Com o surgimento das ciências da religião no século XIX, e seu largo desenvolvimento no ambiente de pesquisa, surge também um novo desafio para o pensamento filosófico ocidental, visto que, de aqui em diante, ele irá esbarrar numa vasta paisagem do fenômeno religioso situado para além das fronteiras já conhecidas. Este artigo pretende mostrar o novo material fornecido pelas religiões orientais, que atualmente se inserem no contexto ocidental e exigem, principalmente da filosofia uma nova atitude de pensar sobre a transcendência e o religioso.
Palavras-chave: Ocidente, Oriente, filosofia, religião.
With the emergence of the sciences of religion in the 19th century, and their considerable development in areas of research, a new challege also arises for Western philosophical thought. From now on, it will be confronted with a vast landscape of the religious phenomenon extending far beyond the hitherto known frontiers. This article endeavors to bring to light the new material provided by oriental religions, now making themselves known in the West, and to invite, especially on the part of philosophy, a new atitude of thought as regards transcendence and the religious.
Keywords: West, East, philosophy, religion.
Na virada do século XX não poucos intelectuais assumiram o manto da profecia e predisseram a obsolescência da religião durante o novo século. O antigo sonho iluminista de um mundo ainda contracenando com um Deus-arquiteto, mas sem as formalidades da religião organizada, e repleto de ciência, civilização e tolerância, parecia prestes a se concretizar. Agora, quando a primeira década do século XXI está terminando, esse presságio parece, digamos, um tanto míope. A religião está em evidência como nunca antes - em formas tradicionais, mas também, lamentavelmente, em novas formas fundamentalistas - e olhamos para o século anterior como os cem anos talvez mais sangrentos da história humana, cheio de genocídios, gulagui, campos de concentração, armas nucleares, químicas e biológicas, terrorismos estatais e não-estatais, e semelhantes.[1] A maioria dessas atrocidades foi travada em nome não de uma religião, mas de um ateísmo esclarecido, seja ele o socialismo nacional da Alemanha, o DIAMAT da União Soviética ou o maoísmo da China. A tentativa de fazer sumir a religião parece ter resultado na maior desumanidade em memória recente.
As novas ciências da religião, já nascidas juntamente com outras ciências humanas no séc. XIX, começaram a gerar estudos detalhados desse fenômeno que, diacrônica e sincronicamente, mostrou-se mais universal e tenaz do que era pensável no passado; longe de ser anacrônico, virou uma proeminência não só da história, mas sobretudo do mundo contemporâneo, resistente a qualquer reducionismo fácil. Não que tenham faltado tentativas reducionistas: religião como um aspecto só da cultura humana, e assim território para antropólogos; como projeção ou extrapolação só de categorias sociais, e assim um dado para sociólogos; como reflexo só de necessidades ou até distúrbios da psique humana, exigindo atenção, na primeira linha, dos psicólogos e psicanalistas. Os próprios teólogos das tradições religiosas tiveram de se ocupar mais com o fato de outras tradições e desenvolver estratégias teológicas para explicar, em termos de uma providência divina global, o pluralismo das religiões (ou reduzi-lo a uma conseqüência do pecado ou atividade demoníaca). Os ateus, enfim, igualmente desafiados pela persistência do fenômeno religioso, continuam seus esforços de explicá-lo em termos humanos, materiais ou genéticos, da visão naturalista do antigo Lucrécio até ao ateísmo confessional de Richard Dawkins.
A filosofia, porém, precisava de algum tempo para se posicionar perante essa paisagem enriquecida dos conhecimentos recolhidos sobre as grandes religiões da humanidade. Reflexões mais provinciais, da parte de Cícero[2], de Agostinho[3] e até de Tomás de Aquino[4], na Antigüidade e na Idade Média, não podiam ainda plenamente incorporar a vastidão do fenômeno, em particular no que diz respeito ao Oriente, que só as explorações modernas e a erudição contemporânea conseguiam desvendar.
Os contornos dessa paisagem expandida de uma religiosidade quase universal e de implicações em todos os campos da atividade humana revelaram-se, sobretudo, na nova conscientização da variedade e da riqueza das tradições orientais. Já que o filósofo enfrenta o mundo, o homem e a transcendência com questionamento programaticamente aberto, excluindo, em princípio, nenhum assunto universal da sua indagação, esse fenômeno expandido constitui um desafio singular. Assim, o que aconteceu no campo das ciências da religião não pode ficar sem impacto sobre toda a empreitada filosófica (talvez mesmo sobre a noção de filosofia). Todavia, ainda há abordagens filosóficas que se convencem de que a religião é algo que não reivindica a sua atenção, e sim apenas dos cientistas sociais e talvez dos teólogos. Quero apresentar algumas considerações que pretendem desmentir essa atitude. Faremos aqui um levantamento sumário da história dos contatos entre Leste e Oeste e posteriormente, um panorama de alguns fatos a respeito do Hinduísmo, Budismo e religião/filosofia chinesa, e de como só recentemente o desafio filosófico da realidade religiosa e filosófica do Oriente assumiu um perfil que não cabe mais entre parênteses ou meramente em notas de rodapé. Queremos ver em que medida esse objeto de consideração filosófica se tornou um novo tipo de provocação ao exercício de qualquer filosofia que ainda mereça o nome.
O homem europeu sempre soube de seus horizontes: como se falasse um “A!” ao virar-se a esses limites intimidantes: o frio da neve do Ártico ao norte, o calor da areia da África ao sul, o tumultuoso Atlântico a oeste e..... a Ásia no oriente. As Américas atrás do Atlântico e a África subsaariana atrás do deserto iriam revelar-se apenas à Europa moderna, mas aquele mundo a leste já começou, bem cedo na história, a chamar atenção. Uma parte da Anatólia já batizada de Ásia como província do Império Romano e o nome Levante aplicado ao litoral leste do mare internum (nosso Mediterrâneo) já indicavam algo mais profundo para o auto-entendimento do homem ocidental do que apenas um dos limites de seu mundo geográfico. Desse Oriente levantou-se algo tão significativo quanto o próprio sol: a civilização. Dois berços dela, ao longo do Nilo e entre o Tigre e Eufrates, jazem imediatamente a leste da Europa; mais dois, na Índia e China, mediatamente a leste (no coração de um mundo que ia revelar seus mistérios mais íntimos só ao mundo moderno). E não esqueçamos os recém-chegados à categoria de berço: o Peru e a Mesoamerica.
