas de favores e bens, visitas etc., todos mais fortes pelo lado feminino; e também na provável existência de manifestações culturais e religiosas que destacam o papel feminino (Scott, 1990: 39)[17].
Na definição de matrifocalidade acima emergem elementos culturais que, no caso aqui estudado, foram criados durante a escravidão e mesmo no pós-abolição, além das ressignificações das experiências africanas.
Na África, a família poligínica propiciava relações mais estreitas entre mãe e filhos do que aquelas do pai com seus filhos, inclusive porque os filhos viviam com sua mãe em casas conjugadas à grande casa do esposo que vivia com a esposa principal e os filhos desta. O fato de viverem em casas conjugadas significa, no limite, que as diferentes esposas com seus respectivos filhos viviam em casas separadas da casa do esposo.
Por outro lado, Verger mostra que a família poligínica dilui a dominação masculina encontrada nas uniões monogâmicas. Na primeira, "(...) as mulheres não são totalmente integradas, deixando-lhes este fato uma certa independência" (1992: 99)[18]. O mesmo autor, ao comentar as relações sociais que ocorrem no interior das famílias poligínicas, diz que "Nas grandes famílias, o entendimento é em geral mais cordato entre os filhos de uma mesma mãe do que entre aqueles que têm um pai comum mas mães diferentes" (Verger, 1992: 100)[19].
Esse comentário de Verger ganha mais sentido se aliado às seguintes informações de Lawal, sobre a situação feminina:
Desde que as mulheres no papel de mãe são idealizadas como amorosas, carinhosas e irrevogavelmente comprometidas com a proteção das vidas que elas trouxeram ao mundo, é irônico que essas mulheres sejam também acusadas de feitiçaria. De acordo com Peter Morton-Williams, a identificação de feitiçaria com as mulheres pode estar relacionada com a poligamia típica dos iorubanos, em que há rivalidades, ciúmes mútuos e suspeitas; de um lado, encontra-se a co-esposa e seus filhos e, de outro, co-esposas e os parentes de seu marido. Sob essa atmosfera as mulheres demoram para engravidar, abortam; as desgraças, os infortúnios surgem como atos engendrados pelas outras co-esposas ou parentes hostis do marido.
Essas suspeitas desenvolvem-se em uma permanente 'guerra-fria' em que todos participam dos rituais de proteção ou de agressividade. Em uma situação como essa uma mulher pode ser compelida a desenvolver os poderes ocultos para proteger tanto seus filhos como a si mesma" (Lawal, 1996: 32)[20].
A interpretação desses fatos ilumina o estreitamento das relações entre mães e filhos em detrimento das relações paternas. Na verdade, o que transparece é que os filhos gravitam em torno da mãe em uma interdependência totalizadora; inclusive o conflito entre irmãos do mesmo pai e de mães diferentes dá indicativos nessa direção. Mas é sobretudo o fato da existência de uma verdadeira "guerra-fria" entre parentes, em que a mãe encontra-se sempre ao lado de seus filhos, para protegê-los, faz com que ela desenvolva poderes ocultos, transformando-se em feiticeira; indicando que as situações de conflito vividas pela mãe com seus filhos possibilitam o desenvolvimento de sentimentos maternos de tal monta que chega-se à feitiçaria como forma de proteção.
Na discussão entre instinto e sentimento, chamo Morin para fortalecer meus pensamentos, pois penetro em um território sagrado para o mundo ocidental, o do amor materno:
A cultura insere-se completamente na regressão dos instintos (programas genéticos) e na progressão das competências organizacionais, reforçada simultaneamente por essa regressão (juvenilizante) e por essa progressão (cerebralizante) necessária a esta e aquela. Ela constitui um "tape-recorder", um capital organizacional, uma matriz informacional, apta a nutrir as competências cerebrais, a orientar estratégias heurísticas, a programar os comportamentos sociais (Morin, 1991: 85)[21].
As aptidões substituem os programas estereotipados ou instintos, "(...) mas elas só podem operacionalizar-se a partir da educação sócio-cultural e num meio social complexificado pela cultura" (Morin, 1991: 85)[22].
