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7. Deficientes visuais: uma experiência clínica - Lígia Bacelo Gonçalves[1]
"O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos."
José Saramago
Introdução:
Neste artigo, pretendo relatar um pouco da minha experiência clínica com pacientes portadores de deficiência visual.
Há três anos, venho desenvolvendo um trabalho clínico, psicoterápico na abordagem junguiana e corporal, utilizando a calatonia e o Método Self-Healing.
Dadas as diferentes formas de se adquirir a deficiência visual, de tratá-la, bem como as várias maneiras como cada indivíduo lida com essa nova possibilidade de vida, devemos tratar os portadores de deficiência visual de forma individualizada. Especificamente, neste artigo, pretendo abordar os pacientes que, de forma aguda, perderam a visão, não havendo nestes casos, preparo prévio sobre como lidarem com a deficiência.
Antes de relatar a minha experiência pessoal, recorri a mitologia para ver como esta retrata a cegueira. A mitologia porque, segundo Campbell: "Mitos e sonhos vêm do mesmo lugar. Vêm de tomadas de consciência de uma espécie tal que precisam encontrar expressão numa forma simbólica." E ainda segundo o Prof. Efraim Boccalandro:
"O mito é o sonho coletivo inconsciente, sonhado por um poeta."
Partindo deste princípio, o mito nos ajudaria a entender como é vista a cegueira ao longo da civilização. A partir deste coletivo, obviamente há a individualidade de lidar com a cegueira e, então, relatarei dois casos clínicos. Ainda, para Campbell, a diferença entre mito e sonho é: "... o sonho é uma experiência pessoal daquele profundo, escuro fundamento que dá suporte às nossas vidas conscientes, e o mito é o sonho da sociedade. O mito é o sonho público, e o sonho é o mito privado."
CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA VISUAL
Ao contrário do que a maioria das pessoas imaginam, raríssimos são os casos de deficiência visual em que os deficientes vivem na escuridão total. Há, na maioria das vezes, pelo menos uma distinção entre claro e escuro, conta dedos, como os médico dizem, que significa que o paciente consegue reconhecer dedos a uma pequena distância. A definição da Organização Mundial de Saúde nos ajuda a entender melhor o que é deficiência visual, pelo menos fisicamente falando: é aquele que apresenta acuidade visual de 0 a 0,1, no melhor olho, após correção máxima (enxergam a 06 metros de distância aquilo que o sujeito de visão normal enxerga a 60 metros), ou que tenham um ângulo visual restrito a 20º de amplitude.
A restrição do campo visual, a chamada visão de túnel, também é considerada cegueira, independentemente da acuidade visual apresentada pelo sujeito, porque qualquer visão nessa amplitude impede a apreensão do ambiente como um todo, uma das características fundamentais da percepção visual.
São considerados indivíduos com visão residual aqueles que apresentam acuidade visual de 0,1 a 0,3 no melhor olho, após correção máxima.
No entanto, foi observado que sujeitos cegos, com idêntica acuidade visual, possuíam eficiência visual diversa, ou seja, sujeitos com a mesma medida oftalmológica de visão apresentam diferenças na utilização do resíduo visual, dependendo, nesses casos, da condição psíquica desses pacientes.
A perda visual pode ser classificada em congênita e adquirida.
· A forma adquirida podemos classificar em:
1. Aguda: Perda visual de forma súbita
Exemplos: - Secção Traumática de Nervo Óptico;
- Neurite Óptica Isquêmica (maior incidência em pacientes hipertensos).
2. Progressiva/crônica: a perda visual se dá de maneira progressiva, na maioria dos casos, lentamente. Exemplos: degeneração de mácula, retinopatia diabética, retinose pigmentar.
· Congênita: Pacientes que já nascem com potencial de tornarem-se cegos, por exemplo: glaucoma congênito, catarata congênita.
Há, ainda, os casos em que as pessoas perdem temporariamente a visão, por vezes, de um olho apenas, sendo possível a reversibilidade da perda:
1. Aguda: Descolamento de Retina primário, onde ocorre a perda visual súbita, na maioria das vezes sem antecedentes físicos que justifiquem a lesão: o tratamento sempre é cirúrgico.
