A cidade e seus fluxos Nelson Brissac Peixoto
english version

Uma via expressa construída sobre o rio, recoberta por um jardim. O vale, os viadutos e os grandes edifícios vão acrescentando outras camadas a este verdadeiro palimpsesto urbano. O movimento contínuo, horizontal e vertical, dinamiza toda a área. As sucessivas mudanças na paisagem vão criando esta falha geológica, esta grande rasura. Extraordinária complexidade urbano-arquitetônica num recorte da cidade.

Ao contrário de Cidade sem Janelas - um evento que ocorria numa área circunscrita, embate com muros, com o peso de estruturas e materiais -, este grupo não se propôs um lugar. A situação aqui não é uma localização, mas um deslocamento, um transitar entre as coisas. Tudo o que temos é uma zona sem traçado nem fronteiras.

Uma nebulosa na qual se pode apenas fincar pontos de referência, como uma intervenção cirúrgica ou militar, o teatro de operações situando-se neste extenso campo. É um lugar de passagem, simbolizado pelo viaduto do Chá. Num dos pólos, o prédio da Eletropaulo. Do lado oposto do Anhangabaú, a antiga sede do Banco do Brasil. E ainda o edifício Guanabara, na esquina da Av. São João. Além disso, a área do vale e as ruas circundantes.

Esses pontos jamais superam a fragmentação da cidade: não se trata de simplesmente criar um percurso de um lugar a outro, mas de produzir um movimento que afete simultaneamente todo o espaço. Inúmeros caminhos são possíveis, não se pode estabelecer um itinerário privilegiado, um guia para visitação. A deriva apenas cria probabilidades de percursos e encontros. A questão é a distância e a tensão entre os locais.

Toda inscrição nesse amplo espaço urbano passa, em parte, necessariamente desapercebida. Impossível construir um marco que se faça inequivocamente ler num campo tão saturado. No deserto urbano não há como deixar trilhas contínuas. Os indícios deixados nesse lugar arriscam perder-se, confundidos com o resto da cidade. As obras podem apenas sugerir uma articulação, aludindo ao mesmo tempo à ruptura das comunicações, ao insuperável esgarçamento do tecido urbano.

No primeiro bloco de Arte/Cidade, tinha-se por pressuposto uma relação com o mundo ainda típica do séc. XIX: a cidade baudelairiana, campo da experiência, do trajeto, do olhar. Uma relação estabelecida na escala do indivíduo. Hoje não é mais possível fazer essa itinerância como um passeio. Há muito que o deslocamento leva o transeunte a perder-se no caos urbano.

Agora não se tem mais o indivíduo como medida. As escalas são outras, desproporcionais à experiência humana. Domínio do desmedido - o horror e o sublime do urbano. A questão aqui é estar à medida dos prédios, na proporção desses grandes espaços. Defrontar-se com o descomunal, um horizonte urbano para o qual não se tem parâmetros. Um confronto com algo que vai ser sempre infinitamente maior. Impossível desconhecer a distância que separa as coisas, tentar obliterar as inalcançáveis dimensões do que nos cerca. Impõe-se trabalhar com grandezas que não podemos mais dar conta. Situação oposta ao ambiente controlado dos museus: a arte é colocada em estado de precariedade e risco.

A cena dá lugar ao obsceno. Não se coloca mais a questão do olhar: ocorre uma dissolução da cidade como palco do espetáculo, impossibilitando percorrer os espaços e articulá-los pela visão. Não há um escalonamento desses lugares pela posição do observador. O retrato deles é atemporal, desligado da experiência, feito maquinalmente por aparelhos automáticos. Não por acaso esses dispositivos óticos assemelham-se mais a câmeras de segurança, fotos de satélites, objetivas computadorizadas e de controle remoto. Todo mapeamento é uma foto aerofotogramétrica ou espacial.

Ocorre uma vetorização do espaço. São dois sistemas simultâneos: corredores que se estendem horizontalmente e construções verticais que visam a uma visão abrangente, superando a dispersão no solo. Deslocamentos terrestres e movimentos de ascensão. Uma cidade vista das janelas: tudo se volta para fora, dá para a rua, lança-se para longe. Esses espaços irradiadores existem como plataforma para o movimento.

É o princípio da projeção: janelas, dispositivos de telescopagem e espetáculos cinematográficos. A luz atravessa os andares elevados, deixando esses espaços ainda mais devassados. O tema do ofuscamento atravessa todas as obras: a luz que entra, frontal, desfazendo as figuras, prismando a paisagem. Tudo é transparência e trânsito: a cidade e seus fluxos.

5º andar-janelas, de Regina Silveira, transparenta a estrutura arquitetônica do lugar. Uma supressão do piso dos andares inferiores, como se defronte do observador abrisse um abismo, no qual se vê apenas a fachada do prédio, com todas as suas janelas, até o térreo. Enquanto as janelas dão para o panorama à frente, aqui o olhar se volta para baixo. O observador vê-se suspenso no alto de um vórtice. Essa visão vertiginosa reduz a edificação a um esqueleto. O desenho introduz leveza e transparência numa construção massiva e pesada.

O espectador desloca-se até encontrar o ponto de visão, a partir do qual o traçado intrincado, triangular e chapado contra o chão se abre repentinamente para baixo, retangular como a fachada, redesenhando a arquitetura. Toda a estrutura do prédio vai-se alterando, à medida que se percorre o espaço. O riscado das janelas no chão produz uma outra intersecção entre o piso e as fachadas: a obra articula-se com o entorno, redimensionando o local. O lugar sofre repentina aceleração, redefinido em função de linhas de fuga. O imóvel é convertido num campo em movimento.

