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BOLETIM CLÍNICO - número 1 - agosto/1996

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

3. Psicologia Clínica no limiar do século XXI - Efraim Rojas Boccalandro

No início do século XX, o que depois se chamaria Psicologia Clínica estava confundida com a então denominada Psicologia Patológica.

Em seu trabalho sobre psicologia clínica, editado nos cadernos da Sorbonne, a professora Favez-Boutonnier diz: "... em 1949 a posição da psicologia clínica não era em nada familiar, nem para os psiquiatras e nem mesmo para os psicólogos ... Existia uma clara justa posição quanto às intervenções exigidas pela psicologia clínica e pela psicologia médica. Tais termos continuam ainda a criar desentendimentos que podem ter sido atenuados, mas que ainda existem".

A psicologia médica hoje adquiriu uma forma própria: a psicologia hospitalar que podemos entender como um aspecto particular da psicologia clínica.

A utilização de testes psicológicos que, diga-se de passagem sofreu uma grande desvalorização na atualidade, é também um aspecto da psicologia clínica. Podemos então perguntar o que vem a ser a psicologia clínica? Parece que psicologia clínica é mais uma questão de postura de abordagem do que propriamente uma linha teórica.

Essa atitude dos anos 50 para cá de compreender a pessoa na sua dimensão psíquica, compreensão esta que podia chegar até à do grupo social a que a pessoa pertencia. Esquecer o corpo da pessoa e esquecer a rede de interrelações sociais foi uma constante na história da psicologia clínica até que a pressão da psicossomática, da terapia familiar, da terapia de grupo e principalmente da abordagem holística conduzem a uma revisão de objetivos e métodos. A conceituação holística da pessoa humana seguramente já está conduzindo a um trabalho multidisciplinar que, nem por ser multidisciplinar é menos clínico. Como ficará a psicologia clínica nesse futuro em que será necessário integrar o multidisciplinar em uma atividade realmente holística é difícil de prever.

Sem querer fazer futurologia, é bem provável que as áreas médicas, psicológicas e sociais se integrarão em um único corpo e os profissionais dessas atividades bem que poderiam se chamar de terapeutas clínicos. Favez-Boutonnier referindo-se à psicologia dinâmica diz: "Neste termo intervém uma questão de força, portanto de movimento. Considerar a psicologia numa perspectiva dinâmica é ver a vida humana como uma história, na qual, podemos dizer, certas forças produzem movimento.

Em matemática ou em física, quando estudamos as estruturas, não recorremos à dinâmica; mas a partir do momento que estudamos o movimento, a velocidade, a aceleração, todas as formas que os corpos podem assumir, falamos em dinâmica quando tentamos compreender a conduta humana como sendo uma espécie de movimento constante, feito de ações e reações em função de um conjunto de forças". Ela cita em seguida dois trabalhos de M. Lagache ("A Evolução Psiquiátrica, A Psicologia Clínica" e "A Unidade da Psicologia, Psicologia Experimental e Psicologia Clínica" - P.U.F. 1949). Esclarece que M. Lagache já se posicionava a favor da psicologia dinâmica e que considerava esta visão dinâmica da conduta e de seus desvios como procedendo diretamente da psicanálise, isto é, de uma técnica clínica.

Assim, para ela, M. Lagache, não pensava que a psicologia clínica derivava da psicanálise, mas ao contrário, que a psicologia clínica compreendia a psicanálise como uma especialização. A psicologia clínica seria um vasto conjunto de técnicas de observação da conduta.

Favez-Boutonnier informa que é nos Estados Unidos que a tendência em confundir os dois termos, psicologia clínica e psicanálise, manifestou-se muitas vezes.

Quanto ao dilema sobre quem engendrou quem, Favez-Boutonnier se posiciona no trecho seguinte:

"De fato, é uma questão histórica assaz difícil de resolver. Quando falei sobre a história da psicologia clínica, ficou evidente que a expressão psicologia clínica é anterior (aparece por volta do fim do século XIX e desenvolve-se totalmente independente da psicanálise). Desenvolve-se num terreno que é aquele de compreensão, ou da tentativa de compreensão das crianças desadaptadas, particularmente. A psicanálise desenvolve-se por sua vez no domínio das neuroses dos adultos."

Historicamente, parece então que os dois movimentos foram independentes em suas origens, particularmente no que se refere à psicoterapia... É verdade que a importância da relação mãe-filho e filhos-pais foi particularmente realçada pela psicanálise. Mas devemos pensar que aquilo que sabemos hoje se deve unicamente à psicanálise? Penso que não. Parece justamente que existem noções que fazem parte da psicologia e que já não são mais de ordem psicanalítica. Hoje em dia, o psicólogo clínico que observa um sujeito irá imediatamente perguntar-se sobre a história da criança e como foram suas relações com os pais.

Ele sabe que é importante, talvez o saiba por causa da psicanálise, mas não somente, pois outros domínios da psicologia deram suas contribuições (psicologia do desenvolvimento). Mas certamente a psicanálise contribuiu muito". (La Psychologie Clinique, Objet-Méthode, Problèmes/ Mme Favez-Boutonnier - "Les cours de Sorbonne" - Centre de Documentation Universitaire).

Sabemos que o termo psicologia clínica começou a surgir em 1939. Em 1949 o termo não era usual, mas Lagache faz menção deste em artigo desta data. O conceito de Psicologia Clínica fez carreira a partir dos anos 50 e até hoje se mantém com vários significados. É um método psicológico, é uma abordagem filosófica em psicoterapia e abrange também a prática de psicodiagnóstico e a psicoterapia chamada individual.