É estranho constatar quão pragmático o contato entre Leste e Oeste foi durante milênios, ficando quase sempre aquém de uma apreciação adequada em termos de filosofia e religião. Nas “Histórias” de Heródoto lemos sobre Scylax de Caryanda, cerca de 520 a.C., e sua viagem, no serviço de Dário, o Grande, para leste da Pérsia para medir o curso do rio Indo (HERÓDOTO, Livro IV, 44), mencionado até no livro VII da “Política” de Aristóteles (“Política”, Livro VII, 1332b). Seu relato, porém, não existe mais. Aristóteles, ao fazer suas observações políticas sobre governos indianos, evidentemente nem suspeitava de que, naquelas bandas, havia bibliotecas de reflexão metafísica que iria ser estudada, um dia, com a mesma assiduidade quanto as próprias teorias do Estagarita. Depois veio a marcha de Alexandre, o Grande, no séc. IV a.C., via Pérsia até a Índia, acompanhado por uma equipe de sábios gregos, com a intenção de implantar o pensamento grego em toda a Ásia. Mas, quando não conseguiu resistir à tentação de emular o estilo dos potentados orientais, seus soldados recusaram-se a continuar sua grande marcha a leste. Ele recuou nas margens do rio Indo. A unidade do império de Alexandre também se perdeu depois de sua morte ainda jovem, com 33 anos. Mas parece que alguns sábios nus (ginosofistas) voltaram com Alexandre para a Grécia, porque várias fontes filosóficas ocidentais testemunham a presença desses sadhus no mundo antigo (Strabo, Dionísio Laertes, Filone, Plutarco, Porfírio, entre outros). Um certo Onisicrito, em particular, deve ter sido encarregado por Alexandre da tarefa de conversar mais demoradamente com os ginosofistas e de ter comentado sobre a semelhança entre suas idéias e as dos cínicos gregos. (PFISTER, 1941) Contudo, os estudiosos concordam que tais semelhanças entre doutrinas indianas e filosofia cínica (podemos dizer o mesmo, mutatis mutandis, a respeito da filosofia cética e estóica) não remontam, necessariamente, a qualquer influência uni ou bilateral (LORENZ, 1998). Existem teses plausíveis, mas não conclusivas, de que a filosofia da natureza de Heráclito tenha sido influenciada por idéias indianas, transmitidas pelos medas (WEST, 1971), e de que o Uno plotiniano podia ter recebido impulsos significativos dos Upanixades (LACOMBE, 1950). Mas são apenas hipóteses.
O limite do Rio Indo, além do qual Alexandre não se aventurou, virou um novo horizonte da imaginação ocidental, o nome do rio tornou-se um apelido mesmo para o sub-continente, que os habitantes chamam de Bharat, mas nós, de Índia; e a religião deles, que chamam de sanatana dharma (a doutrina ou lei perene), mas nós, de Hinduísmo. Mesmo nossos indígenos americanas viraram, por acidente, índios.
Um dos sucessores de Alexandre mandou um tipo de embaixador para Patna, na Índia, um certo Megastenes, que passou cinco anos lá e escreveu um relato que, infelizmente, sobrevive apenas em fragmentos. Encontramos referências a uma classe de pessoas que ele chama de filósofos. Mas é muito pouco. Aliás, a penetração do exército de Alexandre até o rio Indo não deixou nenhum vestígio na literatura indiana. É como se ele nunca tivesse ido lá.
Do outro lado, o imperador indiano Ashoka (III séc. a. C.), que se converteu do Bramanismo ao Budismo, enviou missionários budistas para Síria, Egito e Grécia. Achamos prova disso num edito de pedra do ano 256 a. C. Porém, não existe evidência física das visitas a esses países, nem relatórios na Índia. Clemente de Alexandria, do séc. III d. C., menciona os brahmanes nas páginas dos “Stromateis”, e também parece ser o primeiro no Ocidente a fazer referência ao Buda; mas Clemente afirma apenas que os indianos veneram boutta com a honra devida a um deus. O mesmo autor, contudo, reconhece que “a filosofia...já floresceu na antigüidade entre os bárbaros, iluminando as nações. Depois veio para Grécia...” (CLEMENTE DE ALEXANDRIA, Livro I, 15).
Os romanos desenvolviam relações comerciais com a Índia, e, indiretamente, com a China, recebendo aquelas especiarias que deixaram a impressão de uma região exótica onde temperos tão fortes e saborosos podiam crescer.
O geógrafo grego Estrabão, do séc. I d. C., relata a existência de um reino greco-indiano em Báctria (hoje Afeganistão, Uzbequistão e Turcomenistão), do período, mais ou menos, de Alexandre até Cristo, onde se constata uma certa helenização dessa parte da Ásia. Foi escrita lá uma famosa obra de exposição da doutrina budista, a “Milindapañha”, um diálogo entre Milinda (o rei grego, Menandros, que tinha conquistado o norte da Índia) e um monge budista. Milinda converteu-se ao Budismo e a obra constitui, até hoje, a escritura não-canônica mais sagrada dos theravadins. Mas, aparentemente, nunca chegou ao Ocidente, senão bem recentemente.
Devemos uma grande parte da nossa imagem do Oriente às “Mil e uma noites”, com as personagens de Simbad, Ali Babá, Aladim: contos persas, indianos e egípcios, cheios de exotismo, mas sem sinais de discurso propriamente filosófico nem de informação sobre as religiões além do Indo. O pensamento medieval entra em significativo contato com o Oriente apenas com os filósofos árabes e persas do Islã. Mas, sabidamente, a maior contribuição desses pensadores à filosofia medieval latina era a transmissão do legado neo-platônico e aristotélico grego e não de fontes orientais. A civilização muçulmana era, simultânea e paradoxalmente, quase um espelho do patrimônio ocidental e grego para os grandes escolásticos do século XII, XIII e XIV, e, em muitos aspectos, uma muralha impenetrável entre eles e o mundo da sabedoria indiana e chinesa além da Pérsia.
“Il milione”, do comerciante e aventureiro veneziano Marco Polo - que passou 25 anos na corte de Kublai-Khan, na China no final do séc. XIII - é cheio de observações geográficas, políticas e culturais, mas você procura em vão qualquer referência a Confúcio, a Lao-tse ou a outras figuras da riquíssima tradição da religião e filosofia chinesas. O fascínio com as superfícies predomina, como mais tarde na chinoiserie da porcelana e outras artes chinesas admiradas pela Europa do séc. XVII e XVIII.
A famosa Rota da Seda era caminho privilegiado na transmissão de documentos budistas, e depois do Islã mesmo, para Ásia Central e China, e de uma troca de sábios entre essas bandas e a Índia. Mas, apesar de chegar até ao Mediterrâneo em Antioquia, a rota raramente serviu de rota de filosofia ou religião entre Europa e Ásia. Só algumas seitas do Ocidente (como maniqueísmo e nestorianismo) conseguiram fazer uma viagem ao Oriente, mas sem sobreviventes significativos hoje. O Oriente serviu para decorar os interiores das casas dos privilegiados da Europa e temperar a comida, mas raramente para alimentar o pensamento.
Somente com Vasco da Gama o Oeste terá, de novo, um acesso direto à Índia, desta vez, por via marítima. Porém, naquela época (a partir do séc. XVI), o Império Mongol, muçulmano, dominava o norte do subcontinente. Esse fato, juntamente com os interesses, sobretudo comerciais, dos europeus, deixou as riquezas da religiosidade e sabedoria indianas bastante desconhecidas. A língua franca usada para fins de negócio e troca no comércio nunca viria a servir de veículo para transmissão de um conteúdo propriamente filosófico ou religiosa.
Um capítulo ambíguo na história dos intercâmbios entre o Ocidente a China é aquele protagonizado pelos missionários jesuítas, nomeadamente Matteo Ricci e seus colegas, os quais, no séc. XVII, introduziram tentativas de harmonização (bem no espírito chinês) entre Cristianismo, a veneração dos ancestrais, e aspectos do Confucionismo e Taoísmo. O fascinante drama dessas aproximações chegou a um fim abrupto quando a Igreja radicalmente delimitou o âmbito de tais acomodações no séc. XVIII. Matteo Ricci recebeu reconhecimento da importância das suas tentativas apenas por Papa João XXIII em 1959, quando foi apresentado como um modelo para os missionários (PAPA JOÃO XXIII, 1959).
