A CENOGRAFIA VIRTUAL
NA TELEVISÃO BRASILEIRA
A cenografia virtual vem tomando espaço em emissoras de todo mundo, e aqui no Brasil já vemos os primeiros sinais de sua instalação. Programas como o Globo Repórter, Fantástico, Pelo Mundo e N de Notícia, fazem uso de cenários corpóreos totalmente produzidos por computador.
No cenário virtual é possível incluir objetos virtuais na cena e, com um ensaio prévio, criar a ilusão de que o ator está interagindo com eles. Ele pode circular em volta do objeto e ter sua sombra e reflexo projetados nele como se fosse um objeto real. Os movimentos de câmera (pan, zoom e travelling), que não eram possíveis de se conseguir no chroma-key, fazem um cenário virtual parecer real. Uma das formas de se produzir este movimento é através de sensores instalados nas lentes e no tripé das câmeras.
A revista Luz & Cena, em matéria publicada em setembro de 1998, já descrevia com fascínio a apresentação do cenário virtual na Broadcast & Cable que acontecia no Palácio das Convenções do Anhembi em São Paulo: "No estande, uma atriz permaneceu a frente de um cenário com apenas um fundo pintado em azul. Na tela, entretanto, foi visualizada a interação da atriz com imagens reais"(Mello in Luz & Cena, 1998: 53). Claudio Younis, diretor da Eletro Equip, empresa que comercializa no Brasil os software para cenários virtuais, afirmou que tecnicamente os cenários virtuais fazem a composição dos atores ou apresentadores com um cenário 3D, que acompanha de forma realísticas os movimentos da câmera e, complementa, "a vantagem desta tecnologia é a possibilidade de ampliar a criatividade dos produtores, com a redução dos custos operacionais na criação de cenários reais" (Mello in Luz & Cena, 1998: 54). Na Broadcast & Cable 2000, realizada em agosto, no Centro de Exposições Imigrantes em São Paulo, a Eletro Equip voltou a demonstrar os equipamentos para cenografia virtual, agora com novos recursos (como transmissão pela rede), assim como, a queda no preço dos equipamentos, o que acaba tornando-o ainda mais viável.
Esta nova forma de pensar e desenvolver o projeto cenográfico televisivo vem afetando diretamente os profissionais envolvidos na criação e produção cenográfica.
As imensas fábricas de cenário começam a dar lugar a pequenas salas informatizadas, os estúdios de televisão reduzem seu espaço, estrutura física e pessoal. A cenotécnica e maquinária, responsáveis pela construção e instalação do cenário vão sendo substituídas. Aos poucos softwares como o 3D Studio Max, Larus, Ibis entre outros, ocupam o espaço que antes era da madeira, dos revestimentos e tintas. Operadores de computador tomam o lugar de marceneiros, pintores e aderecistas, que partem para outros mercados, como eventos, shows e outras áreas de entretenimento que hoje utilizam seus serviços.
Os cenógrafos, diante da transformação por que passa este meio, não estão imunes a esta onda de substituições, e enfrentam a concorrência dos vídeo-designers, que já tinham seu espaço nas emissoras de televisão com produções para aberturas de programas, selos para telejornalismo e vinhetas. Para o cenógrafo José de Anchieta, um veterano na profissão, a tecnologia é a grande responsável pela migração do cenógrafo para as áreas de eventos e shows: "ele (computador) barateia muito o custo de um cenário porque não precisa de material nem de muita mão-de-obra. Acredito que o uso da computação gráfica diminua em até 90% o custo de um cenário" (Teixeira in Tela Viva, 1997: 57).
A falta de organismos estruturados que reunam os profissionais que estão no mercado para troca de informações e atualização; o reduzido número de cursos técnicos e disciplinas em escolas universitárias; e a carência de publicações em língua portuguesa que tratem do assunto, acabam levando o cenógrafo brasileiro a buscar o aprendizado e aperfeiçoamento na prática. A informação no campo cenográfico é coisa rara, e isso faz com que o cenógrafo brasileiro continue aprendendo com acertos e erros do dia a dia. Com isso, não é de se estranhar, que o surgimento da cenografia virtual apresente-se ainda como um campo desconhecido para o cenógrafo de televisivo.
Diante desta realidade, o vídeo-designer parece ter o perfil adequado para suprir esta necessidade no momento. Pois, mesmo desconhecendo os princípios básicos de linguagem e aproveitamento do espaço em três dimensões, faz uso dos elementos básicos da comunicação visual.
Porém não é só o mercado e profissionais que são afetados por estas mudanças. O próprio conceito de cenografia, que durante toda história da cenografia ocidental sofreu alterações devido a evolução tecnológica e adaptação a novos espaços, apresenta-se ainda mais confuso. A existência de diferentes conceitos cenográficos se deve a esta "mania" da cenografia de entrar em um espaço, reconhecê-lo em suas particularidades e adaptar-se a suas necessidades até adquirir uma linguagem própria deste sistema. Esta adequação por sua vez, leva a mudança em seu processo de desenvolvimento, escolha de materiais e técnicas de produção. O teatro tem uma linguagem própria, o que leva a utilização de técnicas e materiais próprios para sua linguagem, na mesma situação encontra-se a televisão e os outros campos de atuação cenográfica.
