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13. A Clínica Psicológica 85/89: Uma revêrie - Maria Cecília Corrêa de Faria (1)
A Faculdade de Psicologia, através dos esforços de todos, mas principalmente da professora – chefe Marina Boccalandro, comemora agora, neste final do século, os 40 anos de vida da CLÍNICA PSICOLÓGICA ANA MARIA POPPOVIC, vida que começou com o saudoso Dr. ENZO AZZI. Lembro-me dele, também, como meu primeiro professor de Psicologia e paraninfo da minha turma na formatura de Pedagogia.
Essa festa de aniversário induz portanto, uma revêrie de minha adolescência terminal e tempos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, e evoca, no quarteirão ocupado pela PUC/SP hoje, o Prédio Velho como sendo a única construção, além da quadra de esportes. A Clínica e Laboratório de Psicologia, estavam localizados nas salas do sub-solo do Prédio Velho, que se abrem para o Pátio da Cruz. Recordo o Dr. AZZI de avental branco, dando aulas bastante concorridas, pois interessantes e bem fundamentadas, e conseguindo com isso que Psicologia fosse uma das únicas disciplinas, se não a única, que eu considerei merecedora do meu escasso tempo para estudar quando aluna de Pedagogia (meu tempo, na época, era dedicado principalmente a festas, namoros, paqueras e conversas com amigas, do que não me arrependo).
Lembro-me, também, como num flash, do dr. Azzi numa das festas juninas que demos na quadra de esportes, vestindo um suéter cinza, ao lado de sua mulher, uma loira do tipo mignon, alegre e divertida e ele, também loiro, bem italiano e bem mais sério, mas deixando claro que se divertia também.
Em agosto de 76, depois de ter feito uma pós-graduação em Psicologia Clínica no Sedes Sapientiae com Madre Cristina, ter trabalhado algum tempo como psicóloga no Serviço Social de Menores da Secretaria da Justiça, ter sido aceita para a formação do Instituto de Psicanálise, regressei à PUC, agora na condição de professora supervisora de atendimentos clínicos infantis e professora do programa Teoria e Técnica de Psicanálise, no antigo núcleo 26, predecessor longíquo do atual núcleo 14 - eu e a Felícia Knobloch fomos professoras nele.
Entrei, portanto, direto na Clínica, que naquele segundo semestre de 76 estava localizada na Rubem Berta, ao lado do atual DERDIC. Seis meses depois viemos para a Bartira, 221 (portanto em 77). A Clínica, com a volta da Faculdade de Psicologia para o campus da Monte Alegre, ficou alojada nesse casarão velho da Bartira, substituído hoje por um prédio de apartamentos.
Nos meus tempos de estudante de Pedagogia, funcionava nesse casarão um pensionato para moças estudantes de faculdade que vinham do interior, sob a direção da Irmãs de Jesus Crucificado, freiras "modernas" que não usavam hábito religioso, mas tailleurs, e que deixavam a nós, que morávamos no pensionato das irmãs de Santa Marcelina, na Cardoso de Almeida, quase esquina com a Caiuby, invejosas e tentando conseguir uma vaga para mudar, porque elas permitiam que suas pensionistas saíssem e voltassem mais tarde para os freqüentes bailes que aconteciam, o que absolutamente não era possível no Santa Marcelina.
Tornei-me Assessora Técnica da Clínica, quando assumi a coordenação do N. 26, pela ida de MATHILDE NEDER para o programa da Psicologia na pós graduação. Os coordenadores de núcleos da Clínica, nessa época, estavam organizados num corpo de Assessoria Técnica da Chefia da Clínica, e foi assim que participei da organização da primeira eleição acontecida para escolha de sua chefia, quando elegeu-se para um mandato de dois anos ELENIR ROSA GOLIN, falecida no ano passado (98). Nessa primeira eleição, os eleitores da chefia da Clínica eram apenas os professores supervisores dos núcleos da Clínica e, se não me engano, também os funcionários da Clínica. ELENIR, na eleição seqüente foi reconduzida ao cargo por mais dois anos. Como fica perceptível pelo colégio eleitoral, a Clínica fazia parte da Faculdade de Psicologia, mas como quase um apêndice.
Fui também uma das primeiras supervisoras de COMPLEMENTAÇÃO CURRICULAR, antecessor do atual Aprimoramento, que foi idealizada, projetada e implementada por CELIA TERRA (quando MARIA do CARMO GUEDES era diretora da faculdade, agora na Fundação Aniela e Tadeuz Ginsberg) e finalmente, na primeira eleição paritária da Faculdade de Psicologia, na qual alunos votaram, fui eleita professora-chefe da CLÍNICA, para o quadriênio 85/89.