É nessa perspectiva que entendo o desenvolvimento do sentimento materno entre as africanas. Em outras palavras, esse sentimento não é o instinto. No sapiens, tem-se a regressão instintual e a emergência de aptidões que se desenvolverão mais ou menos de acordo com a cultura através do processo de socialização. Não há dúvida de que as diferentes formas de família, com suas normas, fazem parte da diversidade cultural. Assim, a poliginia parece possibilitar o desenvolvimento de sentimentos maternos diferenciados em relação à monogamia. Nesta última, a relação com o pai é mais próxima, pois existe a possibilidade de cuidados com a prole. Tanto é que, a partir da prática psicanalítica desenvolvida em uma clínica neuro-psiquiátrica na África Ocidental no período de 1962 a 1986, Ortigues e Ortigues (1984) revelam que na cultura africana é a mãe quem se relaciona corpo a corpo com a criança, sem intermediários.
Assim, no sapiens, tem-se a "(...) aptidão natural para a cultura e a aptidão cultural para desenvolver a natureza humana" (Morin, 1991: 85). Esse aspecto, o do sentimento materno que envolve uma proteção sem limites entre as africanas fazendo com que se transformem em feiticeiras para salvaguardar a si mesmas e a seus filhos.
É revelador que entre os mitos e ritos desta sociedade existe o da Iá Mi Oxorongá minha-mãe feiticeira. Sobre este assunto, afirma Carneiro da Cunha:
Ela é o poder em si, tem tudo dentro de seu ser. Ela tem tudo. Ela é um ser auto-suficiente, ela não precisa de ninguém, é um ser redondo primordial, esférico, contendo todas as oposições dentro de si. Awon Iya wa são andróginas, elas têm em si o Bem e o Mal; dentro delas, elas têm a feitiçaria e a anti-feitiçaria; elas têm absolutamente tudo, elas são perfeitas (Carneiro da Cunha, 1984: 8)[23].
É claro que não são todas as mulheres africanas que se transformaram em feiticeiras; também não foram todas as suas descendentes que viveram a matrifocalidade. Robert Slenes encontrou relações monogâmicas entre os escravos na região de Campinas, no Estado de São Paulo:
Tal família deve sua existência à relação peculiar entre Estado, Igreja e Sociedade, além de ter incidido diretamente nas taxas de nupcialidade, também teria mantido ou fortalecido um clima ideológico no seio da elite favorável à idéia de casamento religioso como instituição benéfica e moralizadora para todas as classes sociais (Slenes, 1999: 91)[24].
Percebe-se, assim, que a construção da família e os sentimentos que a envolvem têm a ver com as relações sócio-culturais, políticas e econômicas. "No entanto, ironicamente, sempre cada sistema de parentesco é visto no seu próprio contexto como natural ou sagrado" (Maynes, 1996: 3)[25].
A sociedade brasileira, ou melhor, o Ocidente, sacralizou tanto a família monogâmica quanto o amor materno, que também é visto como instintivo e portanto natural. É nesse sentido que concordo com Badinter, quando diz:
Ao percorrer a história das atitudes maternas, nasce a convicção de que o instinto materno é um mito. Não encontramos nenhuma conduta universal e necessária da mãe. Ao contrário, constatamos a extrema variabilidade de seus sentimentos, segundo sua cultura, ambições e frustrações. Como então não chegar à conclusão, mesmo que lhe pareça cruel, de que o amor materno é apenas um sentimento e, como tal, essencialmente contingente. (Badinter, 1985: 367).[26]
As características de proteção e afeto maternos intensos, acrescidas à de provedora, que a mulher africana e afro-descendente também detém, como foi discutido anteriormente, possibilitam a vivência da matrifocalidade na sociedade brasileira. No entanto, todos esses aspectos culturais, sócio-econômicos e históricos elencados não explicam a ocorrência somente de um tipo de família, mas dão indícios fundamentais para o entendimento do fato peculiar da mulher surgir como a detentora do poder religioso, a grande sacerdotisa do candomblé.