As fases de transição que fizeram com que a cenografia passasse de arte pictórica a arte plástica; a incorporação da luz elétrica como elemento comunicacional; o uso de paisagens naturais na fotografia em movimento do cinema; assim como, a fragmentação da imagem irradiada da televisão, levaram profissionais e teóricos a discutir o papel do cenário no espetáculo: sua relação com o espaço, com o ator e com o público. Hoje, a inexistência do espaço físico parece afastar a cenografia do seu parentesco mais próximo, as artes plásticas, "por existir apenas no tempo, inclusive no tempo real e presente, a imagem eletrônica é pura duração(...) guardando um parentesco muito maior com a música, estética por excelência da duração" (Machado, 1996: 55). Isto acaba levando a uma nova frente de debates sobre o conceito de cenografia.
Talvez as semelhanças entre as cenografias desenvolvidas para os diferentes espaços teatrais, cinema, televisão, ou computador, limitem-se apenas ao fato de todas serem uma forma de expressão comunicacional. Ou talvez, suas semelhanças sejam mais profundas, e esta transição, da cenografia corpórea para a virtual, não passe de um processo natural, como acredita Aldo Calvo: "o que mudou na atual cenografia foram os meios utilizados, pois o conceito continua o mesmo" (Calvo, 1989: 04).
O problema está em conceituar a cenografia virtual dentro deste universo: como uma forma diferente de representação do espaço e, até mesmo, um novo processo de comunicação, que necessita de profissionais preparados unicamente para esta nova linguagem ou, como uma forma de comunicação visual que sempre existiu e está em permanente evolução.
Neste momento, parece ser fundamental voltar o olhar para a evolução da cenografia na história; sua transição para diferentes espaços; e sua incorporação de novas descobertas tecnológicas, já que estas transformações levaram a mudanças conceituais, técnicas e práticas. Ao observar os caminhos traçados, pela cenografia, nos diferentes espaços de representação teatral, assim como, as dificuldades encontradas pelos pioneiros da cenografia no cinema e televisão, devido ao desconhecimento do novo meio, podemos ter uma melhor compreensão do momento que vivemos hoje.
O teatro
Nascida no século V a.C., na Grécia Antiga, a cenografia era a forma de representar os locais feita com pintura nas tendas, a skene, onde os atores trocavam de roupa e máscara. Daí a origem do nome "cenografia", do grego "skenographia", "que é composto de skené, cena, e graphein, escrever, desenhar, pintar, colorir" (Mantovani 1989: 13).
"As unidades de ação, lugar e tempo da tragédia grega, (...), simplificaram muito o problema da cenografia, que se bastava com fachadas de palácios, templos e tendas de campanha" (Magaldi 1965: 41). No entanto, antes da criação das skenes, nos Jogos Dionísios, o público se posicionava em torno do espetáculo, numa forma circular. Se considerarmos como sendo cenografia "um simples círculo de giz traçado em uma praça pública" (Garcia, 1989: catálogo), podemos concluir que, a confusão em relação ao conceito de cenografia não se deve apenas nas mudanças ocorridas nos novos meios em que se apresenta, mas também em sua própria origem, já que o espaço cenográfico teria nascido antes da criação da skene, ou seja, antes mesmo da própria criação da cenografia. De qualquer forma, como nos coloca Mariângela Lima, a palavra cenografia tem sido contestada devido a sua vinculação com o gráfico, do grego skenographia ao latim scenographia, o conceito não é aceito por cenógrafos que trabalham de forma integrada ao processo de construção de um espetáculo, não limitando-se, apenas, a elaboração do desenho (Lima, 1989: catálogo).
Na Idade Média vemos as primeiras transformações no conceito cenográfico. Para a representação dos dramas religiosos, o cenário era o interior da igreja, confundindo-se com a própria liturgia; passando em seguida ao pórtico dos templos, ao tornar-se drama semilitúrgico; e finalmente, passando as apresentações em praças públicas. Com esta última mudança, surge uma forma de representação até então nunca utilizada, o cenário simultâneo, "em que diversas indicações, muito sumárias, se justapunham ao longo de um estrado. Um simples portão sugeria uma cidade, uma pequena elevação simbolizava uma montanha, e assim por diante (...). Esse enquadramento permanente, encontrável nos mais diversos mistérios, revelava o profundo vínculo da cenografia com o espírito do texto" (Magaldi 1965: 41).
A dramaturgia clássica retornou aos princípios greco-romanos, e novamente, um só cenário prestava-se a todos os diálogos. As perspectivas sucessivas tiveram o objetivo de alargar ilusóriamente a dependência do palácio escolhida como cenário. Bramante, cenógrafo italiano, foi o criador do cenário em perspectiva, técnica esta, que foi apropriada das artes pictóricas do renascimento. "Bramante dióse cuenta que el escenario, apesar de sus dimensiones reducidas, debía contener edificios calles y plazas, bosques y campiñas. El nuevo arte resolvía el problema. Las líneas, convergentes todas a un punto situado en el centro del escenario creaban una ilusión de óptica que podía aprovecharse. Los edificios colocados en diversos planos y cada uno de ellos de tamaño más reducido que el precedente daban una exacta tercera dimensión al escenario" (Gener 1947: 229).
Dentro desta realidade surge o conceito de cenografia de Jacques Aumont, onde "cenografia é a arte de pintar os cenários da cena italiana"(Aumont, 1993: 229), definição esta que serve apenas a cenografia teatral em palco a italiana, que Van Tieghem apresenta-nos como sendo "uma concepção arquitetônica que separa a sala da área de representação por uma ribalta, que ilumina a cena sem iluminar a sala, e por uma boca de cena, que forma como que uma moldura a um quadro vivo"(Tieghem, 1964: 44). Esta definição de cenografia só pode, no entanto, ser aplicada ao "teatro profissional", que é classificado por Sourthen como sendo a terceira em uma evolução de sete fases do teatro, fase esta que surge no séc. XVI (Sourthen apud Amaral, 1996: 35).
