A construção de um mundo sem doença e sem violência: o alvo de Sekai Kyusei Kyo (Igreja Messiânica Mundial)[1]

Peter B. Clarke []

Introdução

Há mais de trinta novas religiões japonesas no Brasil, das quais as mais numerosas são a Seicho no Ie, com mais de dois milhões de membros, e a Messiânica com trezentos e cinqüenta mil membros. A maioria desses movimentos manifesta um milenarismo forte no sentido sociológico do termo, pelo menos no início foi assim. Segundo Cohn (1970: 13 e 1993 passim), para ser classificado como milenarista um movimento deve mostrar certas características na sua resposta a esse mundo. Ele sublinhou cinco em particular: 1) a crença de que a felicidade do paraíso será vivenciada pelos fiéis como uma coletividade; 2) que o paraíso será terrestre, ou seja, que será realizado na terra e não em algum outro mundo; 3) que é iminente e deve chegar logo e subitamente; 4) que é total no sentido que a terra não será somente mudada mas completamente transformada; 5) que a transformação completa será efetuada por qualquer forma de intervenção divina.

Nenhum movimento expõe todas essas características em uma forma ideal, e nenhum movimento manifesta todas ao mesmo tempo com a mesma intensidade. Enquanto a Messiânica possui na teoria essas marcas, os membros no Brasil não se preocupam excessivamente com as características 3 e 4 que descrevemos acima. Mas o que é claro e impressionante é o forte compromisso de todos os seguidores no Brasil com a construção do paraíso na terra como meio indispensável para a plena auto-realização e a salvação do planeta.

A Messiânica explica que o avanço espiritual depende da construção do paraíso na terra. No mundo espiritual não existe a possibilidade de crescer. Para que este progresso se dê é preciso voltar várias vezes à terra como ensina o doutrina da reencarnação. Mas para que essas voltas sejam eficazes é preciso que as condições na terra sejam favoráveis e isso é o principal motivo espiritual para a construção do paraíso na terra. Essa linha de pensamento tem sustentado as advertências do Reverendo Watanabe, Presidente Mundial da Igreja Messiânica, que disse: "Se não criarmos um paraíso aqui, será como retornar ao inferno"[2].

Watanabe enfatizou como as condições na terra têm impactos sobre a vida espiritual no céu e por causa disso não existe uma alternativa para o paraíso na terra:

'As pessoas vivem no céu como na terra; o paraíso não é simplesmente um lugar onde se canta e dorme, mas onde vivemos a Lei de Natureza com felicidade e sem sofrimento'[3].

Um esboço dos ensinamentos messiânicos

Nesse ponto será útil oferecer um breve esboço dos ensinamentos básicos da Messiânica, principalmente os seguintes: o conceito de johrei, de shizen noho e do belo. O fundador da Messiânica Mokichi Okada (1882-1995) quis construir uma religião diferente das antigas, inclusive do Budismo da corrente Mahayāna que existia no Japão desde o VI século, ou o Cristianismo na sua forma histórica. Ele tinha a idéia de chamar o movimento que ele fundou de Uma Fábrica Construtora do Paraíso Terrestre. Mas não era possível porque o governo Japonês nessa época não teria tolerado uma organização religiosa com um nome desse tipo.

Okada acreditou e ensinou que esses três princípios básicos eram essenciais para a construção do paraíso na terra. O conceito do johrei envolve a idéia que a medicina alopática faz mal. É uma crença que existe em várias culturas e também forma a base fundamental de várias religiões inclusive as Igrejas que se chamam aladura (praying churches) que começaram a crescer logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial na Nigeria.

Na filosofia de Okada existe uma ligação forte entre o mal e a doença no sentido que um feito maléfico dá origem a nuvens espirituais que poluem a corrente sanguínea que, por sua vez, cria uma acumulação de substâncias tóxicas no corpo físico e manifestam-se em vários tipos de doenças. A cura vem pela prática do ritual de johrei pela qual uma energia divina deve ser transmitida para eliminar as substâncias tóxicas.