Parece simbólico que as Américas foram descobertas por exploradores que estavam a procura da Índia. Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral estavam a caminho da Índia quando aportaram nas costas norte e sul-americana. Mas bem depois da Era das Descobertas Marítimas a curiosidade dos europeus iria ser despertada por um outro tipo de descoberta: uma descoberta lingüística.
Em 1786, enquanto Kant preparava a segunda edição da “Crítica da Razão Pura”, querendo aproximar os limites da cognição humana possível, o polímata e prodígio lingüístico William Jones publicou “The Sanskrit Language”, alargando os limites da linguagem européia, mostrando o parentesco entre o sânscrito, língua sagrada dos hindus, e o latim e o grego. Eruditos como August von Schlegel e Franz Bopp viraram os primeiros sanscritistas e a expressão línguas indo-européias tornou-se a categoria para consolidar uma nova e expandida família lingüística. Os indianos e os europeus tiveram um patrimônio comum. Essa realização conduziu, rapidamente, ao trabalho imenso de tradução dos numerosos textos de literatura, religião e sabedoria indianas. O irmão de August, Friedrich von Schlegel, compôs o importante ensaio “Sobre a língua e a sabedoria dos indianos”, em 1808. Depois, em 1827, apareceu a obra do inglês Henry Colebrooke, “Ensaio sobre a filosofia dos hindus”. Agora, a Europa prestava atenção a algo mais profundo na Índia do que especiarias e contos exóticos. Sabemos que Hegel leu o texto de Colebrooke, mas a envergadura da literatura sapiencial indiana ainda era desconhecida, e o impacto foi modesto.
Artur Schopenhauer foi o mais destacado filósofo ocidental do século XIX a estudar o Budismo e o Hinduísmo por razões filosóficas, achando especialmente na versão de compaixão no Budismo algo próximo ao seu próprio ideal ético. Também confessou que a leitura de uma recente tradução dos “Upanixades” lhe trouxera imensa consolação. Porém, é evidente que Schopenhauer procurou mais confirmações de suas próprias teorias nas doutrinais orientais, e não se entendeu como influenciado por elas como fontes. “É um prazer ver minha doutrina em tão grande acordo com uma religião que a maioria dos homens professam [exagero revelador da ignorância sobre as religiões orientais na época] (...) em meu filosofar, com certeza não fui sob sua influência” (SCHOPENHAUER, Livro II: 17).
A maior parte dos estudos sobre a Índia, no séc. XIX, era mais a título de filologia e das relações entre mito e conhecimento teórico. Os textos traduzidos ainda eram poucos, e a qualidade das traduções prejudicada por falta de experiência com abordagens inéditas. Traduções filosóficas sofreram, especialmente, das aproximações apressadas com a terminologia ocidental contemporânea (provindo do kantismo, hegelianismo, evolucionismo, etc.). Só na segunda metade do séc. XX começamos a ver traduções mais adequadas e desenvolvimento de critérios de interpretação e comparação que permitem uma penetração mais profunda do sentido original.
Resta observar que houve, também na Índia, uma abertura na virada do séc. XIX, quando cada vez mais membros da elite intelectual indiana se formavam no Oeste e começavam a lidar com a filosofia ocidental. O Vedanta, em particular, serviu de base para uma apresentação da sabedoria da Índia, com tentativas de usar abordagens do pensamento ocidental moderno para traduzir o pensamento vedantino num idioma filosófico ocidental. Vivekenanda e, mais tarde, Sri Aurobindo, são apenas dois nomes mais conhecidos entre muitos.
Apenas hoje o contato entre Leste e Oeste ocorre praticamente sem obstáculo geográfico ou impenetrabilidade lingüística. Falta só, às vezes, vontade. Consideremos, para contextualizar tal afirmação, o seguinte: mais da metade da população do mundo é oriental. A Ásia é o maior dos continentes. As principais religiões mundiais surgiram no Oriente Médio, na Índia e na China. É no Oriente que encontramos os quatro tradicionais berços da civilização (claro que, hoje, teríamos que incluir os incas e os mesoamericanos). Os filósofos ocidentais, porém, pronunciam-se, tipicamente, sobre o mundo, o ser e o conhecimento humanos sem se orientar sobre o imenso fato que é a realidade étnica, cultural, religiosa e sapiencial do Oriente. Só o legado judaico-cristão viajou, há dois mil anos, para o Oeste e, juntamente com o legado greco-romano, formou o mundo ocidental. Mas hoje o restante do Oriente está em plena divulgação mundial. A revelação da Índia e do Extremo-Oriente como fonte, não só de especiarias, arte, medicina e literatura, mas também de filosofia e religião altamente desenvolvidas, é, porém, bem recente. A obra de tradução, interpretação e comparação nesta área está ainda no seu começo.
O desafio de uma família de abordagens sapienciais que não deriva das fontes da racionalidade grega e que nunca chegou a gerar uma cultura dominada, como a nossa, por uma ciência empírica casada com uma tecnologia quase autônoma, convida à reflexão filosófica. É a filosofia algo especificamente ocidental? Por que a gigantesca tecnologia moderna nunca surgiu na China ou na Índia? Os chineses e os indianos foram primitivos ou sábios demais para desenvolver energia nuclear? Será que as sabedorias hindus, budistas e taoístas são inseparavelmente vinculadas às religiosidades respectivas e, por isso, condenadas a não passar de espécies de teologia oriental? Existem elementos esquecidos da nossa própria tradição sapiencial que o estudo das doutrinas orientais poderia despertar? Essas e semelhantes questões merecem ser ventiladas se quisermos pensar hoje num horizonte filosófico autenticamente global.
Ofereço, em seguida, um panorama resumido das três tradições orientais que apresentam, mais obviamente, abordagens de interesse filosófico para o pensador ocidental. Uma boa dose de religião comparada é imprescindível para quem quiser entender a filosofia comparada, pois filosofia e religião não estão apenas em interação, contraposição e interpenetração entre si, como no Ocidente, mas fazem isso de maneiras tão diferentes que necessitam de novos modelos de questionamento filosófico que permitam diálogo e entendimento.
Precisamos de definições provisórias da religião e da filosofia para acompanhar as reflexões. Aqui, vamos entender religião como uma resposta humana a uma iniciativa entendida como não-humana de religar o ser humano a uma transcendência percebida como necessária, mas, por alguma razão, perdida. Essa resposta se articula em várias modalidades de credo doutrinal (para o intelecto), código moral (para a vontade) e culto ritual (para o corpo), tudo isso em medidas e acentos altamente diversificados. A filosofia vamos entender como uma reflexão discursiva e crítica sobre questões principias que dizem respeito aos assuntos mais abrangentes: sentido, valor, origem, meta do ser humano, do mundo e da questão sobre a existência (ou não) de um absoluto.
Deixo fora da consideração o pensamento islâmico, não por falta de interesse da minha parte, nem por falta de pertinência, mas por ele fazer parte do âmbito das religiões e sabedorias semíticas. Infelizmente, é mais que claro que nosso mundo da Europa e das Américas tem noções ainda limitadas e, às vezes, preconceituosas sobre a vasta tradição do Islã, mas de fato constitui uma espécie de meio termo entre o Ocidente e a Ásia além do Indo. Qualquer estudo do Islamismo, e dentro dele do Xiísmo, Sunismo e Sufismo exigiria um estudo que começa com a origem das tradições abraamíticas, o que foge aos objetivos deste ensaio. Também não vou incluir nessas reflexões as tradições orientais de menor projeção no Ocidente de hoje, como o Xintoísmo japonês e o Jainismo, o Sikhismo e o Parsismo indianos. Espero que este resumo - apesar de ser bastante elementar e didático - nos ajude a apreciar o novo apelo à filosofia da religião, agora proferido também com as vozes e harmonias menos familiares do Oriente.