Este termo técnico veio depois a designar, mais amplamente, "a arte de fixar cenários"(Aumont, 1993: 229).
O romantismo do final do século XIX, levou a cenografia ao seu realismo máximo. Para Émile Zola, cenografia é "uma descrição contínua que pode ser muito mais exata e impressionante do que a descrição realizada pelo romance" (apud Pavis 1999: 43), com isso o cenógrafo arquiteto é deposto em favor do pintor de paisagem.
No fim do século passado surge a luz elétrica, algo que deve ser ponderado no sentido de evolução da cenografia. A luz elétrica começa a mudar todo o contexto da elaboração cenográfica, e Adolphe Appia, escrevendo em 1921 A Obra de Arte Viva, foi o primeiro a discutir e a trabalhar a questão da iluminação elétrica. Para Appia a luz possui a qualidade de salientar a plasticidade do corpo humano. Sábato Magaldi observa que a luz apresenta-se como uma opção mais funcional: "A luz, seccionando espaços, no palco, e crescendo ou diminuindo de intensidade, pode funcionar sozinha como cenário(...)".A incorporação da eletricidade confirmou o lugar da cenografia na área arquitetônica. Stanilavski reproduz, em Minha Vida na Arte, um diálogo com o diretor e cenógrafo Gordon Craig, no qual lhe é repetida "uma incontestável verdade: o corpo do ator, abaulado como é, não fica bem ao lado da tela pintada, chata e sem relêvo; o palco exige a escultura, a arquitetura, o volume"(apud Magaldi 1965: 183).
"O conceito de cenografia começa a ser trabalhado e em menos de 50 anos muda completamente. Antes, o cenário era só uma decoração e, de repente, o cenário começa a ter uma importância muito grande"(Millaré, 1998: 03).
No entanto, as mudanças na cenografia nunca foram bem aceitas, mesmo a eletricidade, que tanto agitou a cena européia, e impulsionou concepções cenográficas, recebeu críticas. Acusando, em 1939, a luz de "principal causadora da inverdade da cenografia que ainda está em uso", o ensaísta Eduardo Victorino aponta as falhas de utilização da luz elétrica na iluminação do cenário, "a luz curva da eletricidade achata tudo, faz desaparecer os planos(...) as cores berram, mas não exprimem vida; tanto mais que a luz as imobiliza e lhes tira a idéia de movimento" (Modos Cenográficos, catálogo).
Incluindo projeção cinematográfica no palco, Erwin Piscator, revoluciona a cenografia, mudando mais uma vez o seu conceito, levando, assim, "para uma região que já não é a pintura, já não é a arquitetura, já não é a escultura e não é a sintese de tudo isso" (Millaré, 1998: 07). Para Sebastião Millaré a cenografia moderna deve ser analisada dentro do conceito de que ela não decora mais a cena. "Ela coloca elementos que não são o corpo, a voz e o gesto do ator, mas elementos que expressam uma idéia" (Millaré 1998: 07).
Entre as artes ditas "consagradas", o teatro serviu ao cinema tanto na escolha dos temas quanto da maneira de apresentação (Knight 1970, pp.9-13). Para Arthur Knight, o teatro preparava as platéias exatamente para o tipo de coisa que o cinema apresentaria melhor. "Nicholas Vardac, no seu livro Stage to Screen, frisou que o teatro do séc. XIX, nos Estados Unidos e na Inglaterra, contribuiu muito a fim de criar o que poderia se denominar de um ‘clima de aceitação’" (Knight 1970, p.9). No entanto, essa importância da tradição teatral, segundo Knight, é esquecida com freqüência no estudo do cinema.
A cenografia é um dos elementos da representação teatral que o cinema acabou por incorporar. A transição da cenografia, do espaço teatral para o cinematográfico, não se apresenta tão clara devido a natureza metamórfica desta forma de expressão. No cinema produzido na virada do século XX, vemos, em um dado momento, a utilização do cenário como cópia do teatro, e em outros, como uma nova forma de representação do espaço cênico. No entanto, podemos perceber que, em pouco tempo, houve uma adaptação da cenografia ao cinema; uma evolução até adquirir totalmente as características do novo meio e distanciar-se, conceitualmente e técnicamente, do seu espaço de origem.
O cinema
O cinema, por sua vez, deu possibilidades a cenografia que o teatro não permitia. Agora as paisagens reais poderiam ser cenários, como nos descreve Gerard Betton: "Os cenários podem ser reais (naturais)_ paisagens ou construções humanas_ ou construídos em estúdio ou ao ar livre_ com vistas a servir de ambiência para a ação" (Betton, 1987: 53). "E foi o ingrediente de realidade que deu ao cinema a sua primeira platéia e a novidade de se observarem coisas reais em movimento." (Knight, 1970: 12).
O cinema conseguiu com facilidade realizar os tipos de efeitos que pareciam impossíveis no teatro. Knight cita como exemplo a declaração de um crítico em 1899, sobre a corrida de bigas do espetáculo teatral Ben Hur apresentado nos Estados Unidos: "A única maneira de obter o exato sentido de ação desse acidente no teatro consiste em apresentá-lo com a invenção de Edson" (Knight, 1970: 11). Esta crítica ao falso naturalismo teatral é compreensível, pois a cenografia neste espaço não passa de uma convenção dentro do próprio mundo real, "não há duvida sobre a natureza artificial dos cenários de palco (...), o palco é, em essência, preparado para simbolizar ou sugerir um lugar real" (Stephenson, 1969: 144). Já o espaço cinematográfico é diferente, a principal característica da câmera é "ser capaz de nos dar uma reprodução fotográfica de locais autênticos, porções verdadeiras da natureza" (Stephenson, 1969: 144).