O conceito de shizen noho abrange a questão da importância da agricultura natural para a salvação de humanidade. Okada como um profeta milenarista advertiu o mundo que era um perigo esquecer-se de uma verdade fundamental com conseqüências desastrosas para a civilização humana e essa verdade era a necessidade de abandonar o uso dos fertilizantes químicos porque contrariam as Leis da Natureza. Ele usava tons apocalípticos para alertar o mundo sobre esse perigo iminente e catastrófico. Mas não era um pessimista. Ainda que ele predissesse que viria um período de grande sofrimento simbolizado pela noite, ele também previu 'um dia cheio de luz' e previu que depois de um período de grande destruição viria uma longa época de reconstrução como a humanidade jamais havia experimentado (Okada, 1984: 401).

Okada começou a preparar a construção dos modelos de paraíso na terra e os três foram construídos no Japão, a de Hakone, perto do Monte Fuji, é chamada Terra Divina, um outro em Atami, uma estação de águas termais, é chamada Terra Celestial e o terceiro em Quioto é chamada Terra da Tranqüilidade. Os três modelos ensinam que a virtude e a verdade podem ser transmitidas através da beleza na forma de caligrafia, cerâmica, horticultura, pintura, a arte e as coisas belas em geral, uma lição que as religiões e as antigas civilizações tinham esquecido. Okada estava convencido que o mal enraizado na mente pode ser eliminado. Se a doença causada por pensamentos errados, pode ser eliminada através da purificação da mente por meio de johrei, shizen noho e o belo, é lógico que todas as desvantagens, pobreza, miséria etc., podem também ser erradicadas.

O modelo do paraíso na terra no Brasil

A Messiânica começou suas atividades no Brasil em 1955 e durante os primeiros 15 anos seu crescimento foi pequeno e ela permaneceu uma religião não somente pequena mas étnica também, composta quase inteiramente de japoneses ou brasileiros de origem japonesa[4]. Mas uma transformação quase total na sua composição social começou a ocorrer nos anos sessenta, um dos principais agentes dessa transformação foi o jovem missionário japonês Tetsuo Watanabe, hoje o Presidente Mundial de Sekai Kyusei Kyo e, ao mesmo tempo, atual presidente da Igreja Messiânica do Brasil. Logo depois que o jovem Watanabe chegou no Brasil ele começou a difusão dos ensinamentos de Mokichi Okada no Rio onde existia nessa época só um punhado de membros, todos japoneses. Ele batia nas portas dos habitantes do Rio e falava de johrei mas quase ninguém quis recebê-lo achando que era uma coisa do diabo, e ele foi chamado nos jornais de o jovem feiticeiro japonês.

Dentre os que eram preparados para experimentar o johrei, alguns estavam esperando um milagre, reclamaram e fizeram queixas às autoridades públicas quando não deu certo. Mas em poucos anos o movimento viu a transformação da Messiânica de uma seita para os japoneses em uma igreja aberta a todos. Foram os seguintes fatores muito importantes nessa transformação: a tradução das orações e ensinamentos para a língua portuguesa; o uso dessa língua junto com a língua japonesa nas cerimônias e rituais; a conversão das pessoas bem conhecidas e com compromisso muito forte, como o jogador de futebol Francisco Fernandes de Jesus antigamente da seleção brasileira; a tradução dos textos de rituais e cerimônias do japonês para o português; e a introdução de símbolos, conceitos e orações católicas nas cerimônias e rituais. É claro que na opinião de Tetsuo Watanabe e seus assistentes a coisa mais importante nessa transformação da Messiânica foi a pratica de johrei.

Então, pelo fim dos anos 60 a Messiânica começou a experimentar uma expansão fenomenal e a transformar-se em uma religião multi-étnica. Hoje em dia o número de membros no Brasil é estimado entre 320,000 e 350,000. E no seu plano estratégico para salvar o mundo a Messiânica deu ao Brasil o papel 'de conversor catalítico'. Isso quer dizer que a liderança e muitos membros da Igreja Messiânica têm a convicção muito forte de que o Brasil, sob a influência dos ensinamentos de Mokichi Okada e a pratica de johrei, terá a energia que precisa para salvar em primeiro lugar a si mesmo e o Mundo inteiro, da autodestruição.