Os periscópios de Guto Lacaz são imensos dispositivos óticos construídos junto à fachada do prédio da Eletropaulo. Medindo 28 m de altura, têm espelhos de 2,40 m, permitindo àquele que passa pela rua ver a exposição no último andar do prédio. Inversamente, o visitante pode, lá de cima, observar o movimento no térreo. O espaço urbano é literalmente tomado por esses grandes sistemas tubulares, que materializam o feixe de luz. Esses antigos aparelhos de visão são uma forma de olhar acima da superfície, implicam leveza. Eles estabelecem uma comunicação visual entre dois planos, um trânsito instantâneo de um nível a outro, alterando o horizonte da cidade.

Modo paradoxal de olhar a cidade, quando toda a contemplação da paisagem urbana se tornou problemática. Hoje só temos, graças a esses mecanismos, imagens micro ou macro das coisas. Trata-se de uma perspectiva que observador algum teria, da rua ver lá em cima e do topo visualizar a calçada. Visão que não pressupõe uma experiência ao alcance do indivíduo. Daí o recurso a esses verdadeiros panópticos urbanos. Os periscópios aludem aos sistemas de vigilância que hoje controlam as metrópoles, suas dimensões excessivas evidenciam esta vontade de tudo ver.

Iole de Freitas concebeu uma obra para o vão central do Banco do Brasil. Um espaço vazio que, armado sobre diferentes tipos de trava, já coloca o problema da sustentação. Tudo é questão de fazer esse corpo apontar para cima. São várias colunas de telas metálicas, de diferentes espessuras, percorridas por fios em espiral que às vezes se prolongam mais além. Elas nem sempre têm chão, não se elevam a partir de um ponto de apoio, como a escultura convencional. Colocadas sob uma clarabóia, também não têm teto. Não se mantêm eretas: a verticalidade, de que estariam encarregadas, está permanentemente em causa. Diante da incógnita da sustentação, essas colunas se entrelaçam, tecendo uma estrutura precária. Volumes falsos, invólucros vazados que funcionam mais por contigüidade do que como formas que evoluem no ar, causando uma dupla impressão de peso e leveza.

Na altura do último andar, uma peça armada entre as vigas se precipita sobre o vazio. As colunatas parecem retorcer-se em torno da estrutura do prédio, com seus tentáculos estendendo-se para todos os lados, abarcando todo o vão. Do andar intermediário partem duas outras colunas, escorando-se contra as paredes interiores do vão. O desnível entre os elementos desloca o epicentro do espaço, articulando todos os andares num só movimento ascendente. O átrio torna-se um espaço ainda mais conturbado, como uma imensa espiral, um redemoinho barroco que arrasta para cima.

A inserção dessas colunas provoca uma vertiginosa e desorientadora recomposição da estrutura vazada do edifício. Não por acaso o ato de tecer constitui o gesto que organiza Colunas de Daedalus. Numa cidade cuja malha é esgarçada, o escultor costura paliçadas metálicas no corpo urbano, evidenciando ao mesmo tempo seu insuperável dilaceramento.

Tadeu Jungle explora um elemento essencial deste evento realizado em topos de prédios: o elevador. Conduíte desse universo vertical, ele não é um fim, mas um meio. Ligação entre o subsolo e o último andar, o elevador é comunicação. Sempre entre os andares, é um lugar nenhum, um espaço de trânsito.

As instalações buscam reintroduzir surpresa e magia neste itinerário banalizado pela repetição utilitária, tornando imprevisível a mecânica do sobe e desce. Várias modalidades de elevadores foram concebidas: o elevador-táxi, paramentado com pelúcia rosa e coberto por painéis com elementos de automóveis (calotas, maçanetas, cromados e luzes de freios), é uma espécie de ícone pop, decididamente kitsch. Um barroquismo que brinca com este veículo da vertigem: o elevador.

Em outro prédio, dois elevadores pequenos servem para evidenciar a experiência do espaço: um revestido de veludo preto, totalmente escuro, é acompanhado por uma trilha sonora grave. O outro, coberto por espelhos, tomado pela luz, tem sons agudos. No último edifício, um elevador-musical: dentro se ouve a percussão, no térreo os metais, em cima as cordas. O mixing vai sendo feito pelo trajeto. A sonoridade maximiza o movimento do elevador.

O Detetor de ausências, de Rubens Mano, consiste em dois grandes projetores instalados sobre torres ao lado do viaduto do Chá. Dois feixes de luz cortam a passarela, no sentido do vale. Ao atravessá-los, o passante tem sua silhueta instantaneamente recortada. A fotografia é colocada em relação com a cidade, a escala da representação frente ao espaço urbano. Trata-se da possibilidade de retratar o contato do indivíduo com o urbano. Uma grande foto, o equivalente de uma panorâmica urbana.

Os focos de luz traduzem a velocidade crescente da cidade, desqualificando o espaço, acarretando desterritorialização. Esses feixes de luz indicam a situação do indivíduo na metrópole: permitem que ele veja, mas também evidenciam sua precariedade. As sombras dos passantes se projetam sem que lhes seja permitido qualquer registro. São uma constatação do seu lado anônimo.

Esses holofotes são, a um só tempo, uma homenagem lírica à luz e um alerta para a fugacidade dessa presença. Instalação que aponta para além da idéia da fotografia como documento, a tentativa de resguardar as coisas da desaparição. Alude aos primórdios da fotografia, pela ausência do registro fotossensível, dado pelo papel. O passante é que porta a consciência do que está ocorrendo. Ele sabe que estaria sendo fotografado.

Perispírito, de Artur Lescher, remete à imagem que se descola da matéria, do suporte. O espírito sem corpo, em estado de levitação. São vários experimentos sobre a virtualidade: coisas que não deixam rastros, a falta de registro do percurso. O primeiro são fotos colocadas em recipientes de vidro, com água, iluminados por baixo. O suporte parece uma transparência. As imagens parecem projetadas na linha da água. Em contato com o líquido, as fotos vão-se deteriorando, esbranquiçando, num processo de apagamento da imagem.