Além disto, para Christian Metz, o espetáculo teatral não consegue proporcionar ao espectador a impressão de realidade proporcionada pelo cinema pois, "há os intervalos, o ritual social, o espaço real do palco, a presença real do ator" (Metz, 1972: 23). Diante deste fato, segundo Knight, só restou ao teatro buscar outro caminho que não fosse o da representação naturalista (o do expressionismo e impressionismo), já que naquele momento era quase impossível manter o interesse do público diante da novidade das imagens reais em movimento do cinema (mesmo que, ainda, trêmulas sombras). Knight, em Uma História Panorâmica do Cinema, descreve a forma maravilhada com que alguns espectadores reagiram a nova arte: "quando as locomotivas trovejavam pelos trilhos e as ondas rolavam em direção a câmara, pessoas nas primeiras filas saiam correndo" (Knight, 1970: 12).
Contudo, apesar de sua tendência para o cenário natural, o cinema viu surgir, em pouco tempo, os complicados cenários teatrais de Méliès que, se para Stephenson, "provaram ser um beco sem saída" (Stephenson, 1969: 145), para Knight foi a salvação do cinema (Knight, 1970: 13).
Georges Méliès, pintor e mágico profissional, combinava números de mágica com estórias de pantomima onde, freqüentemente, desenhava cenários que "constituíam milagres de engenhosidade, sugerindo, através de perspectiva distorcida, vastos panoramas a despeito de dispor apenas de um minúsculo palco" (Knight, 1970: 13). A cenografia de Méliès era composta de telas pintadas, como é descrito por Georges Sadoul em El Cine, Su História e Su Técnica: "(...)con simples telas pintadas y puestas sobre un muro(...)sobre la tela pintaba efectos visuales como los del teatro" (Sadoul, 1950: 115).
Assim como Sadoul, Knight vê uma forte influencia do teatro sobre o cinema de Méliès (como em tantos de seus contemporâneos). Palcos com estrutura teatral eram especialmente equipados para os truques que viriam a ser apresentados na tela. "No A Trip to the Moon (Voyage dans la lune), por exemplo, a fim de criar efeito de um foguete em vôo, Méliès rebocou um modelo em papiér-maché da Lua por sobre uma rampa complexa em direção a câmara, situada em plano superior (...). Tudo acontecia em seus filmes da mesma maneira que no palco (...). Até mesmo no truque de fundir uma cena na outra, Méliès adaptou técnicas teatrais existentes (...)" (Knight, 1970: 13).
Também como no teatro, os atores entravam em cena vindos dos bastidores, e este deslocamento do ator, para dentro ou para fora do cenário, é que compunha o quadro, e não os movimentos da câmera, que geralmente não se movia _"fixa e a uma certa distância da cena, de modo a abraçá-la por inteiro, num recorte que hoje chamaríamos de ‘plano geral’" (Machado, 1997: 92). Com o eixo frontal da câmera perpendicular ao cenário, a ação era desenvolvida horizontalmente no palco, o que levava a um ponto de vista definido por Sadoul como o "cavalheiro da platéia", ou como é conhecido no teatro renascentista "o local do príncipe", que corresponde ao ponto de vista de um espectador sentado mais ou menos no meio de uma sala de teatro, que vê a cena por inteiro, "desde a abóboda até a rampa, e cuja localização ideal faz dirigirem-se as linhas de fuga a um ponto no fundo e no meio do cenário" (Machado, 1997: 92-93).
Apesar da similaridade do espaço cinematográfico de Méliès com o espaço teatral, Arlindo Machado identifica no sistema de representação deste período uma maior influência das formas populares de culturas provenientes da Idade Média ou épocas imediatamente posteriores, que própriamente das formas artísticas eruditas dos séculos XVIII e XIX, como o teatro. "A iconografia de Méliès (...), deriva diretamente das gravuras populares, das imagens de Épinal, de modelos iconográficos não-europeus e de toda a tradição pictórica da Idade Média, donde a estilização e o grafismo naïf, o desprezo total pelas convenções da perspectiva renascentista e pelas regras do naturalismo plástico (...). Essa diferença de concepção do espetáculo (estilização, naturalismo) e de método de trabalho (mudança da escala do cenário e não da posição da câmera) dá-nos hoje, a nós espectadores viciados no naturalismo do cinema que se seguiu a Méliès, uma impressão de "teatralidade" que provavelmente os contemporâneos daquele cineasta não tinham" (Machado, 1997: 80-94).
Em 1903, com o lançamento de The Great Train Robbery de Edwin S. Porter, surge o que seria o modelo de cinema que conhecemos hoje, indicando um estilo definitivamente cinematográfico e uma total adequação da cenografia ao novo meio. "Todos os interiores, a cena inicial da cabine do telegrafista, o assalto ao vagão postal, a pândega violenta no bar, foram filmadas como em um teatro, figurando a câmara novamente como observador bem colocado. Mas logo que Porter a tirou do estúdio, onde toda a ação podia ser controlada, foi forçado a usar artifícios que focalizavam a cena de ângulos que exigiam que câmara se aproximasse dos atores e que estes entrassem de trás e saíssem em direção à objetiva" (Knight, 1970: 15).