Modelos do paraíso na terra fazem parte desse plano estratégico, e seguindo o exemplo de Mokichi Okada, a Messiânica no Brasil já construiu, como vimos anteriormente no resumo, um modelo de paraíso na terra em Guarapiranga no estado de São Paulo, 40 minutos de carro da cidade de São Paulo. Esse modelo funciona como o solo sagrado para a América Latina inteira. Em grande parte o resultado deve-se ao esforço de milhares de membros Brasileiros, que ofereceram voluntariamente suas habilidades e seu trabalho a partir de 1991. O modelo do paraíso na terra foi inaugurado em novembro de 1995. Funciona para dar aos membros uma idéia, e mais além, uma experiência parcial da vida harmoniosa e sem conflito, e um sabor do belo. Serve como um lugar que dá prioridade ao belo e à arte e, em conseqüência, está aberto para todos que visitam o caminho para crescer intelectual e espiritualmente. O modelo serve também como um lugar de aprimoramento, de romaria, como uma escola de sangetsu, e para muitas outras atividades.

Vale a pena notar que o desenho do Templo principal é peça central do modelo que, como vimos, chama-se também solo sagrado, e baseia-se no de Stonehenge, um antigo monumento pré-cristão que fica na Inglaterra. A decisão de usar este padrão foi inspirada por um sonho do Presidente da Igreja, o reverendo Tetsuo Watanabe. Esse modelo mostra, na opinião do reverendo Watanabe, o caráter específico da missão messiânica, e serve como um símbolo diferente dos símbolos associados às grandes religiões mundiais e é também um símbolo que evita rivalidade ou relações difíceis com aquelas religiões.

A Messiânica pretende também construir várias cidades da Nova Era no Brasil que servirão como Arcas de Noé do século XXI. Essas cidades formarão com o solo sagrado as bases de uma nova civilização, de um novo mundo sem doença, sem pobreza, sem miséria, sem violência.

A vida cotidiana na Cidade da Nova Era

Como já vimos a Cidade da Nova Era não é ainda uma realidade. É uma idéia. Mas o presidente Watanabe e os outros líderes da Messiânica estão trabalhando para que se realize. Watanabe já tem uma noção bem clara da vida cotidiana na Cidade da Nova Era quando ela for construída. Ele explicou para o autor que tudo se dará conforme a Lei da Natureza. Mas Watanabe insistiu que essa cidade não seria isolada do resto do mundo. Ele não quer construir um grande mosteiro, mas uma união entre a sociedade atual e a Cidade da Nova Era. Também não haverá um conflito entre a lei atual e a Lei Natural.

Na Cidade da Nova Era na área da medicina, onde todos os habitantes serão encorajados a praticar o johrei e a não usar remédios 'artificiais', a medicina alopática, centrada na doença e hoje mais amplamente praticada no Brasil, deverá ser respeitada. Os 400 ou mais médicos que são membros da Messiânica vão educar as pessoas para entender que a medicina eficaz não consiste em tomar remédios na forma das pílulas ou de outros tratamentos artificiais, mas em permitir que o organismo corporal desenvolva-se e cure-se de acordo com a Lei da Natureza. Todos aprenderão que resfriados e outros males são formas de purificação e, ao tomar remédios artificiais, o processo de cura fica impedido.

Na prática entre os membros a ação mais recorrente para as curas é a abordagem dual. Uma survey[5] das práticas relacionada às curas mostrou que quase todos os membros da Messiânica no Brasil usam o johrei para dar conta de uma ampla gama de doenças, da influenza ao câncer, e só um pouco mais de 50 por cento usam o johrei para tratar de todas as doenças.

No campo político a Igreja Messiânica insiste que na Cidade de Nova Era não vai tentar de impor as idéias e programas políticos. A ação voluntária vai caracterizar a maneira de lidar com a política. As regras democráticas serão seguidas. A Igreja está convencida que a educação e o treinamento que ela oferece inspirará os não-membros que moram na Cidade da Nova Era a escolher representantes políticos que sejam capazes de seguir e implementar programas políticos conforme a Lei da Natureza.

Harmonia e tolerância vão caracterizar o relacionamento da Messiânica com as outras religiões. Ser intolerante e exclusivo seria autodestrutivo porque é preciso que todos aprendam a viver dentro da Lei da Natureza e participem na construção de um mundo sem doença.