Antes de mais nada, é preciso observar que, nas línguas principais dos textos filosoficamente pertinentes do Oriente - o sânscrito, o páli, o tibetano, o chinês -, não encontramos termos exatamente equivalentes a nossos conceitos ocidentais de religião e filosofia. Um hindu, falando um idioma derivado do sânscrito, por exemplo, não diria, tipicamente, que tem uma certa religião que se chama de Hinduísmo. O termo remonta aos britânicos do séc. XIX e foi usado sobretudo para designar a civilização dos indianos no seu conjunto. Nem um brâmane culto, seguindo, por exemplo, a tradição do Vedanta, diria que essa última seja a sua filosofia. Isso vale para todas as tradições sapienciais do Oriente, mas se evidencia de uma maneira excepcional no caso da tradição mais indígena da Índia.
O Hinduísmo é tanto um contexto e um ambiente quanto uma série de crenças e observâncias. Não tem fundador, nem autoridade suprema em termos de um papa ou aiatolá. Vedismo, Brahmanismo e Hinduísmo são categorias mais cronológicas do que ideológicas, introduzidas por indólogos ocidentais para etiquetar estágios da história da tradição hindu. A expressão mais usada, em sânscrito, é sanatana dharma (“a lei, a doutrina ou a norma perene”). Quem é hindu é assim porque nasceu hindu, já situado numa classe social, estritamente hierarquizada, que tem uma séria de deveres e direitos correspondentes. Ser hindu é, assim, tanto um conceito sociológico quanto religioso. De maneira análoga, você permanece hindu não por profissões e práticas particulares; sua adesão se propaga pelo fato de você pertencer a uma determinada casta e por nunca ter, explicitamente, negado a autoridade de uma pequena biblioteca de textos sagrados que servem de fonte de todo o universo cultural, litúrgico, ético e sapiencial do hindu. Esses textos são os “Vedas”, por volta de seis vezes o tamanho da Bíblia. Para ser exato, existe só um “Veda”, porque o sentido da palavra é conhecimento, entendido como um conhecimento sagrado. A captação, até a visão primordial desse conhecimento é atribuída aos rishis, ou seja videntes, dos tempos da época da origem do ciclo cósmico presente, quase como patriarcas. Os “Vedas” são anadi, ou seja, sem início, reunidos em três coleções, ou samhitas: o “Rig-Veda” (rig = louvor), “Sama-Veda” (samans: canções sagradas) e “Yajur-Veda” (yajur: fórmulas sacrificiais), com mais tarde um quarto, o “Atharva-Veda” (atharvan: fórmulas mágicas). Aqui encontramos, sobretudo, hinos aos deuses, fórmulas de sacrifício, feitiços e exorcismos - textos que nós, no Ocidente, chamaríamos nitidamente de religiosos. Trata-se da mesma espécie de escrita nas “Brâmanas”, comentários subseqüentes que contêm um tipo de manual de instrução para a aplicação prática do conteúdo dos “Vedas”, explicando os ritos e prestando-lhes uma legitimação mitológica.
Foram acrescentadas mais tarde às “Brâmanas” as “Aranyakas” (“tratados da floresta”), reflexões místicas para serem feitas pelos eremitas recolhidos da sociedade. O desenvolvimento dessas foi assentado por escrito na forma dos “Upanixades” (que significa “sentar-se no chão próximo [do guru, para receber o ensinamento]”). Os principais desses textos foram escritos durante aquela época dourada - o tempo axial de Karl Jaspers - séc. VII-VI a.C., que viu os pré-socráticos gregos, a composição do Antigo Testamento pelos judeus em Babilônia, Zaratustra na Pérsia, o Buda no norte da Índia, e Lao-tse e Confúcio na China. Aqui achamos um corpo vasto e complexo de especulação antropológica, cosmológica e metafísica. Com os “Upanixades”, as escrituras reveladas (shriti, escutados) encerram-se. Assim, a especulação metafísica que elas geraram foi vista como o objetivo, o fim (anta) dos “Vedas”, ou seja, a Vedanta.
Existe um outro corpo considerável de escritos não escutados pelos rishis, mas lembrados (smriti), e que pertencem à tradição posterior aos “Vedas”, mas possuem também uma certa autoridade, mesmo que inferior a esses. Pertencendo ao smriti são as leis (“Manava-Dharmashastra”), regras rituais (“Vedangas”), textos éticos (“Niti-Shastras”), contos e lendas populares para os não letrados (as “Puranas”), poemas (“Itihasas”, “Kavyas”), e as duas grandes epopéias indianas (que lembram um pouco a “Odisséia” e a “Ilíada” homéricas): o “Ramayana” e o “Mahabharata”.
Já percebemos algo como uma vasta matriz imaginativa, poética e religiosa, de que a filosofia pode emergir, como o fez das epopéias e das artes das musas na Grécia antiga. E foi exatamente isso que aconteceu.
De maior interesse filosófico são os “Upanixades”, os numerosos comentários sobre eles, feitos ao longo da história do pensamento indiano, e um excerto de 700 dos 100 mil versos do “Mahabharata”, que virou o texto mais lido na Índia e até hoje considerado uma síntese da religião hindu e da sua sabedoria: “O Canto do Exaltado”, ou seja, o “Bhagavad-Gita”. Numa conversa entre o guerreiro Arjuna e seu cocheiro (o deus Krishna disfarçado), aspectos fundamentais do pensamento indiano são abordados.
O princípio filosófico - ao mesmo tempo teórico e ético - que jaz no coração dos 200 Upanixades (o número oficial é 108, mas só 14 são considerados mais importantes) é que a realidade fundamental do homem, o atman, afinal, é idêntica à realidade fundamental do mundo e da existência na sua totalidade, brahman. Cumpre ao homem realizar essa união efetivamente por meio do conhecimento dela ou de qualquer tipo de identificação. Segue-se disso a doutrina upanixádica: “Tat twam asi”, “você é aquilo”, ou seja, o sujeito e o objeto coincidem. Um panorama imenso de métodos para conseguir essa realização apresenta-se, conforme as diferenças de casta, de temperamento, de estágio de crescimento. A “Gita” organiza os pontos de vista (darshanas) segundo os quais a realidade de brahman pode ser encarada e os caminhos (margas) pelos quais a identificação com ele pode ser operada; existem seis darshanas e quatro margas. Aquelas são os chamados seis sistemas ortodoxos de filosofia hindu e estas os quatro métodos de moksha, ou seja, liberação daquilo que impede nossa realização: a maya, uma fixação da consciência humana em samsara, a revolução das aparências. Você pode conseguir moksha pelo caminho de karma (ação), por bons atos e sacrifícios; pelo caminho bhakti, devoção a um deus particular (essas dois de longe as mais populares das margas); pelo caminho raja, a marga real de meditação; ou por jñana, o caminho do conhecimento.