O segundo consiste em visores, colocados nas janelas, para capturar imagens de fora - cenas do fluxo das pessoas na rua - e projetar para dentro. Um cinema feito em tempo real, a imagem sendo simultânea à realidade. O mesmo processo do pinhole - técnica utilizada nos primórdios da fotografia, que usa uma caixa com apenas um pequeno furo por onde entra a luz para gravar as imagens em papel fotográfico ou no negativo de um filme. Só que aqui não se tem o suporte para a impressão, o que se apresenta é o dispositivo da câmera clara. Fotografia em direto, pura luz.

Outro experimento, feito numa cúpula, consiste em evidenciar a impressão fotográfica no tempo. Retomada do processo Talbot: uma superfície, banhada por emulsão de nitrato de prata, sofre uma reação fotoquímica, alterando sua cor. A própria luz imprime uma textura, uma imagem. A última investigação consiste num projeto para o serviço de iluminação pública. As luzes dos postes de uma rua são programadas para piscar uma depois da outra, criando um fluxo ritmado através da cidade. Uma intervenção no ritual diário de acender a luz. Gesto à medida do indivíduo - feito com controles manuais - mas em escala urbana. Ao fazer a cidade piscar, converte toda a paisagem urbana num mecanismo de projeção e ofuscamento. Em todos os trabalhos, uma tentativa de detectar a impressão deixada por coisas que não estão mais ali. Vestígios de passagem, que se desfazem o tempo todo. Passam tão rápido que só são apreendidas precária e fugazmente. Nada tem impressão fixa e definitiva.

Os dispositivos de projeção reaparecem em Quanto pesa vale, de Tadeu Knudsen. É uma tentativa de evocar - na escala do Anhangabaú - os elementos constitutivos do cinema, tornados arcaicos pelo rápido desenvolvimento das técnicas digitais de produção das imagens. Uma tela pendurada por vários balões com cerca de 30 m de altura, rivalizando com os prédios entorno. A certa distância, um palco dotado de um refletor igual aos de cinema, projetando sobre a tela as sombras dos que ali se exibirem. Passagem do mais leve ao mais pesado, questão própria da era que inventou o cinema.

Assim como o cinema era originalmente destinado a mostrar o rosto das pessoas comuns, esta encenação traz os transeuntes da grande cidade. Expostos, porém, no anonimato das sombras. A instalação enfatiza essa contradição própria do espetáculo, o destino do cinema na metrópole, que destaca os indivíduos para mostrá-los impessoalmente. Obra concebida mais como feira popular, o espetáculo de sombras aparece como evento de rua. Retoma o cinema na virada do século, quando era visto não só como uma tecnologia de ponta mas também como um evento dotado de magia, "o mistério de uma sala escura penetrada por sombras e luzes".

O princípio do ofuscamento é levado ao paradoxismo com os Óculos para ver pensamentos, emoções, sentimentos, de Andrea Tonacci. Trata-se de um par de óculos com obturador controlável pelo próprio portador através de um disparador manual. A cada disparo a pessoa vê uma rápida imagem do ambiente em que se encontra. Os disparadores correspondem ao princípio da obturação fotográfica, permitindo a entrada de luz - de imagem - por frações de segundo a cada vez.

Os sucessivos e prolongados bloqueamentos da entrada de luz, os momentos de escuridão, servem para fazer a pessoa atentar para a imagem vista. Aquele momento de iluminação, em que o obturador permite ver. A tensão entre uma imagem e outra, este intervalo sem ver, é o tempo em que a mente compõe o que foi visto. A instalação enfatiza a experiência temporal que é própria do cinema. Esse instante de cegueira desperta emoções, pensamentos e visões de tudo aquilo que se poderia inserir entre as duas cenas. O princípio da montagem cinematográfica, a constituição do mundo das imagens, é revelado através desse simples dispositivo ótico-mecânico.

A instalação de Abílio Guerra e Marco do Valle, Cidade e seu duplo, também investiga as transformações nos mecanismos de percepção do habitante da metrópole contemporânea. No chão, recoberto por uma extensão de areia, um robô computadorizado, dotado de uma câmera. Seu braço mecânico risca na areia um desenho programado, que remete a um traçado urbano. Um gesto de projetar continuamente apagado e reiterado.

A tela do computador é interativa: ícones de São Paulo e Palmanova dão acesso a dois conjuntos de imagens. De São Paulo, monumentos, edifícios, torres e avenidas são apagados. Da antiga cidade italiana aparece, de diversos pontos de vista, uma passarela. Todas as imagens, projetadas na areia, vão-se sucedendo e interando aleatoriamente, produzindo um encobrimento entre as duas cidades.

Percepção urbana que coloca em questão, ao mesmo tempo, as noções de identidade e estranhamento, sedentarismo e nomadismo, diante da metrópole. Nossa convicção da permanência dos marcos urbanos vai sendo contestada pela supressão deles na imagem, pela dissolução do traçado das ruas feita pelo robô. Uma dupla operação é engendrada: o apagamento de elementos urbanos característicos e a construção de um projeto arquitetônico em um locus estrangeiro. Supressão do familiar e surgimento do estranho. Trabalho de obliteração e reconstituição da paisagem da metrópole contemporânea.

O ensaio cinematográfico Olhar e sensação, de Carlos Reichenbach, retoma a questão da percepção na metrópole. É um filme feito para ser projetado no centro da cidade. Exibido em empenas de prédios, ele funciona como um espelho, devolvendo para a cidade suas próprias imagens. Uma intervenção cinematográfica na paisagem urbana.