O que parece mais distinguir a Messiânica dos outros movimentos milenaristas, sejam seculares, sejam religiosos, é seu programa para resolver os males sociais e morais da sociedade. Basicamente, esse programa consiste dm uma mudança radical no sistema de empréstimos bancários a respeito dos agricultores. A Igreja está tentando persuadir os bancos e as multinacionais a permitirem que os agricultores consigam crédito sem serem obrigados a comprar fertilizantes como parte das condições dos empréstimos. Esta condição tem um efeito muito destrutivo com conseqüências ambientais, econômicas, sociais e morais desastrosas. Além de tornar o custo do empréstimo proibitivo, causa debito e a bancarrota, e gera em todo o Brasil e em todos os países em desenvolvimento, cidades superpovoadas na medida em que os agricultores pobres, sem meios financeiros para trabalhar a terra a abandonam em números crescentes e migram para os centros urbanos onde não têm casa, não têm emprego, não têm do que viver. Nessa situação a criminalidade e insegurança crescem e trazem com elas para todo mundo, mesmo os ricos, o sofrimento.

Mas o pior é que o efeito do uso de fertilizante, apoiado pelos bancos e multinacionais destrói o solo. Isso não é somente um crime ambiental mas, um crime contra a Lei da Natureza que tem quase o mesmo sentido para os Messiânicos que Deus para os cristãos.

Quanto a outras questões a Messiânica não é tão radical. O seu idealismo é temperado pelo realismo. Por exemplo, o movimento aceita que o crime, pobreza e insegurança não vão desaparecer totalmente no paraíso terrestre, e essa dura realidade torna necessário um sistema penal. A Igreja aceita também que não existe um sistema perfeito de punir crimes e prefere sempre a reforma do criminoso. Para que essa reforma tenha sucesso será preciso criar um ambiente no qual o criminoso seja capaz tanto de receber quanto de oferecer amor e gratidão. Nesse ambiente a transformação vai acontecer por meio do belo que vai ajudar o criminoso a compreender e realizar o seu verdadeiro destino.

A resposta da Messiânica à sociedade atual e ao mundo em geral tem dois lados distintos, um de forte rejeição e um de afirmação. Esse duplo aspeto da resposta messiânica revela uma Igreja que, simultaneamente, toma duas perspectivas, uma de 'world-denying' e a outra de 'world-affirming'[6].

Quanto à atitude de 'world-affirming' da Messiânica pode-se dizer que o modelo da vida que a Messiânica oferecerá na Cidade da Nova Era terá o efeito de conservar as tradições, disposições e preconceitos nas áreas de gênero e de hierarquia econômica e social, alguns dos quais parecem tornar-se dia a dia mais obsoletos.

A despeito de sua oposição ao sistema de empréstimos bancários com respeito aos agricultores pobres, a Messiânica não adota uma posição radical ou nova sobre a ética capitalista. Por exemplo, acredita na competição em todos os níveis da sociedade porque na sua concepção a competição é natural. Não acredita também na igualdade total; aceita o princípio de rendimentos pessoais diferentes, e acredita que homens e mulheres têm papéis específicos a desempenhar. O movimento vê o homem como provedor e a mulher como nutriz com responsabilidade na esfera doméstica.

É claro que a transformação do mundo que esse movimento está buscando não é uma transformação total. Tem elementos tradicionais e, da perspectiva da teoria feminista, obsoletos. Paradoxalmente, o apelo, pelo menos em parte, de uma nova religião Japonesa, ou qualquer outra nova religião, sempre consiste em uma mistura, não sistematicamente ou logicamente colocada, de idéias, atitudes, sentimentos, e perspectivas ambas radicais e tradicionais. A história ensina que fora do sonho quase ninguém quer viver em um mundo completamente diferente do que já conhece. A resposta brasileira a esse tipo de milenarismo japonês ensinado pela Igreja Messiânica é mais uma prova disso.