Ora, essa última marga representa uma dimensão do mundo hindu que é verdadeiramente filosófica, ainda que o ideal místico da contemplatio no Cristianismo seja talvez ainda mais próximo. O único laço à religiosidade védica é que essas escolas (se me permitem usar esse termo ocidental) são ortodoxas, que significa apenas que reconhecem a autoridade dos “Vedas”. Tal reconhecimento, porém, não se mostra por uma adesão explícita a um credo particular, mas é quase cerimonial, pode-se dizer. O conteúdo dos “Vedas” é tão polimorfo, poético, mítico e imune a qualquer redução sistemática que seja, que tal reconhecimento não implica restrições sérias na envergadura das elucubrações filosóficas empreitadas na sua sombra. Mas existe uma mensagem central dos “Upanixades” que é o fio condutor para a ortodoxia: o único princípio que fica vigente é o atman à procura de união com o brahman. Mas como você concebe um e outro, de um lado, e como você propõe a metodologia de união, de outro, é aberto às mais variadas hermenêuticas.
Nas darshanas, as dimensões humanas de um pensamento filosoficamente articulado manifestavam-se com paralelos óbvios às disciplinas consagradas da filosofia européia: tentativas de montar uma lógica e uma epistemologia (Nyaya), uma filosofia da natureza (Vaisheshika), uma hermenêutica e uma teoria de linguagem (Purvamimamsa), uma visão polar do cosmos em princípios que lembram ato/potência, ou matéria/espírito, na dualidade purusha/prakriti (Sankhya), uma psicologia de forças físicas e sutis no corpo humano e sua harmonização (Yoga), e uma metafísica (Vedanta). Cada darshana foi formulado por um autor clássico de sutras que se tornaram em textos canônicos de cada sistema. O que o filósofo ocidental pode aprender é que as darshanas, por serem pontos de vista diferentes, mas finalizadas num idêntico objetivo (o moksha), visam complementariedade mais que antagonismo.
Vamos nos limitar aqui apenas àquela darshana que, de maneira mais manifesta, apresenta-se, até mesmo aos olhos críticos do ocidental, como filosófica: o Vedanta. Os “Brahma-Sutras” de Badrayana (talvez séc. II ou III d.C.) constituem o comentário canônico dos “Upanixades” do ponto de vista vedântico e são um tipo de resumo das várias tentativas de interpretação. Ora, três comentaristas desses sutras e expoentes clássicos do Vedanta merecem, sem apologias, o título de filósofos: Shankara (séc. VIII), Ramanuja (séc. XII) e Mahdva (séc. XIII).
Shankara, que morreu na mesma época da morte de João Escoto Eriugena, desenvolveu o Advaita Vedanta, ou seja, o Vedanta não-dualista. É a interpretação mais conhecida do pensamento indiano, determinando como entendemos termos como brahman, atman, maya, moksha e nirvana. Propondo um monismo rigoroso, ele negou tanto o conteúdo real de maya (o jogo das aparências), que foi acusado pelos outros dois grandes vedantins de ser um cripto-budista, pois para eles o absoluto, brahman, na interpretação de Shankara, não se diferenciava claramente do budista shunya (o vazio). Elementos aparentados com a filosofia plotiniana, o apofatismo de Pseudo-Dionísio, o minimalismo quanto à cognoscibilidade filosófica de Deus em Tomás de Aquino, abordgens de Espinosa e até de Kant e Hegel podem ser identificados.[5]
Ramanuja, contemporâneo de Abelardo e Averróis, fundou o Vishishtadvaita, ou seja, o monismo qualificado. Para ele, o caminho de bhakti, devoção pessoal - nesse caso, direcionado a Vishnu - seria o meio mais eficaz de obter moksha. A diferença/não-diferença (bhedabheda) entre atman e brahman abre uma sutileza na discussão sobre o homem e o Absoluto. Seu comentário dos “Brahma-Sutras” virou o texto canônico para os Vaishnavas (veneradores de Vishnu).
Madhva, contemporâneo de Tomás de Aquino, é o expoente principal do Dvaita-Vedanta, o dualismo. Deus (o brahman), o mundo e a alma são três substâncias distintas, mas as últimas duas se acham em dependência da primeira. Ele refuta a teoria shankariana de maya e apresenta uma metafísica não sem convergências com aquelas propostas, contemporaneamente, nas escolas de Paris, Colônia e Nápoles. Em Ramanuja e Madhva vemos que até a ortodoxia na interpretação do conteúdo dos “Upanixades” passa por polêmicas e debates que lembram o arco-íris da hermenêutica de Platão no Ocidente.
Comparações entre esses pensadores podem trazer à tona luzes filosóficas tão interessantes quanto comparações entre Platão, Aristóteles e Plotino, ou Descartes, Locke e Kant, ou Husserl, Heidegger e Sartre. As outras darshanas também contêm abordagens promissoras. Há inúmeras oportunidades para pesquisa, o que poderia esclarecer não só as idéias indianas, mas também o próprio legado filosófico do Ocidente[6].
O turista ocidental que visita a Índia pela primeira vez pode se perguntar: “Onde estão os budistas?” De fato, quase todos os budistas do mundo se acham fora da Índia. Estatística estranha essa, quando nenhum personagem indiano é mais famoso do que o Buda. Assim como o Cristianismo viajou para oeste e norte da Palestina, o Budismo acabou viajando para leste e norte da Índia. Os países budistas são Sri Lanka, Tibet, Butão, Mianmar, Tailândia, Laos e Camboja; e grande número de budistas encontra-se também ao lado de outras religiões, no Vietnã, China, Mongólia, Coréia e Japão. Apesar de ter começado como uma das darshanas heterodoxas, ao lado do materialismo de Charvaka (VI a.C.) e o Jainismo de Mahavira (VI a.C.), o Budismo chegou a dominar a Índia por quase a totalidade do primeiro milênio d. C., período em que foi exportado para quase toda a Ásia. As razões dadas para sua eliminação da Índia - os novos movimentos bhakti, desde o séc. V, o novo impulso que o Hinduísmo ganhou da filosofia de Shankara, no séc. IX, a chegada dos turcos no norte, por volta do 1200 - são secundárias quando vemos quanto o Hinduísmo absorveu do Budismo, de um lado, e o quanto o Budismo se reaproximou do Hinduísmo, de outro. Podemos até concordar, com ressalvas, com o comentarista que designou o Budismo como uma espécie de Hinduísmo de exportação.[7]
Mas tudo começou com Sidarta Gautama, o Buda histórico, que se dedicou à descoberta de um método prático, eficaz e simples para alcançarmos a libertação. Seu exemplo, método e ensinamento se apresentam, à primeira vista, como simplificações do Hinduísmo, uma redução ao essencial - e, como instrumento de tal simplificação, uma abordagem mais psicológica e pragmática do que metafísica e especulativa. Se o Hinduísmo insiste mais na realidade inabalável do brahman, o Budismo insiste mais na impermanência do maya. Se o hindu visa mais a meta, o budista procura mais o meio. O Buda procurou, em sua própria vida, a maneira mais direta de penetrar a ilusão e realizar, na própria experiência, a verdade. Sua abordagem dispensou os “Vedas”, as castas, os sacrifícios e a especulação filosófica (pelo menos por enquanto, porque veremos que eles vão voltar em novo traje) para focalizar tudo numa intuição fundamental, que forma a grande base de toda a doutrina e prática budista: pratitya samutpada (originação co-dependente ou condicionada)[8]. Todas as coisas se interdependem, uma originando-se da outra, de tal forma que não há, enfim, algo estável e permanente no mundo. A penetração desse princípio o despertou, produzindo o bodhi (estado desperto ou iluminado) e ele virou o - ou, pelo menos um - buda (desperto). Ao mesmo tempo, percebeu também que o eu faz parte inextricável dessa concatenação condicionada de elementos co-dependentes; assim, o eu também não permanece; logo, o outro lado do pratitya samutpada é anatman (não-eu).