As câmeras não se mantinham mais presas dentro dos estúdios: cenas rodadas em locação eram combinadas com outras encenadas diante de cenários pintados. E neste momento a cenografia cinematográfica supera a cenografia teatral, da qual se apoderara no momento do nascimento do cinema, "la combinacion del aire libre y el estúdio obliga a los escenógrafos a obtener un realismo mayor que el del teatro" (Sadoul, 1950: 115-116).
Neste momento de transformações no universo cenográfico, onde o cenário do espetáculo teatral assume a tarefa não mais de ilustrar o texto dramático, mas sim, de estabelecer-se como um dispositivo próprio para esclarecimento deste, o exibicionismo do cinema, em outra direção, faz eco a declaração de Copeau em crítica ao cenário: "Simbolista ou realista, sintético ou anedótico, o cenário é sempre um cenário: uma ilustração." (apud Pavis, 1999: 43). Contudo, a evolução do cinema acabou dando origem ao que podemos chamar hoje de cenografia cinematográfica.
A televisão, assim como o cinema, acabou por incorporar elementos dos meios já estabelecidos. Em seu início fez uso de cenários teatrais, até a invenção do vídeo-tape, onde aproximou-se da linguagem cinematográfica. No entanto, novamente como o cinema, vem adquirindo, nos últimos anos, características próprias, distanciando-se, conceitualmente e técnicamente de seus antecessores.
A televisão
Na primeira metade do século XX surge a televisão. No início a cenografia é pouco valorizada neste meio. Segundo William Bluem, para se produzir um spot de 20 segundos de duração, era composta uma equipe de dezesseis profissionais (Gerente de Operações, Artista, Locutor, entre outros). Nesta equipe não havia um cenógrafo, que só seria solicitado (com o nome de "Supervisor de Estúdio") caso o spot fosse ao vivo (Bluem, 1965: 64). O supervisor de estúdio era um faz tudo, misto de cenógrafo, cenotécnico e contra-regra. Rubens Barra, cenógrafo da antiga TV Paulista, que mais tarde viria a ser TV Globo, conta que "naquele tempo o cenógrafo era o "arquiteto" de todo o cenário: desenho, construção, e depois o mobiliário, os enfeites, toda a contra-regra" (Barra, 1998 in www.televisaobrasil.com.br).
Em 18 de setembro de 1950 é inaugurada a TV Tupi Difusora de São Paulo. Marlene Morel, uma das primeiras garotas propagandas da televisão brasileira, lembra que "(...)o cenário não existia. O diretor colocava uma tapadeira ao fundo com o logotipo do anunciante(...)" (Falgetano e Rosa Jr. in Tela Viva, 2000: 18). Para Cyro del Nero, cenógrafo da extinta TV Excelsior, naquele tempo havia "uma inexperiência dos dois lados: a empresarial e a artística (...) havia uma discrepância de possibilidades(...)" (Buriti, 1996: 51).
Em 21 de dezembro de 1951 estréia na Tupi a primeira telenovela brasileira, Sua Vida me Pertence, de Walter Foster. "O unitário surgiu no Brasil como uma peça de teatro levada ao ar pela televisão ao vivo" (Pallottini, 1998: 25). Renata Pallottini conta que, no princípio, não se via nas telenovelas o realismo que vemos hoje, devido "a precariedade do material utilizado no cenário". A evolução no processo de construção dos cenários e a criação do vídeo-tape proporcionaram, a partir deste gênero, o maior realismo já visto na televisão.
Na segunda metade do século a televisão começa a fazer uso do vídeo-tape. "(...)com os recursos possibilitados pelos editores eletrônicos e pelas câmeras portáteis, (a televisão) vai perdendo amarras nos 60, adquirindo um ritmo mais próximo ao cinema" (Ortiz, 1989: 123). "Se antigamente, devido à precariedade da televisão brasileira, a imagem possuía uma dimensão metafórica, atualmente ela tende a descrever o real de uma forma mais fotográfica." (Ortiz, 1989: 140). Assim como Renato Ortiz, Patrice Pavis acredita que, com isso, a televisão se afasta cada vez mais do modo de produção teatral, aproximando-se do trabalho cinematográfico (Pavis, 1999: 397).
No entanto é bom ressaltar que apesar de sua linguagem de base, "composição e montagem de imagens." (Pignatári, 1984: 14), ser a do cinema, "o quadro videográfico tende a ser mais estilizado, mais abstrato e, por consequência, bem menos realista do que seus ancestrais (...)" (Machado, 1997: 194), e isto se deve a própria natureza da imagem eletrônica.
"A terceira fase da televisão, ainda falando em termos do impacto da tecnologia sobre os meios de expressão, se dá em meados dos anos 70, quando os recursos da informática começam a ser introduzidos com ênfase cada vez maior, primeiro na automação dos trabalhos, depois no próprio processamento da imagem" (Machado, 1995: 158). E neste momento ocorrem as primeiras transmissões em cores. "O advento da televisão a cores criou novas oportunidades para cenógrafos e figurinistas". (Stasheff, 1978: 99). Com relação ao uso de cores nos cenários Nero conta que: "(...)durante todo o tempo que nós estivemos na Excelsior, nós desenhamos mil e uma vezes os cinzas correspondentes as cores em cartões. Era uma preocupação constante, saber o resultado das cores. E é um negócio realmente sem fim, por que não havia meios, naquele momento de medir a luminância das cores (...)" (apud Buriti, 1996: 52).
Como pudemos observar, "o vídeo é um sistema híbrido; ele opera com códigos significantes distintos, parte importados do cinema, parte importados do teatro (...)" (Machado, 1997: 190). As técnicas e materiais utilizados na construção dos cenários, foram adquiridos no teatro, "os cenários reconstituídos em estúdio ficaram próximos ao da estilização teatral" (Pavis, 1999: 398). Já o uso de cenários naturais veio do cinema, das condições proporcionadas pela edição. "A gravação em externas forneceu um quadro próximo ao cinema, e o efeito de real se impôs, em detrimento da clareza e da estilização." (Pavis, 1999: 398).