Quando assumi a direção da Clínica, em agosto/85, dois meses depois foi deflagrada uma greve geral dos professores e funcionários da universidade que durou mais de 40 dias, durante os quais a Clínica não fechou e não interrompeu os atendimentos à população deles necessitada, pois tínhamos plantões solidários de ex-alunos, alunos, professores e funcionários. Ela tornou-se, assim, elo de ligação entre variadas informações e o único ponto vivo da PUC. Para que isso fosse possível, tive que defender a manutenção de seus serviços numa tumultuada assembléia geral de funcionários e professores da universidade, que avançou, como era costume, noite a dentro e na qual até professores da Psicologia defendiam o fechamento dos serviços da Clínica, com o que eu em absoluto concordaria, dado que a população atendida e que precisava dos tratamentos em curso nada tinha a ver com as questões em jogo, detonadoras da greve.
Na chefia da Clínica, e cumprindo minhas propostas feitas como plataforma eleitoral, procurei inicialmente, garantir assento para o cargo no C.D., pois as chefias anteriores, numa visão mais compartimentalizada e estanque, só apareciam no C.D. convocadas, e o eram apenas quando a pauta apontava estágios na Clínica; considerei impossível manter esse olhar, pois era transformador da Clínica em mero local de estágio: a Clínica Escola, no meu modo de ver, só poderia exercer sua real e ampla função formativa junto ao alunado se ela fosse ouvida no seu devido realce e que correspondia às suas efetivas responsabilidades na formação do psicólogo - impunha-se, portanto, que fosse ouvida na instância integrativa da Faculdade, no C.D., o que foi conseguido, apesar de certa relutância inicial, e se tornou a partir daí, norma da Faculdade.
Lendo as correspondências das chefias anteriores, nas quais por exemplo, dinheiro para comprar um varal para secar toalhas usadas no banheiro e lençóis da sala de Neurologia era motivo para quatro cartas, bem como a vasta correspondência assemelhada, que eu não me proporia, nesse nível manter, procurei combinar com a Direção da Faculdade e Reitoria que o dinheiro do recebimento das quantias pagas pelos clientes, informalmente chamado "caixinha", fosse depositado no nome da Clínica no Banespa, e passei enviar para a Tesouraria Central, mensalmente, um documento de fluxo de caixa.
Dispondo de fundos, pude atenuar o que já disse alguém "eu estudei na época do império da estética da miséria": os pacientes sentavam-se em cadeiras duras, a sala de espera era escura e deprimente, o som nas salas de espelho quase que inexistia... Consegui renovar praticamente todo o mobiliário (já inadequado pelo uso), comprar caixas de ludo, fichários, arquivos, pastas suspensas, máquinas de escrever modernas e funcionais, calculadoras, material de testes, testes propriamente ditos (em número suficiente para a demanda dos alunos), fornecer passes condução para os pacientes deles necessitados, e até fazer algumas doações para a secretaria da faculdade de máquinas que esta precisava.
A Chefia anterior não tinha sentido a necessidade de uma Secretaria Coordenadora de Serviços: desenvolvi gestões, de sucesso, junto a Reitoria para recuperar essa função essencial para os trabalhos burocráticos e administrativos da Clínica, que abrangiam desde a escala dos funcionários de limpeza (não havia terceirização na época).
Sentia-me, às vezes, uma perfeita dona de casa ao providenciar material para o exercício das tarefas atinentes à Clínica e seus viéses - até então não explicitados - que chegavam ao ponto de providenciar a compra de geladeira, marmiteiro (para aquecimento de refeições de funcionários e professores), ter uma pequena farmácia, roupeiros chaveados para que funcionários e professores tivessem onde deixar suas bolsas (e assim se extinguissem as queixas e acusações de roubos). Não havia segurança para quem quer seja: pacientes, estagiários, professores... Providenciei segurança externa dia e noite, pois até a PUC/SP não incluía, no Serviço de Segurança da Universidade, o próprio da Clínica Escola.
Nessa época era impossível o número telefônico da Clínica dar sinal de livre - professores, alunos, funcionários e pacientes tinham urgências e o usavam: como conseqüência as marcações e desmarcações de atendimentos sofriam; providenciei um telefone semi público junto à TELESP, instalei sua cabine e passamos a vender fichas telefônicas com pequeno lucro, tudo devidamente contabilizado concomitantemente inaugurei o uso um telefone C.P.A.
Consegui, em caráter voluntário, uma consultoria externa, executada por um profissional em Administração de Empresas, ex-aluno da FGV, para definir o fluxo de documentos e das pessoas que cruzavam a Clínica diariamente e assim, poder estabelecer mecanismos de controle de seus espaços e documentos: descobri até uma ex professora com sala fixa reservada no seu nome...