2. Progressiva/crônica: catarata onde há, na maioria dos casos, baixa visual progressiva e lenta, principalmente em indivíduos idosos por opacidade do cristalino.
BUSCANDO NA MITOLOGIA:
Na mitologia, a falta de visão aparece de forma abrupta, podendo representar o "advinho" como se a perda da visão externa fosse condição necessária à uma introspecção, que pode levar à clarividência. Em certos casos, ainda, a cegueira aparece num primeiro momento, como um castigo, pior do que a morte, pois a pessoa vive na invalidez. Há um exemplo muito conhecido: o mito de Édipo, que, ao perceber que havia se casado com a mãe e matado o pai, se castigou furando os olhos e, a partir daí, inicia uma introspecção.
Aparece, ainda, o terceiro olho, que indica a condição sobre-humana, aquela em que a clarividência atinge sua perfeição.
Os gregos imaginavam "Tanatos" (deus da Morte) como uma nuvem preta ou vermelha-púpura, ou como uma neblina que escurece a vista.
Tirésias, o advinho, foi privado da vista por Atena, por tê-la espiado enquanto se banhava. Sansão ficou cego após ter pecado contra Jeová.
Uma questão é fundamental: a perda da visão é um convite à uma forte introspecção. Na minha experiência clínica, observo que esses pacientes, vivem uma ruptura tão forte no seu cotidiano, como uma doença que poderia levá-los a morte física. Mas apesar do risco da morte física ser pequeno, não deixa de ser vivenciado uma morte, "... a morte designa o fim absoluto de qualquer coisa positiva: um ser humano, uma animal, um planta, uma amizade, uma aliança, a paz.
Não se fala da morte de uma tempestade, mas na morte de um dia belo."(Chevalier); nesse sentido, a cegueira é a perda de uma possibilidade de existência que até então foi possível, no entanto, por vezes não valorizada.
O mundo é feito para quem enxerga, pouco ou nada se pensa nos cegos. Portanto, perder a visão pode significar perder o seu mundo, ou melhor o controle que acredita poder exercer sobre ele e conseqüentemente, num primeiro momento, pode levar a uma perda do seu equlíbrio emocional.
Retornando à mitologia, a cegueira aparece como um castigo ou, então, como a possibilidade de clarividência. Sempre é uma condição de destaque, positiva ou negativa. Segundo Guggenbühl-Craig, "o que está em ação, nesses estados crônicos de deficiência, é o arquétipo[2] do inválido."
Mas o que esse arquétipo nos traz? "A invalidez usualmente não leva à morte nem à saúde, é uma deficiência do corpo, do cérebro ou da mente (...) É difícil lidar com o arquétipo do inválido(...), mais difícil mesmo que o arquétipo da doença. A doença ao menos pode ser curada; para a invalidez não há esperança."
Esse arquétipo, pouco descrito na mitologia, retrata a nossa limitação, a nossa dependência. "A idéia predominante de que saúde é estar são de corpo e alma, um idealizado de deus grego, não leva em consideração o arquétipo do inválido dentro de nós mesmos, e nos torna incapazes de lidar com o inválido quando ele surge dentro de nós." A cegueira súbita mobilizando esse arquétipo, geralmente pela negação de qualquer invalidez e dependência, obriga a pessoa a vivenciá-lo. Como o próprio Jung afirma, o arquétipo pode ser vivenciado negativa ou positivamente pelo meio ou pelas pessoas que estejam sobre o seu domínio. Voltamos à mitologia: perder a visão subitamente pode simbolicamente representar a necessidade de entrar em contato consigo mesmo, fazer uma introspecção.
No primeiro momento, a pessoa passa a vivenciar o lado negativo do arquétipo, sente muita pena de si, coloca-se como totalmente dependente, impedindo seu próprio movimento e o de quem está a sua volta. Aqui acredito ser o momento em que, na mitologia, a cegueira impede a pessoa de reinar - tal como Édipo.
O lado positivo do arquétipo do inválido se opõe à soberba e promove a modéstia. "A fraqueza humana é compreendida em sua plenitude por essas pessoas e, assim, tornar-se possível um tipo de espiritualização".