Mas além da matrifocalidade vivida por parte das mulheres africanas no Brasil e de aspectos importantes levantados para a compreensão da mulher deter o poder religioso, sublinha-se a existência também da matrilinearidade. Em outras palavras, a matrifocalidade, aqui, combina-se com a matrilinearidade. Este último conceito ganha sentido com a norma de que os filhos ao pertencerem sempre ao grupo da mãe, a descendência é matrilinear (Brown, 1972, p.3).[27]
O fato da existência da matrilinearidade é comprovada também pelo jogo de búzios – peça-chave do Candomblé – em que as mães-de-santo tradicionais antes da primeira jogada pede o nome e o sobrenome da cliente, só que este último só do lado materno. Todo o jogo, especialmente as relações do presente com o passado, desenrola-se através da matrilinearidade. Desse modo, essa prática divinatória é povoada de imagens femininas, da bisavó, da avó, da mãe, da filha, da tia materna.
Assim, a definição de matrifocalidade discutida por Scott se completa. Em suas palavras: "(...) é também na provável existência de manifestações culturais e religiosas que destacam o papel feminino" (1990: 38).[28]
Para iluminar ainda melhor este fato - o da chefia feminina - torna-se importante destacar alguns fatores que foram incisivos para que a mulher viesse a ocupar o ápice da hierarquia religiosa, além dos outros que foram elencados no trajeto feminino da África para o Brasil.
As mulheres africanas pertencentes a etnias fons e iorubás exerceram em seus respectivos reinos um poder político importante. É claro que no presente da escravidão esse poder teve que ser ressignificado. Na realidade é totalmente contraditório com a situação de escravo o exercício de qualquer poder no plano do real. Assim, pode ter ocorrido uma transformação: se não existiam condições de exercício do poder real, exercia-se no plano do imaginário, através da religião.
No candomblé baiano há fatos que favorecem a minha interpretação:
A ialorixá Omonikê, Maria Julia Figueiredo, que sucedeu Marcelina Obatossi na direção do já então intitulado Ilê Axé Iya Narso Oka, foi a última a ter os títulos africanos de Ialodê e Erelu. Isto nos leva à representação das mulheres nagô-iorubás da Bahia. Omonikê era Provedora-mor da devoção de Nossa Senhora da Boa Morte, fundada pela ala feminina da Irmandade dos Martírios na década de 1820 e sincretizada com a sociedade Gueledé. Na Bahia, a ialorixá da Casa Branca, a Ialodê Erelu, a Ialodê da Gueledé e a Provedora-Mor chegaram a ser a mesma pessoa, isto é, a representante suprema das mulheres nagô-iorubás com direito a assento no Aremafá da casa de Oxóssi (Silveira, 2000: 93)[29].
Desse modo, as informações de Renato da Silveira indicam que o poder feminino ressignificado, no Brasil, passou para o âmbito religioso. Na verdade, quem vai receber o título de Ialodê é a ialorixá Omonikê - Maria Julia Figueiredo. Além disso, ela concentrou em suas mãos o cargo de Provedora-Mor da Irmandade da Boa Morte, o da principal sacerdotisa do Terreiro da Casa Branca, e também o de ialaxé das Gueledés. Essa concentração de poder desnuda, de um lado, o poder da mulher, pois todas essas organizações são femininas; de outro lado, mostra a interpenetração entre a Gueledé, a Irmandade da Boa Morte e o Candomblé.
Outro aspecto que deve ser destacado para iluminar o fato de a mulher vir a ser a sacerdotisa-chefe do Candomblé diz respeito à densidade do sentimento materno na africana. Esse sentimento, por sua vez, tem muito a ver com a noção de Terra-Mãe comentada por Morin:
A Terra-Mãe como metáfora só virá a florescer em toda a sua extensão nas civilizações agrárias, já históricas, o trabalhador Anteu colhe sua força no contato com a terra, sua matriz e horizonte, simbolizada na Grande Deusa... onde jazem seus antepassados, onde ele se julga fixado desde sempre. Com esta fixação ao solo, virá impor-se à magia da terra natal; que nos faz renascer por que é nossa mãe... É bem conhecida a dor do banido grego ou romano que não terá ninguém que lhe continue o culto como ficará separado para sempre da Terra-Mãe (Morin, 1988: 114)[30].
A África contém para os escravos do Brasil todas as características da Terra-Mãe de que fala Morin. Era dela que o africano retirava o alimento com os seus diferentes significados para a totalidade de sua vida, é nela que se encontram enterrados os seus antepassados e onde ele pensa em permanecer, pois é a sua terra natal (Bernardo, 1997: 108)[31].
