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3. A Clínica Psicológica do Instituto de Psicologia (1) - Enzo Azzi (2)
Este artigo foi publicado, inicialmente, na Revista de Psicologia Normal e Patológica, nº 3 e 4, Ano V, jul-dez/59, e está sendo reimpresso como homenagem ao Profº Enzo Azzi, fundador da Clínica Psicológica do Instituto de Psicologia, pelo valor de ser um marco inicial da história de nossa Clínica.
Algumas décadas atrás, o psiquiatra vienense SADGER escreveu : "Quando eu encontro uma pessoa que não consegue absolutamente se orientar na alma alheia, que dela não compreende absolutamente nada, posso estar certo que se trata de um psicólogo".
Esta "boutade" pertence, felizmente, ao passado, pois, em bora se reconheça que a ciência em geral, e a ciência psicológica, em particular, não esgota, nem nunca poderá esgotar o conhecimento integral do homem e do humano, todavia a preocupação dos psicólogos já não se dirige apenas - como outrora - à descrição mais ou menos fria e impessoal de fatos ou ao estabelecimento de leis que transcendem os casos individuais, mas sim também à compreensão dinâmica do caso individual, da personalidade enquanto se ajusta ou se desajusta como um todo frente a situações percebidas e vividas como um todo, da pessoa que se realiza "hic ét nunc" (aqui e agora) com suas vivências e valores próprios, com seus conflitos pessoais, com seus pequenos ou grandes dramas existenciais.
Essa orientação - que é, afinal, uma tentativa de superação do dilema: naturalismo ou humanismo psicológico, pela adoção de uma posição sintética que respeita e aproveita os aspectos positivos de uma e de outra corrente - tem-nos norteado, desde o início, na organização e na direção do Instituto de Psicologia.
Por isso, no mesmo tempo que estimulamos e desenvolvemos a pesquisa analítico - experimental, não descuidamos dos aspectos "clínicos" da Psicologia - o têrmo "clínico" entendido aqui no sentido mais moderno e amplo (atualmente generalizado em todos os países) e não no sentido estritamente etimológico e tradicional, que é, parece-me, uma das causas pela qual alguns médicos, manifestam certa incompreensão nos respeitos da chamada "Psicologia Clínica" e do chamado "Psicólogo Clínico".
Não obstante essa ressonância médica, Psicologia Clínica não quer dizer Psicologia Patológica ou Psiquiatria ou Psicoterapia, embora a Psicologia Clínica inclua num mesmo conjunto as condutas adaptadas e as perturbações da conduta. Ela se caracteriza mais por uma atitude metodológica do que pela humanidade do seu objeto que, afinal de contas, é sempre a conduta (como conjunto de operações fisiológicas, motoras e mentais pelas quais uma personalidade em situação tende a realizar as suas possibilidades e a reduzir as tensões que comprometem a sua integridade).
O programa da Psicologia Clínica é encarar a conduta em sua perspectiva própria, relevar o mais fielmente possível as maneiras de ser e de reagir de um ser humano concreto em contacto com uma situação, procurar estabelecer a significação da conduta, sua estrutura e gênese, desvendar os conflitos que a motivam e os mecanismos que tendem a resolver êsses conflitos.
A diferenciação de uma Psicologia humana e clínica ao lado de uma Psicologia experimental e comparativa outra significação não tem senão de uma necessidade técnica devida à divisão do trabalho científico e à acomodação dos instrumentos intelectuais às propriedades positivas e originais de seus objetos.
Certamente, poderá haver divergências, por gôsto pessoal ou por julgamento, sôbre a ordem de urgência dos problemas e preferir, por exemplo, a demonstração experimental de leis simples à elucidação clínica dos conjuntos complexos da conduta humana. Mas um conflito mais profundo de natureza doutrinária e filosófica não corresponde senão a um momento da história das idéias e a uma crise. E o conflito entre psicologia experimental e psicologia clínica é um momento já superado na história da psicologia.
Um exemplo claríssimo nos é fornecido pela psicologia norte-americana contemporânea: o país que desenvolveu de maneira prodigiosa o princípio da psicometria e o estudo experimental da conduta, é também o país que se demonstrou o mais acolhedor nos respeitos da psicologia profunda; e seus psicólogos preocupam-se ativamente para integrar o estudo experimental da conduta dos animais e o estudo clínico da conduta humana. Trata-se de uma prova de espírito aberto e de vitalidade sôbre a qual vale a pena meditar LAGACHE).