Para J.C. Serroni, arquiteto cênico e cenógrafo, a luz, as sombras e o desenho da perspectiva se equivalem, tanto na televisão como no teatro. "A diferença talvez esteja na escala de construção cenográfica. A escala das cidades cenográficas da televisão é uma escala real, com igrejas, ruas, casas, praças, etc. No teatro, por sua vez, se possui uma caixa de palco de doze metros por quinze metros de profundidade com oito metros de altura, por exemplo" (Serroni in Burini, 1996: 44).
Para Peter Gasper, editor da revista Luz & Cena, a diferença da cenografia teatral para a televisiva se deve ao fato que no teatro a "cenografia é vista a partir de uma intenção do cenógrafo (...). Em televisão não é bem assim. A decisão do que será visto pelo público é função do diretor de imagem (diretor de TV, diretor de corte ou, simplesmente, cortador)" (Gasper in Luz & Cena, 2000: 04). Outro problema apontado por Serroni é que a televisão limita a criação cenográfica, devido ao IBOPE -Instituto Brasileiro de Opinião Pública- (Burini, 1996: 41). Contudo, Serroni acredita que a televisão é um meio de muitas possibilidades, "o que ocorre é o mal uso dela" (Burini, 1996: 42), e sendo assim, conclui que "cada meio, seja o teatro, o cinema, ou a televisão, não são passíveis de comparação entre si, pois cada um é um" (Burini op cit).
Com relação a estrutura dos primeiros cenários utilizados na televisão, de uma forma geral, se resumiam a composição de poucos elementos cênicos como: cortinas; cicloramas; fundo infinito; tapadeiras e outras unidades modulares (Stasheff, 1978: 213-216), passando posteriormente a projeções e inserções de imagens virtuais.
Para Eugeni, podemos determinar as diferentes configurações estruturais do espaço televisivo em função da: tipologia do cenário, onde teremos um espaço central que pode ser único (como em certos programas de entrevistas), dividido em módulos (como nas telenovelas onde diferentes ambientes constituem o espaço de ação), externos que se conectam ao central (no caso de telejornais, onde a equipe de comentaristas se apresenta em diferentes espaços que entram em conexão com o espaço dos apresentadores), ou, ainda, externos de natureza diferente do central (como nas conexões entre estúdio e locações reais); modalidade de conexão entre estes módulos espaciais (como a inserção de um espaço em outro ou a justaposição de espaços); sua dinâmica (onde a transformação do cenário pode acontece diante da platéia e das câmeras) (Casetti e Chio, 1999: 254-275). Já a definição do estilo do cenário se deve: a disposição dos elementos arquitetônicos e cenográficos (fundo neutro, desenho, fotografia, logotipo, mobiliário, et.); a escolha das cores (tons quentes e frios, harmonia e contraste, predominância de cores, etc.); a aplicação das luzes (disposição, direção, valores cromáticos, etc.); e as características das superfícies (materiais utilizados, relação com fontes luminosas, texturas, etc.) (Casetti e Chio, 1999: 254).
O estilo e a estrutura do cenário também sofrem influência da própria natureza da imagem do vídeo, ou seja, do modo como a imagem eletrônica se manifesta. A composição de uma imagem videográfica se deve a uma combinação de pontos de luz, "cerca de duzentos mil pontos de luz que preenchem a tela compondo 525 linhas (no padrão americano e na sua adaptação brasileira) ou 625 linhas (no padrão europeu) (...)." (Machado, 1995: 43). Esta forma de reprodução impõe limitações a imagem videográfica, e isto já basta para estabelecer profundas diferenças em relação a imagem cinematográfica. "(...) numa topografia estilhaçada como essa, (...) a profundidade de campo é sempre precária, porque a partir de um certo nível de afastamento do primeiro plano (foreground) as figuras tendem a se desmaterializar e a se confundir com as retículas." (Machado, 1995: 46).
Com isso, a imagem do vídeo "trata-se de uma imagem inadequada para anotar informações abundantes, uma imagem que não aceita detalhamentos minuciosos (...). O vídeo é uma tela de dimensões pequenas, entendendo-se por tal uma tela em que se pode colocar pouca quantidade de informação, já que há sempre o perigo de que uma imagem demasiado abundante se dissolva na chuva de linhas de varredura.(...) são inadequados os cenários amplos e as decorações muito minuciosas, pois todos esses motivos se reduzem a manchas disformes quando inseridos na pequena tela. Em decorrência da baixa definição da imagem videográfica, a maneira mais adequada e mais comunicativa de trabalhar com ela é pela decomposição analítica dos motivos" (Machado, 1997: 193-194). Daí o motivo de vermos apenas fragmentos dos cenários por trás dos atores. "A imagem eletrônica, por sua própria natureza, tende a se configurar sobre a figura da sinédoque, em que a parte, o detalhe e o fragmento são articulados para sugerir o todo, sem que esse todo entretanto, possa jamais ser revelado de uma só vez. (...) os cenários não podem parecer excessivamente realistas nem ostentar preenchimentos minuciosos; eles devem apontar para síntese ou para o esquema. Em resumo, podemos dizer que o vídeo tende a operar uma limpeza dos "códigos" audiovisuais, até reduzir a figura ao seu mínimo significante" (Machado, 1997: 194). Frente a estas imposições, "o cenógrafo, por sua vez, deverá assegurar-se de que o cenário permitirá a enquadração adequada, com fundos interessantes para o diretor." (Stasheff, 1978: 86).