Essa intuição, de uma natureza tão simples, desdobrou-se logo nas famosas Quatro Nobres Verdades: 1) tudo é sofrimento por causa da sua impermanência; 2) a causa do sofrimento é o desejo (que nos entrega ao pratitya samutpada e à causalidade implacável do karma no ciclo perene das aparências (samsara); 3) o fim do sofrimento é o apagamento (nirvana) dos desejos; e 4) existe uma via média, nem ascética, nem indulgente demais, na forma de um Caminho Óctuplo para retificar nossos pensamentos e ações e nos tornar em um arhat, alguém digno, um santo. Em um concílio convocado em Sri Lanka, no primeiro século d. C., as doutrinas do Budismo foram assentadas por escrito na língua páli, um dialeto de sânscrito, formando assim o Cânone Páli. Uma parte dele, o Dhammapada, é uma coleção de 423 versos de ditados do Buda e é um dos textos favoritos dos budistas.
Esse Budismo original, em que o adepto procurou sobretudo a própria libertação e que inspirou a instituição do mosteiro e de uma cultura organizada ao seu redor foi chamado mais tarde, pejorativamente, de o “Pequeno Veículo” (Hinayana), por ter excluído (como alguns achavam) o interesse na libertação dos outros. De várias divisões nesse ramo do Budismo sobrevive hoje apenas o Theravada (escola dos anciãos) que é o que encontramos em Sri Lanka, Mianmar, Tailândia e os paises da Indochina, com exceção de Vietnã.
Mas já no primeiro século depois de Cristo, uma nova orientação da mensagem budista começou a crescer: a saber, a Mahayana, ou “Grande Veículo”. O exemplo do próprio Buda, que viajou e pregou sua doutrina, sugeriu aos leigos a possibilidade de um Budismo não só monástico, mas também motivado por uma compaixão móvel, o interesse na libertação de todos, por isso grande (maha). Três diferenças doutrinais delinearam-se: 1) em vez do ideal do arhat, o ideal do bodhisattva, ou seja, a pessoa que posterga sua própria entrada no nirvana por compaixão pelos outros, os quais quer ajudar e ensinar; 2) a idéia de anatman (ou não-eu) desenvolve-se e prolonga-se na idéia de sunyata (o vazio); e 3) mais ênfase em bodhi (o estado de Iluminação) do que no Buda histórico, de tal forma que podem existir muitos budas e bodhisattvas; enfim, cada um pode virar um buda.
Esse Budismo retomou vários elementos do Hinduísmo e, enquanto a Hinayana se estabeleceu a leste da Índia, a Mahayana cresceu primeiro na Índia, e também se espalhou para o norte, coexistindo e interagindo com o Taoísmo e o Confucionismo na China e Coréia, e com esses e o Xintoísmo no Japão. Depois do ressurgimento do Hinduísmo indiano, no final do primeiro milênio, a Mahayana sobreviveu no seu estado puro apenas no Extremo Oriente. Os escritos desse ramo budista foram produzidos em sânscrito e na forma de sutras.
Uma terceira forma de Budismo resultou da interação entre o Budismo Mahayana e o Tantrismo e até o xamanismo, produzindo um Budismo Vajrayana, o “Veículo Diamante”. Aqui um vasto instrumentário de meios e ajudas (upaya) para obter o nirvana entra em jogo: mandalas, mantras, mudras, iniciações especiais, um panteão enorme de deuses e deusas, e diversos métodos de concentração para canalização da energia psíquica. O Budismo tibetano é o maior sobrevivente dessa espécie de Budismo, presente também no Butão e, em parte, na Mongólia, com uma vasta literatura tibetana. A diáspora tibetana depois da fuga do Dalai Lama da China, em 1959, espalhou esse Budismo novamente para a Índia e, depois, para a Europa e as Américas. Muitos escritos do Vajrayana na Índia, em sânscrito, sobrevivem apenas em traduções tibetanas.
Merece menção também o Budismo da “Terra Pura”, ou seja, o Budismo Amida, um desenvolvimento do Mahayana na China (Ching-t’u) e no Japão (Jodo-shu e Jodo-Shinshu, entre muitas outras escolas), onde a invocação do nome do bodhisattva “Amida” desempenha um papel fundamental. Em muito aspectos, é comparável com a tradição da “oração de Jesus” na Ortodoxia oriental do Cristianismo, como praticada no monte Atos, na Grécia.
Apesar de todos esses desenvolvimentos e acréscimos, a mensagem original do Buda é tão filosófica que alguns comentaristas acham que nem se qualifica como uma religião, sendo melhor chamada de uma filosofia. O silêncio famoso do Buda às perguntas sobre a existência de Deus e toda especulação metafísica deixa até a impressão de um certo ateísmo, ou pelo menos agnosticismo. Mas a riqueza de abordagens fecundadas pelo seu exemplo e sua doutrina sugere que: 1) ele representa muito mais uma recanalização do Hinduísmo, o qual, como sabemos, pelo seu poder absorvente quase indiscriminado, acolheu o Buda no seu próprio panteão como o nono e penúltimo avatar de Vishnu. Também o Hinduísmo absorveu muito do conteúdo Mahayana do Budismo durante a sua dominância religiosa na Índia durante um milênio; 2) a índole própria do Budismo trata-se mais de sua concentração no método, na prática psicológica. Longe de ser um ateísmo (um conceito, aliás, ocidental), é talvez melhor chamado de um apofatismo, uma teologia negativa, ou seja, uma negação não da existência do Absoluto e sim de nossa capacidade de dizer algo sensato a respeito d’Ele.
Um pensador, na tradição Mahayana, que merece ser colocado ao lado de Shankara e Ramanuja, é o Nagarjuna (séc. III). Provavelmente o maior filósofo na história do Budismo, escreveu comentários profundos sobre o pratitya-samutpada, interpretando-o por meio do conceito de sunyata, ou seja, o vácuo, o vazio. Ele critica tanto o Hinduísmo quanto o Budismo anterior nas suas teorias sobre a existência. A sunyavada (doutrina sobre o vazio) é o conceito-chave da escola de Madhyamika (o caminho do meio). A natureza da existência é, segundo ele, rigorosamente relacional - não existem almas, coisas, nem conceitos que independem dessa rede; em si, coisas são vazias. Nagarjuna desenvolveu um tipo de dialética (chamado de prasanga, ocasião) que usa argumentos como ocasiões para destruir a ilusão de um absoluto. A prática escolástica dessa dialética é vista como um caminho de eficácia moral para vivenciar a compaixão, ajudando os seres a escapar de avidya (ignorância).
Uma outra grande escola do Budismo foi resultado de uma influência, na China, do Taoísmo. O Budismo Ch’an, ou, em japonês, Zen, trouxe uma simplificação usque ad finem da mensagem do Buda. O termo é uma tradução do dhyana (meditação) em sânscrito e coloca a busca súbita e direta de bodhi (em chinês, tun-wu; em japonês: satori) por meditação disciplinada sem intermédio de teoria ou qualquer subsídio daquela massa de meios hábeis (upaya) tão importante no Budismo tibetano. Os koans, pequenos quebra-cabeças, têm por fim quebrar mesmo: se não a cabeça, sim os hábitos do pensamento discursivo, ou pelo menos nosso apego a eles, para abrir o caminho a satori. O Zen achou muito interesse filosófico no Ocidente pela sua afinidade a certas pesquisas da filosofia da linguagem. Já existem tantos estudos sobre a filosofia ocidental e o Zen que nem precisamos insistir aqui em sua relevância.