Por ser tão difícil entrar em contato com a invalidez, esta precisa de destaque e não ser vista apenas como uma possibilidade de vida. "De acordo com a fantasia de saúde contemporânea, devemos nos tornar sãos: qualquer defeito, mau funcionamento deve ser superado.(...) Ter que viver com, e reagir a partir de uma deficiência é certamente uma situação humana, em muitos aspectos uma situação arquetípica."(Craig)
"A conseqüência mais desagradável da falta de se cultivar o arquétipo do inválido aparece no moralismo da saúde e da totalidade. (...) Ao discutir casos, surpreendo-me com o tom moral que nós, psicoterapeutas, tão freqüentemente usamos com relação aos doentes. São - é essa a nossa atitude - simplesmente pessoas inferiores; eles não querem - principalmente quando são psicologicamente inválidos - serem curados.(...) Somente os aceitamos quando participam de nossas fantasias de crescimento, sanidade e totalidade.(...) Não podemos ajudar esses pacientes a se livrarem do arquétipo de inválido, apenas podemos mostrar-lhes como viver com ele, como lidar com ele e, talvez estimular um outro arquétipo. Podemos auxiliá-los a vivenciá-lo de uma forma menos negativa."(Craig)
E para conseguir isso, precisamos também entrar em contato com o arquétipo do inválido em nós mesmos, reconhecendo as nossas limitações, dependências e percebendo que nem tudo em nós, psicoterapeutas, pode e deve ser curado, apenas ACEITO!
EXPERIÊNCIA CLÍNICA E DISCUSSÃO:
Se a pessoa vivenciar o lado positivo do arquétipo tornar-se-á clarividente. Mas o que significa ser pessoa clarividente? Segundo o Dicionário Aurélio: "prudente, sensata, discreta, cautelosa". E não necessariamente "advinho", como muitas vezes a palavra clarividente é entendida.
O que tenho observado na clínica é que aquelas pessoas com uma perda abrupta de visão, (como a causada por descolamento de retina ou a hemorragia vítrea por retinopatia diabética) têm muita dificuldade de aceitá-la e muita dificuldade de introspecção, vivenciando por um prolongado tempo o lado negativo do arquétipo do inválido.
São pessoas geralmente voltadas para o outro ou para o externo. Raramente sonham, e quando o fazem, não valorizam. O conteúdo onírico durante o processo psicoterápico, que é um permanente convite ao auto-conhecimento, o sonho, começa a aparecer. Com muita dor, descobrem que não são tão poderosos assim e, principalmente, que o "outro" sobrevive sem eles.
Os pacientes dessas duas patologias que melhor aceitam as suas limitações, entram em contato consigo próprios, conseguem uma recuperação visual parcial ou total. Cabe lembrar que no caso de descolamento de retina necessariamente há a indicação cirúrgica e no caso da retinopatia, por vezes, há uma absorção.
Citarei dois exemplos: A., 28 anos, sexo masculino, diabético. Perdeu a visão em olho esquerdo em conseqüência da retinopatia diabética, ficou um ano aguardando uma reabsorção sem cirurgia, o que não aconteceu. No momento pré-operatório, esteve comigo para uma avaliação psíquica. Naquele momento, a necessidade cirúrgica para A. estava clara: reconhecia sua importância e colocava que estava em um momento que não poderia esperar mais, pois correria o risco de não voltar a enxergar com aquele olho. Acreditava que perdeu a visão daquele olho, depois que a esposa pediu a separação, situação que jamais pensou que poderia vivenciar, pois "se matava de trabalhar para dar conforto a ela e ao filho de 4 anos"(sic). Depois de 3 encontros de 1 hora cada, ficou realmente claro que, para o paciente, a cirurgia era uma esperança de recuperação.