Trata-se de aprender a olhar com as sensações. Tudo remete à experiência de estar no centro de São Paulo. Enxergar com as sensações: ver o que não se pode ver. Daí as imagens de olhares de animais. Elas atraem o indivíduo que passa, como se a cidade estivesse retribuindo o olhar. É um filme de atmosfera, em que se busca as condições do olhar. A referência é o cinema mudo, dotado de outro tempo, diferente do tempo da montagem. Enquanto o som complementa o corte rápido, permitindo a aceleração da narração cinematográfica, a imagem tem o tempo dela. Este filme deixa a cidade acontecer diante dos nossos olhos.

Carlos Fadon Vicente concebeu um evento denominado Telage, conectando, através de rede telefônica e estações de computação gráfica, diferentes cidades do país e do exterior. Uma imagem distinta (acompanhada de elemento sonoro) é introduzida em cada ponto desse circuito e retrabalhada, nos seguintes, pelos demais participantes. A elaboração das obras é interativa, tirando-se partido das possibilidades de hibridização e montagem inerentes aos sistemas computadorizados.

Uma trama eletrônica vai-se tecendo entre essas conexões. Ao final, apresentado ao público, temos imagens e ruídos produzidos em cada cidade

revistos por olhares habituados a outras paisagens. A imagem das cidades é submetida à mesma força centrífuga, à mesma aceleração que sofrem hoje sua arquitetura e seu urbanismo. A dinâmica da rede, ditada pelo prazo necessário para as diversas interações, destaca o tempo como elemento dominante na vida urbana contemporânea.

Cidade secreta, de Fujocka, retrata o homem da metrópole moderna, o passante transformado em peça de um mecanismo que não pode parar: a circulação de mercadorias. Submetido à mesma perda de valores que todas as coisas nesta dinâmica infernal.

O projeto utiliza os mecanismos de comercialização na zona central de São Paulo, dos vendedores ambulantes, para coletar objetos e fotos na base de troca. Em três cabines de fotografia instantânea montadas nas ruas da região, o indivíduo paga sua foto com um objeto qualquer que esteja transportando. Nesse escambo todas as coisas são avaliadas e postas em circulação. O indivíduo atribui um valor a sua própria imagem exposta depois ao lado do objeto recebido, formando uma espécie de sala de "ex-votos".

Já o itinerário fragmentado de um suicida é reconstituído por Anna Muylaert em Do inferno ao céu, um trabalho multimídia que se espalha por toda a área do evento. Num confessionário, ele nos fala de um monitor de vídeo. Depois, as marcações policiais no local da morte, a carta testamento, o anúncio funerário nos jornais e, finalmente, o velório, além de outros pequenos sinais da tragédia.

Indícios inquietantemente evidentes - não falta nem o tributo de corpo presente - pois permanece a questão: o que realmente aconteceu? Tudo o que temos é um gesto, o salto no vazio, a queda. Rastros da passagem dele pelos lugares, ecos da sua morte nos circuitos de informação. O excesso de evidências põe em causa a realidade do fato. Hiper-realismo que denuncia a natureza mediática de faits-divers como estes, característicos da crônica policial.

Os vendedores ambulantes que rodeiam os semáforos da cidade são também os personagens de Trabalhando no vermelho, de Artur Matuck. Três carcaças de automóveis, com bancos e portas, onde são instalados monitores de vídeo, permitirão reconstituir a experiência desses encontros rápidos no trânsito. Sentado, como se estivesse parado no sinal vermelho, o espectador verá na tela um desses habitantes das esquinas se aproximar para contar sua história. Tudo gira em torno do tempo, desse momento de parada no tráfego. O drama que nos está sendo contado é interrompido ao abrir o sinal, revelando brutalmente a aceleração da vida moderna. Opera-se no vermelho, no débito, na falta: de tempo, de compaixão.

Persona paulista, de Otávio Donasci, retoma estas criaturas do centro, tomando de empréstimo seus rostos para os edifícios da área. Uma grande

máscara, dotada de um projetor de vídeo, presa

às fachadas, faz aparecer, entre os prédios, fugidios como a multidão, os habitantes da grande

cidade.

Ácida cidade, de Lenora de Barros, remete à experiência urbana. É uma instalação que visa despertar no observador sensações de frieza, umidade e incômodo auditivo. Uma situação de deslocamento e estranhamento que evidencie sua própria condição como ser urbano.

Numa sala fechada, inteiramente branca, refrigerada a uma temperatura muito baixa, é construído um tanque. Um receptáculo para gotas - 3.000 bolinhas de pingue-pongue impressas com a frase "a cidade oxida" - que pingarão com um estrondo, num ritmo monótono durante todo o evento. Paradoxo de um objeto tão leve provocar esse ruído, de um ambiente tão ascético ser assim desconfortável. Tudo o que foi feito para pular, para voar, torna-se líquido, pesado. Os conduítes da cidade oxidam.

O projeto sonoro de Wilson Sukorski consiste em construir instrumentos musicais integrados ao movimento dos lugares. São sensores que captam a dinâmica reinante (vento, chuva, atividade das pessoas, trânsito de veículos), modulando a transmissão das freqüências de som. Criando clareiras sonoras no caos urbano. O movimento é transformado em modulador de instrumentos musicais.

O primeiro é uma bancada com materiais percussivos e um motor que se desloca longitudinalmente, acionando banquetas nele fixadas. O segundo é feito por duas rodas com cordas, movimentadas por um motor dotado de sensores de proximidade. A velocidade da circulação converte melodia em ritmo, em harmonia. Outra intervenção visa transformar o espaço interno de um dos prédios num ressonador acústico. O ambiente é posto em ressonância, como se estivéssemos dentro de um instrumento. A gravação da freqüência ambiente, trabalhada de várias maneiras, é difundida em caixas acústicas colocadas em vários pontos. Entre silêncio e sons dá-se uma pulsação. Enquanto outros trabalhos procuram tomar o espaço com luz, aqui se ocupa o vazio com som.