"A miniaturização da imagem provoca uma importância maior da banda sonora" (Pavis, 1999: 398), fazendo do vídeo, consequentemente, um meio com maior afinidade aos signos sonoros que visuais. Devido a isso, a cenografia na televisão perde em força quando comparada ao teatro, onde mantém alto valor estético e expressivo.
O outro ponto a ser levantado, é o fato de percebermos, na televisão, um número maior de configurações de espaço e uma maior variedade de estilos, se comparada ao cinema, onde, a grande maioria dos espaços de representação se resume ao estilo naturalista em uma tipologia, estática, de conexão entre espaços "reais" (locações) e espaços "construídos" (estúdios). Isto se deve a quantidade de gêneros existentes na televisão. Estes gêneros são inúmeros , mas são percebíveis e classificáveis.
Vale ressaltar que a determinação da composição e estilo cenográfico em função dos gêneros e da fragmentação da imagem, apontadas aqui, são tendências que podem ser observadas na televisão, mas de modo algum se configuram em leis nas quais os profissionais do meio devem se subordinar. Como bem lembra Arlindo Machado, "um plano geral, excessivamente aberto, não é considerado uma boa imagem no vídeo, porque tende a desmaterializar as figuras que estão representadas, mas se o videasta visa justamente produzir um efeito de despersonalização das figuras, o recurso é perfeitamente cabível." (Machado, 1997: 190). Além do que, "tentar estabelecer uma especificidade para um meio como o vídeo (...), acrescido de uma enorme capacidade de transmutação plástica, poderia se correr no erro de se almejar uma pureza que este meio não possui" (Santaella, 1992: 24).
Contudo, "se a televisão mostra a intenção de seguir a tradição figurativa (...), ela deve se satisfazer então como uma única via de acesso à figura: a decomposição analítica dos motivos, o desmembramento da cena numa série de detalhes indiciadores de sua totalidade." (Machado, 1995: 48).
No entanto, o cuidado que deve-se tomar é que, a televisão, nos últimos anos, vem sofrendo drásticas transformações, e essas transformações, com certeza, irão levar a cenografia a novas mutações em suas estruturas e estilos. Até então, não existe nenhum indício de mudança nos modelos de gêneros utilizados em seu repertório, mas com relação a qualidade da imagem videográfica, a HDTV e o cenário virtual já começam a mostrar novidades no mundo cenográfico.
O cenário virtual
O uso da informática abriu novos caminhos para a evolução cenográfica. Imagens vistas nos monitores de televisão em casa não são mais compartilhadas pelas pessoas que estão no local no momento da gravação, "trata-se agora de um realismo conceptual, construído com modelos que existem na memória do computador e não no mundo físico" (Machado, 1996: 135). Estes efeitos que antes eram parte do cenário foram crescendo até os dias de hoje onde, em alguns programas são quase a totalidade, senão, o cenário por inteiro.
O cenário virtual se apresenta como uma possibilidade viável pois, ao mesmo tempo em que faz a composição dos atores ou apresentadores, como os cenários tradicionais, vem resolver o problema da área física do estúdio que, em algumas emissoras, se apresenta como empecilho para os cenógrafos, além de se mostrar mais prático e rápido no momento da criação, produção, manutenção, transporte, instalação e armazenamento, acrescido a isto, o menor custo com material e mão de obra.
O problema ainda encontrado na cenografia virtual está na artificialidade das texturas da matéria virtual, "ainda não é "suja" o suficiente. O fundo tem muito mais definição que o ator, e ainda tem foco infinito _o que não ocorre nos cenários normais_ com aquela cara de computação gráfica." (Possebon apud Burini, 1996: 234).
Junto as vantagens apresentadas pela cenografia virtual, a televisão vive profundas mudanças com o surgimento da TV de alta definição. A partir de 1989, no Japão, muitas experiências em HDTV têm sido feitas no mundo. A formatação da imagem HDTV no Brasil será de 1080 linhas verticais ativas x 1920 linhas horizontais de resolução. O resultado será uma tela 30% maior no tamanho horizontal que as dos aparelhos atuais, que passará da proporção de 4:3 para 16:9.
"A tela com maior quantidade de linhas permitirá ao telespectador uma visão ótima, a uma distância menor. (...). Pelo aumento da quantidade de linhas, a imagem será muito mais nítida, a uma distância igual ao dobro da diagonal do televisor. Teremos uma sensação bastante realista, uma visão perfeita, sem a interferência das linhas de um televisor atual. Hoje a HDTV é digital e tem uma resolução de aspecto equivalente ao filme de 35mm." (Pace in Lume, 2000: 48-52).
A cenografia terá que adaptar-se a este novo formato e terá como grande desafio o aperfeiçoamento da qualidade. "Na cenografia, um pequeno defeito de junção de um cenário ou uma pintura mal acabada serão drasticamente notados, pois a nitidez da imagem, aliada à profundidade de campo tremendamente aumentada, por certo denunciará estas falhas" (Pace in Lume, 2000: 54-55). Dentro das imposições da HDTV, a cenografia virtual apresenta-se como a melhor opção nesta transformação da televisão, tanto no momento de transição do atual aparelho para a HDTV, onde será necessário uma adaptação as diferentes proporções da tela, como na qualidade de acabamento neste novo sistema. Novas composições estruturais deverão surgir com as possibilidades criadas pelo espaço virtual assim como novos estilos em função da melhora da qualidade de imagem pela HDTV ou pela limitação de texturas da matéria virtual. E a cenografia, dentro deste contexto, como não poderia deixar de ser, continuará em sua natural evolução.