O pós-operatório me preocupava, pois a sua expectativa de vida não estava muito clara, a não ser que queria voltar a trabalhar e levar uma vida muito parecida com a vida antes da perda visual. Como é comum nesses casos, marquei um encontro no pós-operatório, para verificar como A. estava evoluindo e se seria necessário encaminhá-lo para psicoterapia. O paciente voltou 5 semanas após a cirurgia - normalmente o retorno é marcado em 10 dias. A cirurgia correu muito bem; no dia seguinte já estava enxergando, mas segundo o paciente, deve ter "dormido sobre o olho e a visão ficou novamente fechada"(sic), procurou imediatamente o médico e este o medicou.
Após alguns dias, o outro olho sangrou. Perdendo por completo a visão. O olho operado, recuperou lentamente a visão, tanto que, na primeira vez que veio ao consultório ainda precisava de ajuda para se locomover. Neste momento, foi encaminhado para o nefrologista pelo oftalmologista (há uma forte associação entre a insuficiência renal e a perda visual em pacientes diabéticos) e também foi recomendado a psicoterapia. O paciente aceitou prontamente, colocando que faria qualquer coisa para tentar se recuperar. Depois de 5 sessões, o olho operado voltou a recuperar a visão, como era esperado pela equipe médica. É importante salientar que a multidisciplinaridade da equipe e o entrosamento desta foi fundamental para um entendimento e respeito do paciente.
Durante a psicoterapia, o paciente começou a se lembrar dos sonhos e a confiar neles. Entrou em contato com vários conteúdos seus e, principalmente, em contato com a limitação que a diabetes impõe; descobriu que durante muito tempo de sua vida "ou cuidava da diabetes ou vivia"(sic). Aceitar a diabetes e suas limitações foi um passo fundamental para descobrir seu novo modo de vida. Depois de 2 meses de psicoterapia, apresentei a ele os exercícios de "Self-Healing", método desenvolvido por Meir Schneider[3], para a recuperação visual e outras patologias.
Como terapeuta corporal, fizemos alguns exercícios no consultório, mas a sua dedicação foi fundamental para a recuperação visual do outro olho sem cirurgia. Também está descrito na literatura médica que a retinopatia pode ser reabsorvida no prazo de seis meses. Nesse período, o olho não operado ficou estrábico, e também com os exercícios vem conseguindo a recuperação deste estrabismo. Hoje, depois de um ano de psicoterapia, A. tem sua diabetes praticamente controlada.
Está consciente de que sua função renal ainda merece cuidados, por isso, a sua alimentação deve ser bem controlada. Dedica uma hora por dia para os exercícios do Meir e para fazer caminhada. Está dando aulas particulares para aumentar sua renda, tem uma expectativa de vida em que cuidar de si e respeitar o seu limite é fundamental para a sua qualidade de vida e, principalmente, o fato ser diabético não o impede de viver. Simplesmente exige cuidados.
Outro exemplo: S., 46 anos, sexo feminino, casada, 3 filhos. Teve um descolamento de retina no olho direito, aparentemente, sem nenhum motivo físico para tal (não é alta-míope, não teve nenhum trauma no olho), "apenas" é uma fumante inveterada! Apesar de ter perdido a visão subitamente, quando procurou o médico, sua mácula ainda estava colada, o que indicava uma cirurgia de urgência. O oftalmologista me pediu que fosse ao hospital, pois S. estava inconformada com a situação.
Ao atendê-la no hospital, a paciente chorou muito e não se conformava com o que estava acontecendo com ela. A ruptura na sua vida a assustava, é advogada e, segundo ela, havia causas que não poderia abandonar. O pós-operatório dessa cirurgia é complicado, exigindo que o paciente fique em postura especial: com a cabeça inclinada por pelo menos 60 dias, quando ocorre a inserção de gás no olho4. E foi o que aconteceu com ela.
Depois de um mês, foi ao consultório com o pescoço totalmente tenso, não mexia a cabeça com medo de provocar o descolamento da retina, apesar de o médico já ter avisado que não haveria problemas. Na sessão, disse que estava indo tudo bem, que descobriu que em casa as pessoas vivem sem ela. Ainda relata que estava inconformada com a situação, mas teria que se conformar. Indiquei psicoterapia, mas falou que no momento não seria possível, pois ninguém poderia trazê-la. Levantei a possibilidade de vir de táxi; falou que iria pensar. Nas reuniões com a equipe médica, S. sempre era alvo de discussões, pois apresentava sintomas e dificuldades nada comuns à cirurgia.