A pele da imagem, de José Wagner Garcia, é uma investigação sobre as possibilidades de cinema interativo. Três telas de projetores de vídeo, tendo no centro um controle para o participante, formam um mundo de imagens. A tela do meio, da interatividade, tem todas as imagens arquivadas num computador. Paisagens sintetizadas que criam um "mediascape" inteiramente artificial. O ambiente de navegação é constituído basicamente por um túnel, por onde se entra e sai dos lugares. Mas os links são muitas vezes apenas associações entre as imagens, criando um universo de percepção interativa.

A interatividade aqui é o ponto de partida para uma experimentação na visualidade e nos procedimentos narrativos dos meios de comunicação. Propõe ir além do sistema de escolhas binárias numa narração já estabelecida, para criar opções de navegabilidade. Busca uma formatação estética para a interatividade, uma nova modalidade de expectação. Daí a utilização de vários suportes: cinema, vídeo, processos eletrônicos e computação gráfica. O cinema abandona seu dispositivo convencional de projeção e expande-se por todo o espaço.

A matéria tem dois corações, de Waltercio Caldas, é uma estrutura em aço inox, de 150 kg, sustentando um cilindro de vidro cheio de leite. Vidro e aço são os elementos da arquitetura das cidades. Dentro se lança um coração de touro: no tempo, o coração tinge o leite; no espaço, ele o absorve e se expande, pulsando virtualmente uma vez. Vibração que se repete na tensão criada pelo material que fermenta no interior do cubo fechado e, mais uma vez, na estrutura que mantém tudo em suspensão.

Uma intervenção no âmago da cidade, como se fosse seu núcleo atômico. Tudo converge para esse vórtice. Processos, fluxos, signos, tudo é acumulado num único ponto. Máximo de contração e máximo de dilatação: a tensão que contém todo o movimento. Condensa a realidade fragmentada ao redor e volta à expandi-la, como um coração.

Uma estrutura que contém todo o movimento - orgânico, industrial e simbólico - da cidade. Tudo está enunciado nesse ambiente artificial, como as vias expressas ou os circuitos eletrônicos. É um simples objeto que aspira, como um buraco negro, todas as forças do universo urbano. Um corte na anatomia urbana que deixa à mostra os seus sistemas vasculares. Não é um monumento, marco de algo que não se dá ali. É uma presença. Não se dirige a um público, mas a cada pessoa em particular, em relação direta com esse objeto. Dotado de carga simbólica, mas ao mesmo tempo íntimo. Em plena cultura da interatividade, uma relação não massificada com as coisas. Numa única peça, o acontecimento da cidade.

The city and its networks Nelson Brissac Peixoto
versão em português

An expressway built over a river, covered by a garden. The valley, the by-passes and the big buildings add other layers to this veritable urban palimpsest. Continuous movement, horizontal and vertical, makes the whole area dynamic. Successive changes in setting create this geological fault, this enormous erasure. Extraordinary urban/ architectural complexity, in a city section view.

Contrary to "Enclosed City", an event which was carried out at a limited area, fighting walls, fighting the weight of material, structures, this group did not propose a place. The situation here is not a place, but a path, a movement between things. All we have is a zone without contours or frontiers.

A nebula on which we can only fix reference points, like a surgical or military intervention, and this huge field is the theater of operations. It is a passageway, and its symbol is the Viaduto do Chá. At one pole we have the Eletropaulo building. On the opposite end, on Anhangabaú, there is old Banco do Brasil headquarters. An also the Guanabara building, standing at the corner of São João Avenue. Besides that, the valley area and streets all around it.

Those points never overcome the city's fragmentation: it is not just creating a path from one place to another, but producing a movement which affects all the area at once. Unlimited pathways are possible, we can't create a privileged route, a visitation guide. Being adrift creates only a likelihood of paths and meeting. The issue is the distance and tension between places.

Anything inscribed into this huge urban space will pass necessarily unnoticed, at least partly so. it is impossible to build a landmark which presents itself to all eyes in this heavily saturated field. In the urban desert, there is no way of leaving continuous pathways. Clues left there might get lost, get confused with the rest of the city. Works may only suggest an articulation, mentioning at the same time a break in communication, and the insurmountable fraying of the urban fabric.

Arte/Cidade's first stage had as a starting point a relationship with the world still redolent of the 19th. Century -a Baudelairean city, a field of experience, a path, a look. A relationship built on the individual scale. Nowadays we can't take that route as a walk anymore. For a long while, moving oneself makes the mover get lost amidst the urban chaos.

Now, the individual is not the measure of things anymore. Scales have changed, and they are not proportional to the human scale. The reign of the unmeasurable -the horror and the bliss of what's urban. The issue here is to get in agreement with the building's scale, is to keep abreast of this huge spaces. Facing the immense, an urban horizon towards which there is no parameters. A clash with something that will always be absolutely larger. It is impossible to forget the distance that separates things, it is impossible to try and ignore the unreachable dimensions of things which surround us. Working with extents we cannot cope with anymore. A situation opposed to the controlled environment in museums: here art is deliberately put at risk, in precarious positions.

The scene gives place to the obscene. There is no looking at anymore: the city is dissolved as the stage of the show, there is no way to wander through these spaces and articulate through our vision. Their picture is timeless, not connected to experience, and is recorded by remote machines. It is not by chance that these devices are most similar to security cameras, satellite photos, computerized lenses and remote controlled pictures. All mapping is a space or air photograph.