A resposta brasileira à visão milenarista da Igreja Messiânica

A clientela da Messiânica no Brasil guarda pouca semelhança em termos de condições materiais e do cenário socioeconômico dos milenaristas da Europa Medieval descritos por Cohn (1970: 282): "…camponeses sem terra ou com terra insuficiente para a subsistência; jornaleiros e trabalhadores não especializados vivendo sob constante ameaça de desemprego; mendigos e vagabundos- na verdade oriundos desta massa amorfa que, não somente pobre, não podia encontrar lugar seguro e reconhecido na sociedade".

No Brasil a maioria dos milenaristas da Igreja Messiânica em São Paulo, em particular, é bem educada e pertence à classe média. Entre os membros existe uma interessante diversidade de atitude e opinião de acordo com a idade, com o tempo que integram o movimento, com circunstâncias pessoais e outras variáveis sociais, econômicas e psicológicas. Não só há diversidade de atitude e de opinião mas idéias, compreensão, e disposições tendem a mudar com o tempo. No início a atração mais forte para a maioria foi o johrei mas como tem se visto em muitos outros casos o que primeiro atrai um indivíduo para um movimento nem sempre permanece a sua motivação principal para continuar membro. Existe uma tendência onde o apelo inicial é percebido como uma recompensa física - como uma cura de câncer - para esse se tornar mais espiritual. Depois de uns anos no movimento, membros começam a buscar no johrei o que eles percebem ser uma forma de melhora completa que tem um lado físico e um lado espiritual.

Apesar dessas diferenças, variações e mudanças, há dois tipos principais de seguidores. Existe uma minoria, que professa se ater a padrões absolutos, para quem a linha divisória entre o bem e o mal está perfeitamente clara, cuja esperança inabalável na vinda de um novo mundo lhes permite dispensar muito do senso prático das limitações impostas pela lógica e pela razão. E existe uma maioria, mais disposta a um compromisso, para quem uma atitude 'gradualista' é uma virtude e não um sinal de falta de fé e que não está super preocupada com a definição dos tempos para os acontecimentos.

Os milenaristas da Igreja Messiânica não parecem milenaristas de natureza. Dos que responderam ao levantamento[7], 60% tinham sido católicos antes de entrar na Messiânica, cerca de 15% tinham sido ou protestantes ou espíritas, e 25% não tinham pertencido ou participado de nenhuma religião. Quase todos com origem no Cristianismo parecem ser ignorantes ou insensíveis às idéias apocalípticas ou às profecias como as de Nostradamus, sobre o fim do mundo. Só uma pequena minoria expressou qualquer interesse na astrologia, channeling, adivinhação, experiências fora do corpo ou próximas da morte, ou ufologia. Em relação às religiões orientais ou alternativas, novamente só uma minoria disse ter estado envolvida com elas. Para estes o espiritismo era a alternativa mais freqüente. Também poucos haviam experimentado formas alternativas de medicina, exceto a homeopatia, praticada por aproximadamente 20% deles.

Uma característica da maioria dos membros que responderam aos questionários era ter desenvolvido antes de seu ingresso na Igreja Messiânica, um interesse pelas coisas japonesas, principalmente por artes marcias, arranjos de flores e pela culinária. Assim as origens japonesas foram importantes para a maioria. As razões dadas variaram mas a maior parte baseou-se na idéia de que o Japão era privilegiado em termos geográficos, históricos e espirituais.

Freqüentemente também foi expressa a idéia de que os Japoneses tinham os atributos pessoais necessários para transmitir a mensagem divina para a era atual e para estabelecer de forma eficiente as estruturas necessárias à implementação desta era por todo o mundo. Os membros falaram do Japão como sendo mais espiritual do que o Brasil, e falaram da sua localização geográfica no Leste como um arranjo divino que o tornava um 'canal de luz' para o mundo como um todo, e como tendo sido escolhido por Deus para realizar esta missão especial.

A imagem comum dos milenaristas separados da sociedade esperando o fim do mundo não é apropriada aqui. Os membros da Messiânica no Brasil não quiseram evitar os problemas que afligem a sociedade. Estão preocupados com eles e enfatizaram a importância de 'curar' os problemas social e em particular a pobreza que está destruindo tudo e todos. Falaram que a paz de espírito, a felicidade e o senso de integridade de cada um estariam diminuídos, e até ameaçados, se a pobreza e o estado de privação da maioria se alastrassem.