Justamente inaugura-se, hoje, com essa solenidade, um Setor do Instituto de Psicologia da Universidade Católica de São Paulo, que se dedica a atividades no campo da Psicologia Clínica, visando três finalidades fundamentais, estritamente inter-relacionadas: didáticas, práticas e de pesquisa.
Didáticas, em 1º lugar: como Clínica Universitária, ministrará o ensino teórico e prático aos alunos do Curso de Especialização em Psicologia Clínica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento.
Finalidades práticas, em 2º lugar: funcionando em sistema de equipe (integrada por psicólogos, médicos, pedagogos, trabalhadores sociais, conselheiros morais e outros técnicos), a Clínica atenderá a pessoas que a procuram: 1º - para orientação educacional, profissional, vocacional, vital ou para diagnósticos psicológicos, a pedido de médicos ou de outros especialistas; 2º - para psicoterapia, individual ou de grupo; 3º - para ensino terapêutico e corretivo (ortofonia, terapêutica ocupacional, aulas de ginástica para crianças com atraso ou defeitos no desenvolvimento motor, aulas de leitura, escrita e outras matérias escolares para crianças com dificuldades de aprendizagem, etc.); 4º - para exames médicos especializados (psiquiátricos, neurológicos, paraclínicos, - teremos, dentro em breve, um electroencefalógrafo).
Finalmente, em 3º lugar, dado seu caráter universitário, a Clínica propõe-se naturalmente a investigação científica, através de pesquisas no campo da Psicologia Clínica.
Nossas palavras de agradecimento, antes de terminar, a quem contribuiu para a realização dessa outra parcela dos nossos sonhos, isso é às Autoridades Acadêmicas da Pontifícia Universidade Católica. Sua compreensão dos problemas e das exigências teóricas e práticas da cultura contemporânea possibilitou o início e o desenvolvimento dos nossos trabalhos: o Grão Chanceler, Sua Eminência o Cardeal Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, o Magnífico Reitor, Sua Excelência Dom Antônio Maria Alves de Siqueira, o Sr. Vice-Reitor, Revmo. Pe. Ramon Ortiz, e o Revmo. Monsenhor Doutor Victor Ribeiro Nickelsburg - Secretário do Reitor e Diretor da Faculdade de Filosofia de São Bento, homem dinâmico, a cuja reconhecida capacidade administrativa aliada a grande sensibilidade pelos problemas universitários deve-se, se hoje estamos inaugurando esta Clínica Psicológica.
Seria injusto não citar o ex-Vice-Reitor, Monsenhor Doutor Emílio José Salim, um dos nomes mais ilustres e beneméritos no campo da cultura brasileira e da organização universitária, a quem devemos - além da responsabilidade (ou será culpa?) pelo nosso contrato na velha Europa - a idealização explícita do Instituto de Psicologia; e o ex-Diretor da Faculdade de Filosofia de São Bento, Dr. Dom Cândido Padim, pelo constante interêsse, simpatia e auxílios que nos dispensou.
Senhoras e Senhores, uma inauguração é como uma vida que surge, são planos que se concretizam, anseios que se tornam realidades. A presença, neste momento, de Ilustres Autoridades Eclesiásticas e Acadêmicas, de numerosos e eminentes participantes estrangeiros e nacionais do VI Congresso Inter-Americano de Psicologia (aos quais vai a nossa saudação cordial), de Colegas e alunos, de amigos e de Gentis Senhoras que oferecem brilhantismo e graça a esta solenidade e que com um entusiasmo juvenil e com elogiável espírito de cooperação se encarregaram do coquetel que saborearemos daqui a pouco, é como um augúrio, ou melhor, um estímulo para que o Instituto de Psicologia continue seus trabalhos numa trajetória ascendente à altura de suas elevadas responsabilidades e não desmereça o grande conceito que desfruta em nosso País e no estrangeiro.
Notas:
(1) Discurso proferido na inauguração solene da Clínica Psicológica do Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. (24 de Agosto de 1959).
(2)Diretor do Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.