A psicologia clínica, portanto, não abrange todo o campo de estudo psicológico, não caberiam de início os aspectos experimentais e o social. No entanto, com a visão holística da realidade humana, esta aparente divisão da realidade humana cede quando se tenta integrar de maneira global os dados clínicos experimentais e sociais.

Favez-Boutonnier define a Psicologia Clínica como: "o exame aprofundado do caso individual, mas um exame aprofundado não somente através de medidas ou de operações que puderam ser feitas a um determinado momento de sua história, num laboratório, por exemplo. Não é unicamente tal observação que se prevalece de certos fatos observados no dia em que o sujeito é observado, mas é um estudo que se esforçará de reencontrar a explicação do comportamento do sujeito, em toda sua história... torna-se então quase necessário conhecer toda a vida do sujeito: e este lado histórico do método clínico assume total importância para caracterizá-lo com relação a outros métodos".

Vimos que talvez uma das fontes mais fecundas para a psicologia clínica foi a psicologia infantil, pois tanto a necessidade de um levantamento histórico minucioso, como o contato freqüente com os pais e sua história, assim como prováveis levantamentos de dados na escola levaram a um exame mais abrangente e minucioso da vida da criança.

Considerando-se ainda o método terapêutico com a criança (brinquedos, liberdade que ela tem não só de falar mas de se mostrar, movimentar) levou com certeza a uma compreensão mais abrangente e à ampliação da vida do que deveria ser o contato terapêutico com qualquer sujeito. Na Faculdade de Psicologia da PUC-SP, o atual departamento de psicodinâmica era chamado até uns 20 anos atrás de psicologia patológica. Como vemos está ainda impregnado da abordagem em clínica inicial que era quase exclusivamente dirigido para o patológico.

Historicamente, a psicologia clínica foi então conceituada antes do aparecimento da psicanálise, já que a primeira aparece no fim do século XIX e a psicanálise nos primeiros anos do século XX.
Uma evidência de que a psicologia clínica se desenvolveu independentemente da psicanálise é que no início apareceu como compreensão do psiquismo da criança. A inter-relação entre psicanálise e psicologia clínica é evidente quando as descobertas psicanalíticas são retomadas dentro da área da psicologia clínica. De um lado temos a ênfase na importância da relação entre criança e pais assinalada pela psicologia clínica e por outro lado temos a interpretação psicanalítica de testes psicológicos criados dentro da área clínica.

Para Lagache, "o que nos interessa na psicologia clínica é o ser humano, enquanto portador de problemas, e de problemas mal resolvidos. Isto é de fato um reflexo da própria vida, ou melhor, da vida em geral. A vida é uma sucessão de conflitos, de ensaios e erros, de desadaptações e de readaptações. O problema central da psicologia e da biologia é a adaptação, isto é, o conflito e a resolução do conflito".

Métodos Clínicos

A observação talvez seja o método clínico que continua a manter seu prestígio intacto. No início pretendia-se que o observador ficasse neutro e isso foi muito reforçado pelo postulado fenomenológico que solicita que o "observador" coloque entre parênteses o conteúdo de sua própria consciência.
Esse postulado é tão difícil de se realizar na prática que hoje em dia quando o observador consegue uma posição parcialmente neutra isso é considerado como um grande ganho. Um observador não pode ser totalmente neutro porque se o fizesse estaria despojando-se de sua condição humana e estaria despojando também da mesma forma o cliente que se transformaria em "objeto de observação".

Hoje entendemos que a posição de um observador não pode, nem deve esquecer do vínculo afetivo com o cliente que é uma via de duas mãos, terapeuta-cliente, cliente-terapeuta. É esse vínculo afetivo que permite que o cliente revele seus conflitos mais íntimos a uma pessoa que o aceita, compreende e está disposta a dar a ajuda possível para a solução desse conflito. O psicodiagnóstico dentro da psicologia clínica, como a avaliação intelectual, a orientação vocacional e as perícias judiciais, não tem mantido o prestígio que tiveram na fase áurea da psicometria.

Chamamos fase áurea da psicometria a época em que feitos como o Psicodiagnóstico Miocinético de Emilio Mira y Lópes, o teste de Apercepção Temática de Murray, a Árvore de Kock, a Figura Humana de Mc Cover e tantos outros que seria longo enumerar, eram utilizados com uma crença talvez um tanto ingênua na sua grande confiabilidade. Possivelmente essa atitude ingênua de confiança talvez um tanto cega levou à situação atual em que a tal ponto se gera descrença nos testes psicológicos que poucos alunos de psicologia se dão o trabalho de aprofundar esse conhecimento sobre testes e podem determinar os seus pontos fortes e limitações.

Isto não quer dizer no entanto que não se possa esperar uma mudança de atitude no sentido de uma nova geração de professores de Técnicas de Exame Psicológico venha reconduzir esses instrumentos valiosos na clínica psicológica ao lugar que mereçam por sua confiabilidade e validade própria. Na clínica psicológica a abordagem holística entrou para ficar e as tentativas iniciais de compreensão de um indivíduo têm se ampliado para compreender também a rede de relações pessoais na qual esse indivíduo está integrado. Então para compreender uma criança também estamos querendo compreender a família à qual essa criança pertence.

A terapia de casal abrange os dois membros do casal e se forma uma dinâmica casal-terapeuta o que é uma maneira holística de trabalhar com o grupo binário, casal.

Na empresa hoje em dia também é comum trabalhar psicologicamente grupos de funcionários que trabalham juntos ou próximos e através da compreensão do objetivo do grupo se estabelece uma dinâmica nova, psicólogo-grupo, grupo-psicólogo.