A ambigüidade entre Budismo como religião e como filosofia é suficiente para realçar as dimensões do seu desafio à filosofia da religião ocidental. Mas chegou a hora de falarmos, brevemente, sobre a tradição religiosa e sapiencial da China.
Na beira da modernidade Francis Bacon comentou, em um texto célebre, o enorme impacto que a bússola magnética, a pólvora e a imprensa tiveram sobre a Europa (BACON, Aph. 129). O que ele não destacou foi a origem chinesa dessas invenções. Mas, depois de numerosos esclarecimentos sobre a fecundidade do gênio chinês e a sua crucial influência no desenvolvimento da ciência moderna, nominadamente por Joseph Needham, a tendência continua ser a de enquadrar os chineses apenas como homens práticos com habilidade tecnológica presciente e sem tradições filosóficas de variedade e profundeza (NEEDHAM, 1954-1995). Needham corrigiu a impressão projetada por Bacon, mas, além disso, ficou perplexo pela ascendência da ciência moderna ocidental, ao passo que a China recuou, ao que parece, da primeira criatividade e ficou para atrás do Oeste (até recentemente). Depois de tentar interpretações marxistas desse recuo, Needham acabou culpando a filosofia taoísta por ter detido o gênio científico chinês. A visão do Tao teria encorajado o homem a conhecê-lo apenas com o fim de se harmonizar com ele, e não de decifrar as suas leis íntimas e finalmente dominá-lo - façanha que apenas a Nova Ciência ocidental do séc. XVII teria conseguido.
Seria interessante seguir as conseqüências da conclusão do famoso bioquímico e historiador da ciência, mas vamos apenas realçar o poder da noção do Tao, que, aparentemente, fez com que todas essas descobertas (algumas outras eram o papel, o leme, o carrinho de mão, o alto forno, dinheiro em papel, roda de escapo, etc.) não causassem os transtornos sociais e as revoluções culturais que provocaram no Ocidente ao serem introduzidas, integrando-se mais naturalmente na cultura chinesa. Por que as invenções tiveram efeitos tão diferentes na China e na Europa é algo que levanta várias questões que não podemos abordar aqui.
Quando falamos que o pensamento chinês é mais holístico do que compartimentado, mais humanista do que metafísico, mais pragmático do que teórico, e mas sincretista do que monolítico, há uma verdade importante em todas essas ênfases. Porém, os chineses não partilham conosco a mesma família étnico-lingüística, como é o caso dos indianos, e por isso não dispomos, de antemão, de conceituações, pelo menos potencialmente adequadas, para penetrar o mundo filosófico e religioso deles com uma certa conaturalidade e comensurabilidade. Aqui achamos um mundo justamente não indo-europeu e no sentido mais extremado da palavra: o Extremo-Oriente - a Ásia stricto sensu. Nem incluímos aqui reflexões sobre o Japão, por falta de espaço. Mas é claro, em todo caso, que nos referimos ao Extremo Oriente antes (ou pelos menos independentemente) da ocidentalização recente.
A filosofia e a religião chinesas articulam-se numa língua tradicional que é monossilábica, tonal, isolante em vez de flexiva, e que se apresenta ao olho em uma escrita que combina elementos pictográficos, ideográficos e fonéticos. Ela é escrita de tal forma que praticamente faz de cada escritor um pintor; os pincéis na China são tão numerosos quanto as bananas no Brasil e as baguettes na França. Esse fato em si mereceria reflexão, dado a importância de considerações sobre oralidade e literacy no pensamento ocidental recente. Digo isso somente a título de curiosidade.
Mas, longe de ser uma ilha exótica, remota e pequena, a China abrange, tal qual a Índia, uma parte enorme do gênero humano: (Índia, 1 bilhão e China, 1,3 bilhão). Uma em cada cinco pessoas humanas é chinesa. Quando se chamam, tradicionalmente, de o “Reino do Meio” - com as Américas (mesmo desconhecidas) no Oriente e a Índia no Oeste - os chineses têm, talvez, mais direito de reivindicar tal centralidade do que Europa ou os Estados Unidos de hoje.
Mas uma outra característica da tradição chinesa permite uma comparação útil com a Europa: a China recebeu o Budismo de fora e o integrou às suas duas tradições nativas, o Taoísmo e o Confucionismo, assim como o mundo europeu, por sua vez, acolheu o Cristianismo de fora (do Médio Oriente) e o integrou às suas tradições helênicas e romanas. Dessa forma, pelo menos desde essa integração complexa, polêmica, mas, enfim, profundamente marcante, a China apropriou um conceituário do patrimônio indo-europeu (aquele budista) que talvez facilite a construção de pontes de entendimento.
Apesar da revolução cultural de Mao Tse-tung que, nos anos 60, destruiu milhares de templos, bibliotecas e monumentos religiosos na China, o país ainda preserva, em medida reduzida, seu impressionante patrimônio filosófico e religioso. Tem difundido pelo mundo um panorama de invenções técnicas, artes marciais, sistemas de medicina e, só recentemente, abordagens de filosofia e religião. E desde os dias da dinastia Tang (séc. VII-IX), um outro nome foi dado também à China: "A Terra dos Três Ensinamentos", destacando o fato de que lá o Taoísmo, o Confucionismo e, finalmente, o Budismo entraram em uma simbiose inédita na história das religiões. A fecundidade dessa conjuntura está até hoje em evidência. No séc. XXI, quando o enorme Estado Chinês projeta cada vez mais seu poderio econômico e político, é mais importante do que nunca apreciar as raízes religiosas e sapienciais que alimentaram, por bem mais de dois milênios, esta vasta e complexa realidade que chamamos China.
Encontramos, em geral, um temperamento filosófico bem distinto daquele indiano. Menos dado à teoria por si só, o chinês tem uma atitude sapiencial que, grosso modo, resiste ao isolamento da teoria em relação à práxis. Um certo humanismo e pragmatismo marcam o pensador típico (mas de longe não todos), como também uma abertura a um sincretismo e uma compenetração de tradições que dificultam delineações unívocas. A experiência na convivência com um pluralismo religioso e filosófico é uma das lições que a China pode oferecer ao Oeste. O Confucionismo e o Taoísmo, tradições nativas da China, acabaram acolhendo o Budismo importado de tal forma que foram transformados por ele, assim como o Budismo também, por sua vez, emergiu desse casamento transformado. A longa e complexa história dessas interações, e do surgimento sim de um viés mais metafísico e até místico no neo-Confucianismo e neo-Taoísmo, revela a futilidade de generalizações simplórias. Aliás, a frustração dos eruditos quanto a uma China tão fechada por séculos, só ultimamente se abrindo, juntamente com a destruição de inúmeros textos e epígrafas tradicionais durante a limpeza de tradições de Mao-tse-tung, é grande. Vou apenas fazer algumas breves observações sobre o conceito central taoísta, que também desempenha um papel central no Confucionismo, e algumas implicações para o pensamento ocidental. Assim, encerro nosso panorama do fenêmeno religioso oriental.