Space is vectored. There are two simultaneous systems: corridors which run horizontally and vertical buildings that aim at a comprehensive vision, avoiding the dispersion found at the ground level. A city seen from windows: everything is turned outwards, it is tuned into the street, it is aimed at somewhere far. Those radiating spaces live as launching pads for movements.

We're talking about the projection principle: windows, telescoping devices and cinema shows. Light pierces high floors, and make them opener yet. The idea of obfuscation penetrates all works: the light that goes in, in front, dissolving figures, turning the landscape into a prism. Everything is transparency and motion: the city and its flux.

"Fifth Floor -windows", by Regina Silveira, makes the architectural structure of the place become see-through. An elimination of lower floors, as if there was an abyss in front of the viewer on which can be seen only the building's façade, and all its windows, to the ground floor. While the windows show off the landscape in front, here the viewer's glance is attracted downwards. The viewer is suspended at the top of a vortex. This vertiginous view turns the building into a skeleton. The drawing puts lightness and transparency in view in a heavy, massive building.

The viewer moves until he finds the view point, from which the complex, triangular and low down shape opens suddenly downwards, in rectangle just like the façade, redrawing all architecture. The whole structure of the building changes while the space is walked over. The trace of windows on the floor creates another intersection between floor and façades: the work articulates itself to the space around it, and the place gets a new dimension. it suddenly accelerates, and is redefined according to escape lines. The non-moving is turned into a moving field.

Guto Lacaz's periscopes are huge optical devices built against the façade of Eletropaulo's building. Twenty-eight meters high, they have 2,4 meters mirrors, and allow people walking down the street to take a peek at the exhibition on the building's top floor. Contrariwise, visitors on the top floor may also watch the street scene. The urban space is literally taken over by these huge tube systems which materialize a light wave. This ancient optical devices are a way of looking above the surface, and they imply a lightness. They establish visual communication between two different plans, a instantaneous traffic between different plans, changing the city's horizon.

A paradoxical way of seeing the city when all ways of seeing the urban scene became troublesome. Nowadays we have only micro or macro images of things, thanks to the devices we use. It is a perspective no individual observer would ever have, watching a building from down below in his scale, watching the street from up above. A way of seeing that doesn't mean an experience individuals may reach. Periscopes are mentions to the surveillance systems which guard big cities today; their excessive dimensions put stress on this desire of seeing all that is to be seen.

Iole de Freitas created a work to occupy Banco do Brasil's central vault. An empty space which, supported by different kinds of blocking devices, shows immediately the support issue. It's related to keep this body pointed upwards. There are several columns of metallic foil, with different thickness, occupied by spiraling wires which sometimes go beyond the structure. They don't necessarily have a floor, they do not climb upwards based on a support point, like traditional sculpture do. If put under a skylight, they don't have roofs. They can't keep erect; the verticality they should be in charge of is permanently under threat. Facing this doubt about support, this columns are intertwined and this way they weave a precarious structure. Fake volumes, empty packages which more on the basis of contiguity than as shapes evolving on the air, thus causing a double impression of weight and lightness.

By the top floor, a piece armed between pillars projects itself to the void. The columns seem to be wheeling themselves around the building's structure, with tentacles pushing out everywhere. They occupy the whole vaulted area. From the intermediate floor, two other columns begin, supported against the vault's lower walls. The unlevelling of the elements makes the space's center of gravity move, articulating all floors in a joint ascending movement. The hall becomes a more perturbed space still, like an enormous spiral, a baroque whirlpool sucking upwards.

These columns' presence creates a vertiginous and disorienting recomposition of the building's vaulted structure. It is not by chance that weaving is the gesture which organizes Daedelus' Columns. In a city where the urban fabric is frayed, the sculptress sews metallic palisades onto the human body, at the same time showing how painfully dilacerated it is.

Tadeu Jungle explores an essential element of this event carried out at the top floors of buildings: the elevator. A conveyor in this vertical universe, the elevator is a way but not an end. Linking underground to top floor, elevators are communication. Always between floors, a no place, a transitory space.

The installations reintroduce some magic and surprise to this path turned boring by daily repetition, by making the up-and-down completely unforeseeable. Several kinds of elevators were conceived: the taxi-elevator, dressed in pink plus and covered by panels with car parts (hubcaps, door handles, frills and brake lights) is a kind of pop icon, definitely kitsch. A baroque way of playing around with this vertiginous vehicle, the elevator.

In another building, two small elevators try to demonstrate a spacial experience -one of them covered in black velvet and completely dark, has a bass-tinged sound track. The other one, covered with mirrors and strong lights, has treble sounds. In the last building, there is a music elevator: inside we hear percussion, at the ground floor the brass and on the upper floor the strings. Mixing is made while the elevator makes its way up and down. Sound maximizes the elevator's motion.

Rubens Mano's "Absences' Detector" is made of two huge spotlights installed in towers beside the Viaduto do Chá. Two light rays cut the catwalk, valley-bound. When he passes them by, the guy in the street has its profile suddenly cut up. Photograph is put into relation with the city, the representation scale compared with the urban space. It is a possibility of picturing the contact between individual and urban setting. A big photo, the equivalent of an urban panoramic view.

The light rays translate the ever higher velocity of the city, de-qualifying the space, with a loss of territory as a consequence. This light rays show off the situation of an individual in a metropolis: they allow them to see but they show too how precarious his position is. The shadows of passers-by are projected and they are not allowed any recording this. It is a proof of their anonymity.

The spotlights used are at once a lyrical homage to light and a warning about how fleeting this presence is. An installation that points beyond the idea of photograph as a document, an attempt to protect things against disappearance. It takes people back to photography's pioneering days, since there is no photo-sensitive record on paper. The passer-by however knows what it is all about. He know he's being photographed.