O médico indicou psicoterapia por várias vezes, mas a paciente não aceitou. Começou, então, a desenvolver catarata naquele olho, (o que também pode acontecer em função da injestão gás - catarata iatrogênica), mas no caso dela apareceu precocemente. O médico e ela marcaram a cirurgia de catarata por algumas vezes, mas algumas intercorrências impediram a cirurgia. Até que o médico disse que só a operaria depois que passasse pela psicóloga, pois achava necessário que o pós-operatório da catarata fosse bem tranqüilo para ela. S. voltou então depois de 6 meses.
Ainda encontrava-se revoltava com a situação e, apesar de ter o outro olho com visão normal, não se sentia apta a trabalhar na sua profissão, não tinha vontade de fazer nada, simplesmente dormir.
Durante o processo, percebemos que, para ela, seria melhor adiar a cirurgia por mais um mês. Nesse tempo, apareceu a questão de como estava inconformada com a falta de atenção recebida em casa por parte dos filhos e marido. Afirmou por várias vezes que, se esse problema tivesse acontecido com algum deles, provavelmente daria muito mais atenção. Durante o processo pré-operatório, o foco do trabalho terapêutico foi o cuidar de si mesma "bem como respeitar-se". Percebeu que, para isso, teria que fazer seu pós-operatório na casa de sua mãe. Ela cuidaria dela! A cirurgia correu bem. O olho operado está com uma visão de 0,8, mas S. ainda tem muita dificuldade de retomar a sua vida. Descobriu que não quer levar mais a vida corrida que levava antes, hoje, 3 meses depois de segunda cirurgia, (e um ano depois da primeira), avalia que este ano parada foi dedicado a fazer "um balanço" da sua vida, como ela mesma diz.
Quer dedicar-se a si mesma, mas ainda sente muita dificuldade, pois é alguém em quem o arquétipo materno está muito presente e o arquétipo do inválido (no seu lado negativo) ainda é fortemente vivenciado, mesmo que já não possua, praticamente, mais nenhuma situação concreta de invalidez. Recentemente, conseguiu voltar ao fórum para duas audiências, de cujo resultado ficou muito satisfeita, mas, em seguida, o seu olho apresentou problemas novamente, no entanto, nada grave. A necessidade e a busca pela cura definitiva ainda não estão claras; apresenta resistência à melhora e quando demonstrei os exercícios do Método Self-Healing, com muito mais restrições em função do descolamento, diz não ter tempo de fazê-los.
CONCLUSÃO:
A percepção visual de cada indivíduo varia muito. A retomada de sua vida depois de um período de perda visual, como pudemos perceber, não está ligada apenas à condição física, mas também a sua condição psíquica. As pessoas que são deficientes visuais têm um grande desafio. Para eles, o desafio maior é viver em um mundo que não foi feito para eles e nem por eles. Conviver com pessoas que são portadoras de deficiência é uma experiência que nos remete aos nossos limites e nos auxilia em nosso próprio desenvolvimento. A sensibilidade destas pessoas é inegável, e a convivência com elas é um ensinamento para quem não percebe ter algum limite físico para viver!
O trabalho multidisciplinar (neste caso, médicos, psicólogos, nutricionistas) e o reconhecimento do limite de atuação de cada profissional são fundamentais para a orientação destas pessoas, auxiliando-as a conhecer novas formas para adaptação à vida. Esse é um assunto sobre o qual nós, psicólogos, devemos pensar.
Normalmente leio artigos ou textos em que a crítica à insensibilidade médica é muito bem apontada, em que e a forma mecanicista dos médicos raciocinarem aparece muito bem descrita. Depois de lermos sobre o arquétipo do inválido, é interessante pensar e reconhecer que nós, psicólogos, precisamos parar de disputar lugar e poder com os médicos. Precisamos sim, demonstrar a valia da nossa atuação, mostrando a amplificação e o benefício que a psicoterapia pode proporcionar. Obviamente que, ao iniciar este trabalho, tive dificuldades em conseguir uma credibilidade junto a equipe médica.
