back

Folha de S. Paulo, 06 de março de 2002

Rem Koolhaas, que participa do artecidadezonaleste, compara SP à capital da Nigéria

Lagos é aqui

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

O arquiteto holandês Rem Koolhaas gosta de extremos. É seu o projeto mais badalado em Nova York, a nova loja futurista da marca italiana Prada, no Soho. Mas também é sua a proposta de instalar um elevador num dos edifícios mais deteriorados de São Paulo, o São Vito, no centro da cidade.
Há dois anos, Koolhaas, 58, veio a São Paulo a convite de Nelson Brissac para participar do 4º Arte/Cidade, rebatizado de artecidadezonaleste, que será inaugurado no próximo dia 16. O arquiteto impressionou-se tanto com o São Vito, que decidiu fazer sua intervenção lá. O projeto não se viabilizou, e apenas um painel sobre a proposta será instalado no pátio do Pari. "O trabalho dele é provocar o desenvolvimento de novas maneiras de enfocar a questão urbana, o elevador é um pretexto, não um fim em si", diz Brissac.
Koolhaas é um dos mais importantes e atuantes arquitetos contemporâneos. Em 2001, quando recebeu o Pritzker, considerado o Nobel de arquitetura, o júri da prêmio considerou-o membro do "panteão de arquitetos significativos do último século e construtor do século 21". Além da Prada, ele inaugurou recentemente o Guggenheim de Las Vegas.
Em abril, Koolhaas volta à São Paulo para participar de um programa de debates no Arte/Cidade denominado Laboratório Urbano. Além dele, outros pensadores da urbanidade, como o italiano Stefano Boeri e o suíço Hans Ulrich Obrist, estarão presentes.
Com exclusividade, Koolhaas conversou por telefone, de Nova York, com a Folha, sobre seus projetos em situações tão díspares. Leia a seguir os melhores trechos da entrevista:
*
Folha - Como foi sua experiência na passagem por São Paulo?
Rem Koolhaas -Foi muito interessante, pois eu passei antes por Lagos, na Nigéria. Foi fascinante visitar dois países que um dia eram um só continente. Em outras palavras, reconheci a terra e a vegetação. Há também muitas similaridades nas duas cidades, do ponto de vista urbano.
Quando eu era jovem, tive muito interesse no Brasil. Aos 12 anos queria ser um arquiteto brasileiro (risos). Obviamente por influência de Niemeyer. Mesmo sem nunca ter estado no país, ele já me era familiar, e sempre soube que deveria conhecer o país.
Folha - Mas a arquitetura modernista de Niemeyer é bastante contrastante com a de São Paulo, não?
Koolhaas - Mas eu chegava de Lagos, que é a cidade mais caótica no mundo! Também não esperava chegar numa cidade planejada por Niemeyer, mas me senti familiarizado com o que vi.
Folha - E porque o senhor escolheu o São Vito?
Koolhaas - Basicamente eu visitei alguns locais, e todos sempre citavam esse prédio. Cada um tinha uma diferente teoria sobre ele. Para mim, tornou-se uma idéia fascinante fazer um gesto para intervir naquele edifício. Havia um rumor, depois não confirmado, de que não havia lá um elevador e todos subiam e desciam a pé os andares.
Sou muito interessado na dimensão social da arquitetura. Além do mais, eu chegava de Lagos com uma idéia muito forte da relação entre pobreza e grandes cidades _certamente nas próximas duas décadas essa será uma questão fundamental. As grandes cidades serão as mais pobres. E eu estava interessado em ver como é possível que mudanças possam trazer benefícios a essa situação.
Folha - Sua proposta foi instalar um elevador de última geração?
Koolhaas - Instalar o elevador seria uma forma ambiciosa de introduzir condições morais num ambiente coletivo e melhorá-lo.
Folha - É verdade que o senhor buscou a Schindler para conseguir o elevador?
Koolhaas - Sim, e eles foram muito receptivos.
Folha - Sua visita a Lagos tinha em vista algum projeto?
Koolhaas - Sou professor da universidade de Harvard, onde realizo uma pesquisa sobre a condição urbana. Nesse contexto, lançamos dois livros, em fevereiro: um sobre a China, chamado "Regularly Forward" e outro "The Harvard Creative Shopping". No próximo ano publicaremos outros dois: um sobre Lagos e outro sobre o Império Romano.
Folha - Fala-se muito de sua mais recente criação, a loja Prada, em Nova York. Como o senhor lida com situações tão...
Koolhaas - Discrepantes, certo? O que busquei fazer na loja Prada foi desenhar um espaço que não fosse apenas comercial, mas também público. Há uma explosão do ato de consumo em nossas cidades, e a cidade, que era o lugar público por excelência, tornou-se o local do comércio. O que foi interessante na loja Prada é que convencemos os diretores que seria importante sacrificar os aspectos comerciais e introduzir uma dimensão pública lá. A loja também tem espaços para debates e conferências, por exemplo.
Folha - Apesar de seu projeto para a Prada ser bastante vanguardista, não é também uma ótima publicidade para a marca?
Koolhaas -Os aspectos performáticos da loja ainda não começaram, serão realizados a partir de agora. Com isso, certas características do projeto ficarão mais evidentes a partir de então.
Folha - Em seu manifesto "Shopping" o senhor diz que o consumo é a última forma de atividade pública. Não é uma exaltação ocidental ao comércio?
Koolhaas - Sim, mas eu não queria dizer que é a última forma de atividade pública, mas sim a atividade terminal da sociedade ocidental, o que tem uma dimensão bastante crítica. Basicamente é a última coisa que fazemos, e uma constatação crítica de quão poucas atividades públicas existem e quão pouca atividade pública nós suportamos.
Folha - Assim, seu trabalho como arquiteto é lidar com essa situação e ampliar os espaços públicos?
Koolhaas - É exatamente isso. Como arquiteto não sou uma corporação, nem parte de uma burocracia, portanto não faço parte do poder, mas tenho influência e é o que tento fazer.


back