Arthur Lescher's Perispírito sends us to an image which escapes matter, which escapes its supporting medium. A bodiless soul, going through levitation. There are plenty of experiences on virtuality, things that do not leave traces, the lack of a logbook. The first one consists of photos put inside a liquid container filled with water, lighted from below. The support looks like an overhead projection. When they get contact with the liquid, the photos begin disintegrating and get whiter, and their images are being erased.

The second one consists of viewing devices put onto windows to capture images of the outside world -scenes of the flux of people down the streets - and project them within the building. Real time cinema, with image equal to reality. It is the same process as the pinhole -a technique used at the early days of photography which uses a box with only a small hole through which enters the light needed record images on photographic paper or film. But here we have no way to print the result, so what we are really seeing is a lighted-room device. Direct photography, pure light.

Another experience, carried out inside a dome, implies making evident the time taken to get a photo print. The old Talbot process is back in use here: a surface covered with an emulsion of silver nitrate passes through a photochemical reaction and changes colors. Light itself prints a texture, an image. The last survey involves a project for public lighting. The lights on one street's lamp-posts are programmed to blink one after the other, generating a rhythmic flux throughout the city. An intervention in the daily ritual of turning on the lights. A gesture at an individual scale -done through manual controls- but at the urban scale. When he makes the whole city blink, he turns the whole urban landscape in a very huge projection and obfuscation mechanism. All these works represent an attempt to detect the impression left by things that are not really here anymore. Traces of a passage, which dissolve themselves all the time. They go away so fast that they are apprehended only precariously and for a short time. Nothing has a fixed and definitive print.

Projection techniques reappear in Tadeu Knudsen's "How much does the valley weight?" It is an attempt to bring through, at an Anhangabaú's scale, cinema's main elements, made obsolete by digital techniques for image production. A 30-meter high screen suspended from several balloons is poised in a challenge to the buildings around it. Nearby, a stage with a spotlight which projects onto the screen the shadows of the players performing there. A passage from lighter to heavier, an issue intimately involved with the age which invented the movies.

Just like the movies were initially intended to show the faces of common people, this work brings onto the spotlight the passers-by at a big city streets. They are exposed but anonymous, because only their shadows are seen. The installation emphasizes this typical contradiction with the work, the fate of cinema in the metropolis, choosing people to show up and then doing this in a completely non-personal way. A work conceived as a kind of popular fair. The shadows projection is to be carried out as a street event. It brings back memories of the movies at the beginning of this century, when they were seen not just as a state-of-the-art technology but as a tool for a certain kind of magic, "the mystery of a dark room penetrated by shadows and light".

The obfuscation principle is taken to a paroxysm in Andrea Tonacci's "The Glasses to see thoughts, emotions, feelings". It ids a pair of glasses with controlled shutters that may be activated by the user through a handheld device. Every time the user presses the button, he gets a fast picture of the environment he's in. The shutters act as a camera shutter does, and allow the entry of light -images- for a few seconds a time.

The long, successive blocks against the entrance of light, the dark moments, make the user pay attention to the image he's seeing. That illumination time when the shutter is open and allows vision. The tension between one image and the next, this unseeing interval, is the time the mind takes to compose the scene it just saw. The installation stresses the time experience that cinema has a particular trait. This moment of blindness brings up emotions, thoughts and visions of everything that could be inserted between two takes. The principles of cinema cutting, the constitution of the image world, is revealed through this simple optical-mechanic device.

Abílio Guerra and Marco do Valle's installation, "City and its Double", also surveys the changes in perception mechanisms of modern metropolitan citizens. At the floor, covered by sand, there is a computerized robot carrying a camera. Its mechanical arm draws a pre-programmed shape in the sand, a shape that suggests an urban plan. A design gesture continually erased and repeated.

The computer screen is interactive. São Paulo and Palmanova icons provide access to two groups of images. From São Paulo, there are monuments, buildings, towers, avenues being erased. from the old Italian town, we see, from many different points of view, a belvedere. All images, projected onto sand, flash on and off randomly, and relate to one another, what creates a superposition between the two cities.

Urban perception which questions at once the notions of identity and strangeness, city life and nomadic life, towards the metropolis. Our conviction that urban landmarks are here to stay is contested all the time by their continuous erasure within the image, and by the dissolution of the street traits drawn and then erased by the robot. A double operation is engineered, the erasure of well-known urban elements and the building of an architectural project at a foreign place. The familiar is suppressed and the strangeness comes through. A work of obliteration and reconstitution of the contemporary urban landscape.

The cinematic essay "Look and Sensation", by Carlos Reichenbach, once more involves an issue of perception within the metropolis. It is a film made to be projected in downtown São Paulo. It will be aired on the blind walls of buildings and works as a mirror, giving back its own images to the city. A cinematic intervention on the urban landscape.

It involves learning how to look through the sensations. Everything reminds you of the experience of walking through downtown São Paulo. Seeing through sensations: seeing the person passing by, as if the whole city was exchanging glances with him. The reference here is soundless movies, equipped with another time, distinct from the time of edition. while sound complements quick cuts, allowing an acceleration of the cinematic story, image has its own time. This film lets the city happen before our eyes.

Carlos Fadon Vicente created an event called "Telage" which connects through telephone lines and graphic computing stations several cities and towns in and outside Brazil. A different image (accompanied by a sound element) is introduced at each station and reworked at the following stations by the people involved. The work is interactive, and advantage should be taken of the edition and mixing possibilities built within computer systems.

An electronic web is woven between these different stations. at the end, after presentation to the public, we have images and sounds produced in every city involved and reworked by eyes used to other landscapes. The image of the cities is submitted to the same centrifugal force, at the same acceleration that architecture and urbanism are subjected to nowadays. The net dynamics, ordered by the time needed for the different interactions, stresses time as the dominating element in contemporary urban lives.