Mas além do africano não permanecer na sua terra de origem, defrontou-se com a escravidão. Assim, se no plano do real a situação não valia a pena ser vivida, devia existir compensação. É no plano do simbólico e do imaginário que se encontram as respostas para resistir.
Nesse sentido, torna-se importante evidenciar a diferenciação feita por Jung entre Pátria e Terra: "A pátria supõe limites, isto é, localização determinada, mas o chão é solo materno em repouso e capaz de frutificar" (Jung, 1993: 39)[32].
É no solo brasileiro que frutificará o Candomblé, a terra-mãe como metáfora para os africanos e seus descendentes. Se o Candomblé representa a terra-mãe que, por sua vez, possui os seus significados ligados ao feminino, essa expressão religiosa, ao representá-la, ganha todas as suas significações. É nesse sentido que a grande sacerdotisa do candomblé é chamada de mãe-de-santo. Essa denominação não é casual - Jung afirma:
"É a mãe que providencia calor, proteção, alimento, é também a lareira, a caverna ou cabana protetora e a plantação em volta. A mãe é também a roça fértil e o seu filho é o grão divino, o irmão e amigo dos homens, a mãe é a vaca leiteira e o rebanho" (Jung, 1993: 39)[33].
Na verdade, Jung está pontuando as características do arquétipo de mãe, no qual estão incluídos sentimentos que nas africanas e suas descendentes foram tão intensificados a ponto de levar estas mulheres a se tornar feiticeiras para proteção de seus filhos. A possível ampliação desses sentimentos foi uma das causas que tornou plausível à mulher viver a matrifocalidade tanto na família consangüínea como na de santo. Tanto isso é verdade que os primeiros terreiros de que se tem notícia, datando dos séculos XVIII e XIX, são os candomblés de origem iorubá, cuja chefia é feminina.
Mas não foram somente os candomblés baianos que foram fundados por mulheres. Em São Luis (MA) tanto o Tambor de Mina quanto a Casa de Nagô possuem nas suas origens o feminino. O primeiro foi fundado por Maria Jesuína, africana do Benin; Josefa e Joana, vindas de Abeokuta, fundaram a Casa de Nagô (Ferreti, M., 1996)[34].
Dessa forma, percebe-se que a troca do poder religioso entre os sexos, que partilha das idéias de Gilroy sobre a diáspora, pode ser melhor explicitada ao recolocar a noção de Terra-Mãe, iluminando a necessidade da mãe, da mulher, da proteção feminina para os africanos ao deixarem a sua terra natal – a África.
A explicação dada, por uma mãe-de-santo tradicional, sobre o fato da sucessão no seu terreiro seguir normas matrilineares é dita da seguinte forma: "Olhe minha filha na minha caso só mulher pode ser rainha; Ora por quê? Ela tem mais axé".
A resposta dada pela sacerdotisa sobre o fato de ser a mulher a grande sacerdotisa do candomblé faz com que eu retome a discussão da mulher africana, dos cultos da Iá Mi Oxorongá, que Laval (1996) refere-se as estas últimas como mais poderosas que os orixás, que por sua vez, parecem ter relações com o fato de as mulheres terem desenvolvido poderes ocultos para proteger a si e as seus filhos dos conflitos originados na família poliginica; do desenvolvimento profundo do sentimento materno e começo a compreender porque a mulher é a sacerdotisa central dos primeiros terreiros que se tem notícia. Mais precisamente, o exercício do amor, do afeto – parece desenvolver o axé. Isto é, troca-se o amor por axé. É essa relação determinante no candomblé – a reciprocidade[35].
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[*] Livre docente do Departamento de Antropologia e Coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais – PUC/SP. Autora dos livros Memória em branco e negro: olhares sobre São Paulo. São Paulo, EDUC-UNESP, 1998; Negras, Mulheres e Mães, São Paulo, EDUC-PALLAS, 2003, além de artigos nacionais e internacionais.
[1] VERGER, Pierre. "A contribuição especial das mulheres ao candomblé do Brasil". In: Culturas africanas. São Luís do Maranhão, UNESCO, 1986.