O texto clássico do Taoísmo, o “Tao-te-Ching”, felizmente, está disponível em várias traduções nas línguas européias, apesar da quase impossibilidade de transpor a polivalência e a versatilidade semânticas dos caracteres chineses para as palavras indo-européias.
“O Caminho e seu Poder”, “O Curso e sua Virtude” são apenas duas traduções possíveis de tao-te, objetos desse “clássico” (Ching). O tao jaz no fundo da religiosidade e da filosofia chinesas, como talvez o logos no pensamento europeu e dharma na filosofia indiana. Se a filosofia no mundo hindu tem, em suas raízes, uma tendência fortemente metafísica, e a filosofia budista um acento psicológico direcionada à experiência imediata, eu diria que a filosofia chinesa possui um coração não apenas profundamente ético mas também estético. O céu, como abóbada em cima da terra, é o grande símbolo do princípio masculino, do yang, assim como a terra representa o princípio feminino, do yin. Mas é a interação dos dois princípios que o chinês, creio eu, vê, observa e, por assim dizer, segue com os olhos: o grande curso das coisas, o Tao. O te é a presença, ou o efeito do tao dentro do ser humano, é a nossa virtude, nossa força propriamente humana. É talvez lamentável que a Igreja Católica, nas medidas disciplinares contra as inovações dos jesuítas missionários do séc. XVIII, tenha incluído uma proibição de aproximar a idéia chinesa do tien (céu) com a idéia bíblica de Deus. Quando visitei China em 2004, achei o céu chinês misteriosamente grande, um big sky, que me fez pensar imediatamente na infinitude divina.
Como na Índia, também na China faltam termos que traduzam, perfeitamente, nossas palavras filosofia e religião. Tendo herdado da Índia a religião talvez menos religiosa de todas, o Budismo, a religiosidade tipicamente chinesa manifesta-se pela veneração aos pais e aos ancestrais. Dessa forma, relaciona-se igualmente a uma certa transcendência, aquela de sua própria origem. As múltiplas formas da religião popular, que articula e ritualiza essa veneração, ligada também com correntes de xamanismo e animismo, misturam com a experiência já fortemente sincrética dos três ensinamentos. Assim, falar adequadamente da religião chinesa é algo que supera os limites deste ensaio.
Quanto à filosofia, porém, uma aproximação terminológica seria zhe xue, que significa “estudar com sagacidade, com determinação, com sabedoria” (WU, 1998). Mas fazendo um levantamento da literatura sapiencial chinesa, dentro das tradições confuciana, taoísta e budista, enxergamos, entretanto, uma produção filosófica extremamente variada e atualmente objeto de estudo intenso no Ocidente.[9]
Para o filósofo, uma vez que a imensidão apenas desses dois fatos demográficos, geográficos, religiosos e filosóficos que são a Índia e a China seja apreciada, nunca mais será possível considerar, filosoficamente, o homem, o mundo, o conhecimento, a origem e a meta da vida humana, os valores, etc., sem tomar em conta as implicações desses dois fatos para sua reflexão. O filósofo viria, por isso mesmo, aquém do ideal “sinótico” do filósofo.
Encerro este trabalho com uma observação, ou talvez apenas uma impressão pessoal, sobre o tom e o espírito geral das três tradições religiosas, hindu, budista e chinesa, que enfrentam o olhar filosófico hoje. Parece-me que o Hinduísmo, em toda a sua complexa variedade, é como um jogo de cores, de idéias, de danças, de imagens, de métodos de concentração, de ritos, de deuses - todos ao redor da idéia do brahman, fitado com os olhos do intelecto, emergindo dele e voltando. O pensamento filosófico indiano parece imitar esse movimento. O Budismo, por outro lado, concentra-se no ser humano, na experiência humana, e na maneira como nossa atitude para com a multiplicidade das aparências e das distrações do maya pode ser transformada. A reflexão filosófica sobre o nexo causal, o pratitya samupada, é, essencialmente, uma psicologia de transformação da nossa subjetividade. O espírito chinês - seja ele mais exotericamente representado pelo Confucionismo ou esotericamente, pelo Taoísmo - parece tirar sua inspiração sobretudo de uma visão ocular, do grande céu e seu curso, a que queremos nos associar, nos harmonizar.
Se a religião fosse contemplada em toda essa variedade e complexidade, e sua compenetração com temas também centrais ao questionamento filosófico fosse plenamente captada, o filósofo do séc. XXI veria a reflexão filosófica perante um desafio inédito em sua história. Nunca antes foi possível, como é atualmente, vislumbrar a vasta paisagem das possibilidades da religião humana. Se acrescentarmos a esse panorama também os frutos da pesquisa arqueológica e antropológica no que diz respeito às manifestações religiosas do passado mais remoto (no Egito, na Mesopotâmia, em Harappa e nas variadas religiões tribais dos africanos subsaarianos e dos indígenas americanos, algumas das quais existem ainda hoje), o fenômeno religioso torna-se um novo e insólito foco de espanto filosófico. O mundo é maior e Deus mais misterioso do que nunca. O fenômeno humano é ainda mais intrigante e suas interações com a transcendência escapam das mais recentes armadilhas de teorias simplórias e reducionistas.
Caso a filosofia não queira perder-se em trabalhos técnicos de micro-filosofia, em que a independência das ciências cognitivas, da lingüística, da psicologia, e das ciências particulares de modo geral, fica cada vez mais questionável; ou se identificar com estudos meramente historiográficos, edições críticas e novas interpretações de autores do passado, em que a sua independência de uma mera “história das idéias” torna-se questionável; terá que redefinir sua relação com a transcendência e enfrentar o fato das religiões mundiais em toda sua riqueza, e arriscar que a categoria do mistério se insere, novamente, no ato de filosofar.
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WU, X. M. 1998 “Philosophy, Philosophia and Zhe-Xue”, Philosophy East & West, Havaí, n.48.
Recebido: 01/08/2007
Aceite final: 25/08/2007
[*] Scott Randall Paine (scott@unb.br), Dr., é professor da Universidade de Brasília.
[1] Flutuando entre 150 e 200 milhões de mortes, segundo cálculos provenientes do site: http://users.erols.com/mwhite28/warstat8.htm (c. 10.09.07)
[2] De natura deorum (Sobre a natureza dos deuses).
[3] De religione.
[4] Summa contra Gentiles, escrito por Tomás com o intuito de subsidiar diálogo entre cristãos, judeus e muçulmanos.
[5] Um dos melhores expoentes de filosofia comparada, nesse sentido, é Ben-Ami Scharfstein, cuja “A Comparative History of World Philosophy: from the Upanishads to Kant”, Nova York, 1998, oferece comparações surpreendentes mas bem argumentadas entre filósofos ocidentais e orientais.
[6] Ver, por exemplo, “East-West Philosophers’ Conferences”, convocadas desde 1939 (até hoje, nove) com filósofos ocidentais e orientais, estudos excelentes publicados pela Universidade de Havaí. http://www.hawaii.edu/phil/EWPhilosophersConference.htm (c. 10.09.07)
[7] Atribuído a René Guénon.
[8] Tese mantida, também por muitos outros, pelo grande indólogo alemão, Helmut von Glasenapp, por exemplo in Die Philosophie der Inder, Stuttgart, 1958, p. 302 ss.
[9] Ver A Source Book in Chinese Philosophy, ed. e transl. Wing-Tsit Chan, Princeton, 1969; e The Chinese Mind, ed. charles A. Moore, Honolulu, 1967.