A situação atual do Mundo

Existe um considerável pessimismo entre os membros sobre o estado atual do mundo. Só 2% o descreveram como 'muito bom', ao passo que 10% o qualificaram como 'bom', a metade considerou-o 'razoável', dando à palavra o significado de 'apenas tolerável', 17% o consideram 'ruim' e 19% 'muito ruim'[8]. As mulheres que perfaziam 78% dos que responderam a esta questão sobre o estado atual do mundo foram, em média, mais pessimistas que os homens e os mais jovens. Aqueles abaixo de 19 anos e na faixa entre 20-29 anos foram mais pessimistas do que os dos quatro grupos de idade superior: 30-39; 40-49; 50-59 e acima de 60. Estes formaram a maior parte dos 17% que consideraram 'ruim' o estado atual do mundo e a maioria dos 19% que o consideravam 'muito ruim'.

Quanto as razões para o estado ruim do mundo e suas várias conseqüências, inclusive a pobreza, não foi mencionado o problema do sistema de empréstimos bancários de que falamos acima. Os pessimistas sobre este assunto e os que consideraram o mundo atual meramente tolerável, ruim ou muito ruim, foram quase unânimes ao atribuir esta situação ao egoísmo, considerando-o a principal razão para a fome desesperada, o sofrimento, a violência, e sobretudo, para a pobreza, fatores que tornam impossível que tantos seres humanos vivam com dignidade e respeito por si mesmos.

A pobreza da qual os membros têm muito medo é a pobreza que podemos chamar de estrutural, ou seja, a que é caracterizada pelo fato que é grave em termos de escala, a longo prazo, e ocasionada por fatores completamente fora do controle dos atingidos por ela. Mais que isto, existem poucas possibilidades de salvamento disponíveis para aqueles encurralados neste tipo de pobreza. Também parecia aos membros da Igreja Messiânica que ninguém na vida pública e nas igrejas antigas tinha uma solução ou estava disposto a procurá-la. No entanto, existe uma forma de esperança no caso do Japão. Os mais pessimistas sabiam que esse país depois da Segunda Guerra Mundial esteve em situação muito grave e também perigosa. Acreditam que foi por devido a seu caráter e a uma elevada consciência espiritual que o Japão conseguiu triunfar sobre a devastação total.

Quanto aos meios para eliminar o problema fundamental da pobreza quase todos eles responderam que precisam de vários meios, inclusive a política, mas os meios mais poderosos e efetivos são os meios espirituais. Os outros meios, inclusive os políticos, têm um papel importante na transformação do mundo mas só quando eles estiverem aliados aos meios espirituais.

Para a maioria dos membros a idéia de aperfeiçoamento individual é central para sua compreensão de progresso espiritual e material. O aperfeiçoamento é uma idéia que extrapola os limites do indivíduo, porque vai em direção ao cultivo de um comportamento altruísta, desprovido de egoísmo. Para alguns, o paraíso na terra era principalmente, pelo menos no início, mais uma coisa interna do que uma transformação física ou material. Uma participante de trinta e poucos anos, que combina sua profissão de terapeuta ocupacional com seu papel de ministra assistente no movimento, enfatizou que para ela o paraíso na terra começa dentro de cada indivíduo 'por que Deus só trabalha através dos indivíduos'[9]. Ela se parece mais como membro de uma seita que Wilson (1970) chamou de conversionista do que uma milenarista. Essa ministra assistente era pessimista e acreditava que muito devia ser feito para converter os indivíduos para que eles entendessem o estado ruim, dos pontos de vista social e moral, do Brasil e do mundo inteiro. Ela comentou em tom apocalíptico: "O mundo está ficando pior a cada dia; há mais doença, mais conflito todos os dias. É mais animal do que humano e longe de Deus. Afastou-se do caminho da verdade por causa do materialismo e egoísmo. Não podemos andar pelas ruas à noite, com medo de sermos assaltados; estamos cheios de remédios que não curam e nossa comida é envenenada com substâncias agrotóxicas. O mundo é como um teatro onde cada um tem um papel, uma função específica e uma missão. […] Eu vivo porque sou parte do plano de Deus para construir um novo mundo"[10].