Com esse suporte externo remodelei todos os registros (eram numerosos e se sobrepunham, não dando um retrato presente da Clínica) e implantei um Registro Geral de Pacientes e Atendimentos que mensalmente fornecia, de modo simples e eficiente, os pacientes em atendimento, seus estagiários responsáveis, quem e desde quando estava na fila de espera; estabeleci um controle de presença dos pacientes para acabar com os mal-entendidos de que "o paciente não veio". Planejei e implantei folha de rosto completa para as pastas dossiês dos pacientes: mostrava o percurso do paciente na sua passagem pela Clínica desde a inscrição até o arquivo morto; elaborei uma ficha de inscrição completa, capaz de fornecer desde o nome do funcionário que fez a inscrição, os dados completos do paciente, seus horários disponíveis para atendimento, a origem do seu encaminhamento para a Clínica, com espaço previsto para a TRIAGEM e seu primeiro encaminhamento (a partir do triador).
Por considerar a Clínica Escola modelo de um atendimento institucional elaborei dois documentos sob o título de: ALGUMAS NORMAS E CLARIFICAÇÕES, que explicitavam tanto para o aluno estagiário como para os supervisores dos atendimentos clínicos, a concepção diretora vigente da CLÍNICA ESCOLA ANA MARIA POPPOVIC, o funcionamento desta e elencava as respectivas tarefas e responsabilidades para com o espaço físico, secretaria, pacientes, estabelecimento de honorários e que se abria por "Você é a Clinica Psicológica nos seus atendimentos...."
A clarificação das relações intra institucionais de uma Clínica escola, por definição prestadora de serviços junto à Faculdade de Psicologia, PUC-SP, e comunidade externa, realçavam o papel do supervisor clínico como concomitante ao de introdutor facilitador do trabalho clínico na Instituição Clínica e eram complementadas por uma reunião geral semestral da Chefia da Clínica com os novos alunos estagiários. Os pacientes, por sua vez, no ato de inscrição, também recebiam um documento explicitador de sua relações institucionais.
As relações da Chefia da Clínica com o Serviço Social (pois era também campo de estágio da Faculdade de Serviço Social) culminaram com a elaboração de um dossiê de Recursos da Comunidade da Grande São Paulo, atualizável anualmente, cuja função era auxiliar e orientar os encaminhamentos externos.
Com apoio do corpo técnico da Clínica, consegui realizar dois SEMINÁRIOS CLÍNICOS, abertos a toda Faculdade e que retrataram, no seu acontecer, o novo perfil da Clínica como responsável docente. As relações, que imprimi da Clínica para com os alunos, foram as melhores possíveis: ela co-patrocinou uma das primeiras Semanas da Psicologia, organizada pelo C.A., em que tivemos conferencistas de porte como ELIAS MOLLET da ROCHA BARROS, ROBERTO AZEVEDO e alcançou a reorganização do cadastro de ex - alunos da Psicologia, que atendiam nos seus consultórios por preços sociais: ele foi reformulado, replanejado e atualizado, tornando-se rotina o recadastramento anual, evitando-se ,assim, perda de tempo com indicações para psicólogos que desistiram da proposta inicial. Alguns desses procedimentos então implantados sobrevivem até hoje.
Por ser importante na contextualização desses eventos, devo relembrar aqui que a Clínica dividia a casa da rua Bartira 221 com a direção da Faculdade e sua secretaria, com as salas dos departamentos e com o CD, que se reunia semanalmente nessa mesma casa: o trânsito de pessoas não diretamente integradas ao serviço da Clínica era intenso, a casa velha, o espaço exíguo, a PUC atrasava o aluguel junto aos proprietários, havia problemas de telhado, de iluminação, de quadro de luz; o assunto estacionamento de carros, quando foi regulado e controlado, custou-me algumas desafeições duradouras. Tempos heróicos para todos ... A sala da Chefia da Clínica, pequena, ficava ilhada atrás da Secretaria, que era ao mesmo tempo lugar da Recepção e rodeada de arquivos e... lembremo-nos, eram tempos pré-computador.
Valeu a pena esse passeio pelos anos passados? Pra mim valeu, pra vocês que me acompanharam na leitura da revêrie, não sei. Não há saudades, mas boas lembranças e isso é importante: olhar os novos desafios do hoje e do amanhã, apoiada em experiências gratificadoras por realizações feitas com convicção e de caráter integrativo para com a Faculdade de Psicologia.
Notas:
(1) Professora Assistente Mestre do Departamento de Psicodinâmica, Coordenadora da Equipe de Psicanálise, doutoranda em Psicologia Clínica do Núcleo de Psicanálise, psicanalista.