Fujocka's "Secret City" shows Man in a modern metropolis, the passer-by turned into a piece of a machine that isn't allowed to stop due to the need of keeping merchandise circulating. And subject to the same loss of values as every other thing under this hellish dynamics.

The project employs the sales mechanisms common to downtown São Paulo, used mainly by street peddlers, to provide photos to people in street to be paid for by personal objects. In three instant photo booths installed at downtown São Paulo's streets, any interested person may pay for his photos with any object he's carrying with him. In this barter trade everything is evaluated and circulated. The person values his own image which afterwards is exposed besides the object bargained, creating a kind of religious devotion room.

Anna Muylaert's "From Heaven to Hell" opts to recreate the journey of a suicide, a multimedia work scattered through the whole exhibition area. At a confession booth we hear him talking to us in a video tape. Later, the police marks at the site of death, his suicide note, the death notice on the newspaper, and then the wake, as well as other small signs of the tragedy.

Disturbingly obvious evidences -there is even a coffin-side eulogy- since the question remains: what did really happen? Everything we have is a gesture, a jump onto the emptiness, the fall. Traits of his passing through places, echoes of his death on the information circuits. The overabundance of proof casts doubt on the reality of the fact. Ultra-realism which denounces the media hype involving 'faits divers' such as this one, so common in cops series.

The street peddlers who work round traffic lights are the main characters in Artur Matuck's "Working on the Red". Three car carcasses with seats and doors, and also video monitors, create a reconstitution of those fast-moving encounters amidst the traffic. Sitting, as if he was waiting for the green light, the viewer will see one of the peddlers telling his story on the video monitor. Everything turns round time, the moment when traffic is stopped. The drama we are being informed about is interrupted by the green light, which reveals clearly the brutal acceleration of modern life. We operate on the red, on debt, and we lack: we lack time, and we lack compassion.

Otávio Donasci's "Persona paulista" has also these creatures of downtown São Paulo as its theme. He takes their faces on loan to project them onto the buildings in the area. A big mask with a video projector, next to the façades, creates between the buildings, as fleeting as the crowds, the inhabitants of the big city.

Lenora de Barros' "Acid City" talks about an urban experience. It is an installation which aims at creating sensations of coolness, humidity and hearing perturbation to the viewers. A situation involving dislocation and estrangement that shows the viewer his own condition as an urban being.

In a closed room, white all-over, refrigerated to a very low temperature, there is a tank. A tank for drops -three thousand table tennis balls where one can read "the city rusts"- which will drop with a bang and in a monotonous rhythm during the whole event. The paradox of such a light object creating that annoying noise, and of how uncomfortable does it look such an ascetic ambient. Everything that was made to jump, to fly, turns liquid, heavy. The city's conveyors rust.

Wilson Sukorski's sound project involves building musical instruments integrated to the movement of places. They are sensors which track the dominating dynamics (wind, rain, people's activities, vehicle traffic) and modulate the transmission of sound frequencies. Creating sound clearings amidst urban chaos. Movement is turned into a modulator of musical instruments.

The first device is a table with percussion instruments and an engine which moves lengthwise and operates sticks while it moves. The second device is made of two wheels with ropes, operated by an engine which is activated by a proximity sensor. The speed of circulation turns melody into rhythm and harmony. Another intervention aims at turning the internal environment of a building into an acoustic resonance box. The environment resonates, as if we were inside a musical instrument. A record of the environmental frequencies, worked upon in several different ways, is played at speakers placed at several points. Between silence and sound, a pulsation forms. While other works try and occupy the space with light, here, emptiness is filled with sound.

José Wagner Garcia's "Image's skin" is a survey into several possibilities of interactive movies. Three video-projection screens, with a user control at the center, form a world of images. The middle screen is interactive and has all its images filed in a computer. Synthesized landscapes which create a completely artificial mediascape. The navigation environment is constituted basically of a tunnel through each people enter and leave places. But the links are several times only associations between images, creating an universe of interactive perception.

Interactivity here is the launching point for a visual experience and for trials with the story-telling procedures of the media. The proposal is going beyond a binary choice system in a previously defined story-line in order to maximize navigation options. It also looks for an aesthetic formatting of interactivity, and new forms of expectation. Thus the use of different supporting media, such as cinema, video, electronic processes and graphic computing. Cinema leaves its conventional projection apparatus behind and expands throughout the whole space.

Waltercio Caldas' "Matter has two hearts" is a 150 kg stainless steel structure which supports a glass cylinder filled with milk. Steel and glass are elements of city architecture. Into this cylinder a bull's heart is thrown: in the time dimension, the heart paints the milk; in the space dimension, it absorbs it and expands, and pulses virtually once. A vibration repeated in the tension created by the material fermenting inside the closed cube, and, once more, in the structure that keeps it all up.

An intervention in the entrails of the city, as if it were its atomic nucleus. Everything converges to this vortex. Processes, flux, signs: everything is accumulated at a single point. Maxim contraction and maximum dilatation: the tension which contains all movement. It condenses the fragmented reality around it and then expands it again, as a heart.

An structure containing every movement -organic, industrial, symbolic- in the city. Everything is mentioned in this artificial environment, things like expressways and electronic circuitry. It is a simple object which sucks in all forces in the urban universe, as a black hole does. A side view of the urban anatomy leaving its circulation system in plain view. It is not a monument, a landmark of something that didn't happen there. It is a presence. It is not targeted at an audience, but to every individual person which establishes a direct relationship with this object. Full of symbolic charge and yet intimate. In the middle of an interactive culture, a non-mass relationship with things. At a single piece, the city happening.

arte/cidade 2 - a cidade e seus fluxos
arte/cidade
arte/cidade 2 - a cidade e seus fluxos
arte/cidade