A Igreja Messiânica, é claro, não se apresenta como uma alternativa à política, nem mesmo no sentido simbólico. Ela busca uma abordagem mais integrada e completa no tratamento dos problemas de caráter pessoal ou social. Seus membros têm a convicção de que a resolução dos problemas de ordem econômica, moral, política e social está além do alcance e da competência de uma única filosofia ou instituição.

Conclusões

Como vimos nesta apresentação da Igreja Messiânica no Brasil, a construção do paraíso terrestre precisa de duas formas ligadas de regeneração. Uma na maneira de pensar na terra que inclui uma revolução no nosso entendimento das Leis da Natureza e o profundo respeito por elas como se fossem Deus ou pelo menos Leis de Deus. É uma regeneração espiritual e moral que começa ao nível do indivíduo e se espalha para toda a sociedade. As duas formas de regeneração juntas são valorizadas como o maior recurso e o meio mais eficiente que o mundo dispõe para realizar as mudanças fundamentais e necessárias para a salvação da humanidade. Na perspectiva da Messiânica, deixar a transformação do mundo para as estratégias e ideologias políticas seria um desvio porque tais estratégicas deveriam estar imbuídas de poder moral e espiritual, um poder que existe num nível de realidade que é indestrutível.

Bibliografia

CLARKE, Peter .B. (ed) (2000), Japanese New Religions. In Global Perspective, London: Curzon Press.

CLARKE, Peter. B. (2000), Movimentos Milenaristas japoneses e o papel do Brasil na construção do paraíso na terra. A Igreja Messiânica Mundial (Sekai Kyusei Kyo), Ilha. Revista de Antropologia, Florianópolis, vol.2, nº 2, dezembro.

COHN, N. (1970), The Pursuit of the Millennium, London: Palladin.

COHN, N. (1993), Cosmos, Chaos and the World to Come. The Ancient Roots of Apocalyptic Faith, New Haven and London: Yale University Press.

WALLIS, R. (1984) The Elementary Forms of the New Religious Life, London: Routledge and Kegan Paul.

WILSON, B.R. (1970), Religious Sects, London: Weidenfeld and Nicolson.

Notas

[1] Uma versão mais longa e detalhada desse artigo foi publicada na Ilha. Revista de Antropologia, Florianópolis, vol.2, nº 1, dezembro de 2000, pp. 104-123. Meus sinceros agradecimentos a Drª. Maria Amélia Schmidt Dickie que fez a tradução do inglês para o português desse artigo na sua forma original.

[2] Entrevista com O Reverendo Watanabe na Sede Central da Igreja Messiânica Mundial do Brasil, São Paulo, 5/9/1996.

[3] Ibid.

[4] A imigração japonesa para o Brasil começou em 1908 (Suzuki, 1969) e hoje estima-se que os descendentes totalizem 1.300.000 pessoas, a maioria das quais vive na região da Grande São Paulo. No início eram principalmente agricultores que viviam uma vida isolada, modelada pela vida rural japonesa (Handa, 1980). Sofreram uma dramática mudança socioeconômica depois da Segunda Guerra Mundial, quando muitos isseis, ou imigrantes de primeira geração, também se resignam a permanecer no Brasil. Essa decisão de ficar no Brasil foi acompanhada pelo desenvolvimento de uma vida religiosa mais formal entre os japoneses. Os ritos dos ancestrais, por exemplo, e os ritos funerários tornaram-se necessários, porque agora queriam seus ossos enterrados na terra de seus filhos (Smith, 1978: 59). Também era preciso ter especialistas rituais apropriadamente treinados.

[5] A survey foi realizada nas cidades de São Paulo e de Salvador entre Agosto de 1996 e setembro 1997.

[6] Retomo aqui duas das três categorias de Wallis [1984] que distinguiu entre as atitudes: 'world-affirming', 'world-denying' e 'world-indifferent'.

[7] O autor distribuiu 60 questionários aos membros da Igreja em São Paulo e Salvador durante Agosto 1996 e Setembro de 1997. 55 foram respondidos.

[8] A survey, op.cit.

[9] Entrevista, Igreja Messiânica, Fazenda Garcia, Salvador, Bahia, 20.8.1997.

[10] Ibid., grifas minh