[2] SILVEIRA, Renato da. "Jeje-nagô, iorubá-tapá, aon-efan, ijexá: processo de constituição do candomblé da Barroquinha (1764-1851)". In: Revista cultura, vol. 6. Petrópolis, Vozes, 2000.
[3] CANEVACCI, Massimo. Sincretismos. São Paulo, Studio Nobel, 1996.
[4] CANEVACCI, Opus cit.
[5] SILVEIRA, Renato da. "Jeje-nagô, iorubá-tapá, aon-efan, ijexá: processo de constituição do candomblé da Barroquinha (1764-1851)". In: Revista cultura, vol. 6. Petrópolis, Vozes, 2000.
[6] SHUMAKER, S. Dicionário de mulheres do Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 2000.
[7] DIAS, Silva da M.O. Quotidiano e Poder em São Paulo. São Paulo, Brasiliense, 1984.
[8] FIGUEIREDO, Luciano. "Mulheres nas Minas Gerais". In: História das mulheres no Brasil. São Paulo, Contexto, 1997.
[9] VERGER, Pierre. Artigos. Tomo I. São Paulo, Corrupio, 1992.
[10] SOARES, M. Cecília. "As ganhadeiras: mulher e resistência negra em Salvador no século XIX". In: Afro-Ásia, vol. 17. Salvador, CEAO-UFBA,1996.
[11] BERNARDO, Teresinha. A mulher no candomblé e na umbanda. Dissertação de mestrado. São Paulo, PUC-SP, 1986.
[12] CUNHA, M. Carneiro da. Negros estrangeiros. São Paulo, Brasiliense, 1985.
[13] GIACOMINI, S. Maria. Mulher escrava: uma introdução histórica ao estudo da mulher negra no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1988.
[14] BERNARDO, T. Axé: ruptura-continuidade. Margen – revisitando o Brasil. São Paulo, EDUC, 1997.
[15] GIACOMINI, Opus cit.
[16] WOORTMANN, Klaas. A família das mulheres. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1987.
[17] SCOTT, Parry. "O homem na matrifocalidade: gênero, percepção e experiências do domínio doméstico". In: Cadernos de pesquisa. São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 1990.
[18] VERGER, Pierre. Artigos. Tomo I. São Paulo, Corrupio, 1992.
[19] VERGER, Opus cit.
[20] LAWAL, Babatunde. The Gelede Spectacle: Art, Gender and Social Harmony in an African Culture. Seattle, University of Washington Press, 1996.
[21] MORIN, Edgard. O paradigma perdido. Portugal, Publicações Europa-América, 5a. edição, 1991.
[22] MORIN, Opus cit.
[23] CUNHA, C. Mariano. "A feitiçaria entre os nagô-yorubá". In: Dédalo, vol. 23. São Paulo, USP, 1984.
[24] SLENES, W. Robert. Na senzala, uma flor. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999.
[25] MAYNES, M. Jo et al. Gender, Kinship and Power. Nova York, Routledge, 1996.
Tradução de: "Ironically, however, each system of kinship is seen in its own context as natural or god-given".
[26] BADINTER, Elizabeth. O mito do amor materno. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985.
[27] BROWN, Radcliiffe. Estructura y función em la sociedad primitiva. Barcelona, Ediciones Peninsula, 1972.
[28] SCOTT, Parry, Opus cit.
[29] SILVEIRA, Renato da, Opus cit.
[30] MORIN, Edgard. O homem e a morte. Portugal, Publicações Europa-América, 1988.
[31] BERNARDO, Teresinha. Opus cit.
[32] JUNG, G. Carl. A civilização em transição. Petrópolis, Vozes,1993.
[33] JUNG, G. Carl. Opus cit.
[34] FERRETTI, Mundicarmo. A Mulher no Tambor de Mina. São Paulo, Mandrágora, nº 3, ano 3, 1996.
[35] A comunidade - terreiro - com sua família de santo é constituída através de relações de reciprocidade, nas quais as pessoas e também os orixás exercem a obrigação de dar, receber, retribuir. Em outras palavras, o mesmo princípio de reciprocidade que rege as relações entre os membros do candomblé, regula também as relações entre os deuses e os homens" (Bernardo, 1997: 111). Nota-se que as relações de reciprocidade tão próprias do candomblé, são conseqüência da proibição do incesto existente nessa expressão religiosa.