Para finalizar, dentro de um meio de tão forte penetração, como é a televisão, não poderiamos deixar de tratar do principal papel da cenografia, a questão do significado. Para Décio Pignatari, "cenografia não é apenas um signo que denota e conota um ambiente e/ou uma época, ou que informa um espaço, configurando-o: a boa cenografia é a que participa também da ação narrativa, que não é apenas algo externo a ação, decorativamente, mas que se identifica até com o estado psicológico dos personagens ou o ambiente da cena. Como o nome está dizendo, a cenografia é uma escritura da cena, é uma escrita não-verbal, icônica, que deve imbricar-se nos demais elementos dramáticos, trágicos ou cômicos." (Pignatari, 1984: 72). Com isso, "(...) el espacio representado contribuye a definir no sólo la identidade visual del programa, sus contenidos y sus géneros, sino también las modalidades através de las que se comunica com el receptor y, por tanto, el papel que se asigna a este último. A partir de aquí se produce un salto de nível, pues el modelo de representación espacial adoptado por las transmisiones televisivas sirve para orientar los saberes, los valores y las creencias del espectador, es decir, para definir la relación comunicativa." (Casetti e Chio 1999: 278-279).
Deste modo, a cenografia, é um instrumento de realizações lingüísticas e comunicativas, "es decir, construcciones propiamente dichas, que trabajan a partir de material simbólico (signos, figuras y símbolos presentes en el léxico de una comunidad), (...), y producen determinados efectos de sentido (conviven com la "realidad" o la "irrealidad" de cuanto dicen, etc.). En definitiva, no nos enfrentamos com "vehículos" neutros que "llevan" algo, sino com objetos dotados de consistencia e autonomía própias." (Casetti e Chio 1999: 249).
Esta fase de transição, por que passa a cenografia hoje, é provavelmente a última do século e talvez a que apresente maiores mudanças em toda sua história. A união do computador a televisão já é uma realidade. "A televisão vem sofrendo transformações substanciais ao longo de sua história, tanto a nível de suporte tecnológico (hardware) como dos recursos de linguagem (software)" (Machado, 1995: 157). E, a cenografia com certeza irá beneficiar-se destes recursos de linguagem.
Tratando do desenvolvimento acelerado da televisão em seu sistema de transmissão, Nelson Hoineff, acaba por antever o futuro da cenografia neste meio: "O mais poderoso meio de comunicação inventado pelo homem está em rápida transformação. Tecnologias revolucionárias(...)promovem uma alteração tão grande nos meios de produção que já nem se pode dizer com certeza que a televisão da próxima década seja o mesmo veículo que conhecemos hoje" (Hoineff , 1991: 33).
Surgem as primeiras questões neste momento: A transição, da perspectiva por construção corpórea (que utiliza serviços de marcenaria, serralharia, tapeçaria, pintura entre outras formas de trabalhos manuais) para a construção virtual (que conta apenas com os recursos da informática para sua produção final) é uma evolução natural dos elementos comunicacionais que compõem a cenografia ou uma nova forma de comunicação visual? Esta transformação fará com que o cenógrafo, que por natureza é um generalista, incorpore no desenvolvimento de seus projetos a tecnologia oferecida pela informática ou, criará uma nova forma de representação do espaço e, com isso, abrirá para o vídeo-designer ou outro profissional de comunicação visual um novo campo de atuação?
Para responder a essas perguntas iniciais será preciso conhecer a atual situação da cenografia virtual no Brasil; saber como o cenógrafo da televisão assiste a esta transição. Para conhecer a atual situação da cenografia virtual no Brasil, será preciso saber qual é a formação deste cenógrafo virtual, quais os recursos que estão a disposição destes profissionais e em que outras formas de representações hipermidiáticas já foram utilizadas.
Será preciso verificar como os profissionais envolvidos na criação, utilização e confecção de cenários, na atualidade, estão vendo o uso da tecnologia oferecida pelo computador na elaboração e confecção do cenário. E, como os profissionais no passado receberam mudanças como, a técnica da perspectiva no desenho cenográfico, o uso da luz elétrica como elemento cenográfico ou o início da construção corpórea.
Ainda será preciso definir esta nova forma de representação do espaço, considerando como sendo espaço "a capacidade ilimitada de receber corpos" (Barraco, 1976: 13), recorrendo a antigos conceitos, que passaram por reformulações com a evolução da cenografia. Para isso será necessário identificar os marcos de transição para saber como estes conceitos foram afetados por mudanças como, na transição das instalações em espaços abertos para as salas fechadas e depois para a transmissão irradiada, e como estes conceitos podem ser enquadrados na representação virtual.
A história da cenografia indica a necessidade de preparar o cenógrafo atual para esta nova fase de transição; apontar caminhos para aqueles que estão no mercado antes do aparecimento do computador; adaptá-los a esta realidade; apresentar as ferramentas que estão a sua disposição no momento. Ainda há tempo de discutir com os vídeo-designers, que aventuram-se neste mundo, que conceito utilizar na elaboração desta nova forma de representação do espaço e, como utilizar de forma adequada os elementos comunicacionais que se apresentam.
Quando for definido o perfil do profissional que estará preparado para desenvolver projetos cenográficos virtuais; que habilidades e conhecimentos deve ter; como fazer uso das técnicas e materiais; e, em que conceito enquadrar esta nova forma de representação do espaço, então, só ai, teremos o cenógrafo virtual.
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