Tive que estudar anatomia, fisiologia, conseguir usar um vocabulário dos termos psicológicos acessível ao desconhecimento médico, proporcionando-lhes eles um conhecimento da psique humana. Em momento algum, tive a preocupação de mostrar que esse é um caminho mais importante do que o tratamento físico, simplesmente é uma possibilidade a mais! Também tive a humildade de reconhecer meus limites, solicitando muito o conhecimento médico. Hoje, dentro da equipe que trabalho, sinto-me muito respeitada, por vezes mais do que ao conversar com alguns psicólogos que não acreditam na abordagem junguiana e corporal na psicoterapia.
Notas:
[1] Psicóloga, formada pela PUC-SP, especialista em Cinesiologia Psicológica pelo Sedes Sapientae, em formação no Método Self-healing, aprimoranda em Psicoterapia de Deficientes Visuais.
Supervisor: Prof. Dr. Efraim Rojas Boccalandro.
[2] Arquétipo é uma energia inconsciente que se manifesta através de símbolos, arte, criatividade ou destrutividade.
[3] Meir Schneider, nasceu em 1954, na Ucrânia, com catarata congênita, evoluindo com glaucoma, estrabismo e nistagmo (rápido movimento involuntário dos olhos), sendo submetido a 5 cirurgias de catarata, ainda criança, sem sucesso. Aos 7 anos foi considerado legalmente cego. Na adolescência, conheceu os exercícios do Dr. Bates, um médico oftalmologista americano do início do século, cuja chave do ensinamento é o uso correto dos olhos.
No entanto Meir foi além, empiricamente (por sugestões de vários profissionais e pela sua própria perseverança), percebeu que além dos olhos necessitarem de cuidados, o corpo também precisa estar bem, pois influencia na visão. No seu método, a abordagem holística, o movimento consciente e a dissociação do movimento é a chave para a melhoria das doenças, ou seja, não é necessário o olho totalmente são para enxergar e sim o que for responsabilidade da visão periférica esta deverá fazer e nós temos que ter consciência de qual é o papel dela e como utilizá-la. Isto funciona para todo o corpo.
Outro exemplo que gosto muito e normalmente fazermos é utilizar os ombros para comer. Não é necessário, simplesmente precisamos das mãos, boca e o aparelho digestivo. Experimente prestar atenção no seu corpo agora e verifique se não está contraindo os ombros ou abaixando demais o pescoço para ler e o pior para os olhos, verifique se está esquecendo de piscar. O movimento relaxado, e ao mesmo tempo um corpo forte para poder realizar este movimento é uma busca do método Self-Healing. Terapeuticamente falando, esse método é uma forma de nos trazer a consciência do involuntário e do inconsciente no nosso corpo e conseqüentemente em toda a vida.
[4] Esta posição especial tem o objetivo de manter a retina sob a pressão do gés, para que seja possível a retina acomodar-se novamente n a sua posição inicial. Ficando com a cabeça inclinada (pescoço próximo ao queixo), o gás por ser mais leve age contra a gravidade.
Bibliografia:
AMIRALIAN, M. L. T. M. Compreendendo o cego - uma visão psicanalítica da cegueira por meio de desenhos-estórias. Casa do Psicólogo, São Paulo, 1997
CAMPBELL, J. O poder do mito. Palas Athena, São Paulo, 1990.
CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos. 11ª edição, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1982
GUGGENBÜHL-CRAIG, A. The archetype of the invalid and the limits of healing. Artigo traduzido com a autorização de Spring Publications. Revista da Sociedade de Psicologia Analítica - Junguiana I, Spring, New York, 1979,
pp. 29 - 41
SILVEIRA, N. da. Jung: vida e obra. 16ª edição, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1997
SARAMAGO, J. Ensaio sobre a cegueira, Companhia da Letras, São Paulo, 1995.
SCHNEIDER, M. Uma lição de vida. (1987). Cultrix, São Paulo, 1997.
VON FRANZ, M. L. Os sonhos e a morte - uma interpretação junguiana. (1984). Cultrix, São Paulo, 1995.