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BOLETIM CLÍNICO - número 8 - maio/2000

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

5. O teste projetivo sonoro como instrumento de diagnóstico organizacional - Mônica Gagliotti Fortunato Friaça(1)

RESUMO:

O Teste Projetivo Sonoro foi aplicado aos funcionários da AVIS Rent a Car como parte de um treinamento motivacional conduzido nessa organização. Os primeiros resultados do Teste Projetivo Sonoro são relatados assim como o emprego da informação veiculada por eles para o programa motivacional da AVIS.

Introdução
Seguindo a decisão da diretoria da locadora de automóveis AVIS Rent a Car (unidades de São Paulo) de implementar um programa motivacional para os seus funcionários, passamos a realizar um treinamento de motivação nessa organização. As atividades iniciais do programa motivacional consistiram em:

1) palestras sobre motivação, resolução de conflitos e fomento de auto-estima;

2)
entrevistas individuais com os funcionários, identificando anseios, conflitos, dificuldades no ambiente de trabalho e insatisfações pessoais; 3) atividades de grupo visando ao desenvolvimento de uma dinâmica de relacionamentos adequada e criativa. Uma necessidade que se esboçou nesta primeira fase do programa motivacional foi a aplicação de algum teste que traçasse as fantasias, temores e dificuldades dos funcionários participantes. Foi neste momento que encontramos no Teste Projetivo Sonoro (TPS), um instrumento conveniente para cumprir este objetivo.

O TPS foi desenvolvido por Boccalandro (1) como um teste projetivo que pudesse ser aplicado a pessoas cegas, por utilizar como estímulo somente músicas, e, portanto, podendo ser aplicável independentemente de qualquer deficiência visual que o sujeito pudesse apresentar. Cabe ressaltar que o teste não se dirige unicamente a cegos, mas pode ser aplicado em qualquer pessoa que não seja deficiente auditivo.

Em pesquisa realizada sobre o TPS (1) verificou-se que que o conteúdo das histórias, relatadas pelo sujeito, estão vinculadas a problemas ou conflitos que podem pertencer tanto à dimensão consciente como à inconsciente. Além disso, evidenciou-se que o TPS é um instrumento clínico adequado para realizar uma avaliação psicológica ou estimular um processo de psicoterapia.

A nossa decisão de adotar o TPS baseou-se em sua eficácia como teste projetivo e pelo fato do seu estímulo ser sonoro, o que propicia a aplicação em grupo, reduzindo custos e tempo dispendido. O TPS é formado por três melodias diferentes. A primeira e a terceira são inéditas, e a segunda é um minueto de Bach, pouco conhecido fora do meio dos especialistas em música. Esse teste pertence à classe das técnicas projetivas, ou seja, os métodos de estudo de personalidade alicerçados no processo da projeção, para o qual temos a seguinte definicão no vocabulário de Psicanálise de J. Laplanche (2): "localização de um dado sensorial na posição que o objeto estímulo ocupa no espaço mais do que no ponto de estímulo sobre o corpo".

No TPS, o estímulo é constituído por melodias, e cada melodia é tocada três vezes, a primeira para se tomar contato com a melodia, a segunda para começar elaborar a história e a terceira para fechar a história. Depois das histórias terem sido escritas faz-se um inquérito com as seguintes perguntas:

1- Estas histórias têm a ver com a sua vida?

2- Você percebe que, nessa história, você realiza necessidades suas?

3- Há na história sentimentos /emoções que você possa perceber como suas?

4- Quem é o personagem principal da história?

5- Quem poderia ser esse personagem segundário?

Com a história e as respostas às questões em mãos, podemos começar a interpretação do teste junto ao sujeito.

A Aplicação do TPS e Resultados

O TPS foi aplicado em 90% dos funcionários da Avis São Paulo (número de funcionários fixos: 75). Todos os funcionários foram testados em grupo. O inquérito também foi feito em grupo e, em alguns casos, refeito visto as respostas serem incompletas ou insatisfatórias. Com os testes em mãos, chamamos um por um estes funcionários, refizemos o inquérito e tivemos uma rápida conversa.

As interpretações foram feitas aos poucos, de um em um, dando assim alguma chance de o funcionário poder entrar em contato com ele mesmo. Esse trabalho foi de grande valia, pois na maioria das vezes, a conversa de 10 minutos provocou emoções, gerou descobertas, e esclareceu muitas dúvidas. Em muitos casos, percebemos que o funcionário imediatamente experimentou um certo alívio, decorrente de revelar um conflito ou angústia que sofria há tempos sem que tivesse alguém dentro da empresa com quem pudesse conversar a respeito.

Eis exemplos de respostas suscitadas durante o teste:

Música 1: "Me parece que alguém está sendo perseguido e de repente aparece em outro lugar. Este outro lugar é o oposto do primeiro. Sinto também que esta pessoa foge de alguma coisa ou de alguém. Ora em situações boas, ora em situações ruins."

Música 2: "Esta melodia me lembrou momentos marcantes na minha vida. Momentos de alegria, vitórias e conquistas."

Música 3: "É a típica cena dos pobres tentando trabalho de lugar em lugar, sem conquistas e com muitas humilhações. Sem esperança de vida, sem saber o que fazer para sustentar a família. Até que ele encontra (na cabeça dele) UMA SAÍDA.

Escreve um bilhete para a mulher e… comete suicídio."

Nas respostas suscitadas por este teste podemos perceber claramente o desespero, a depressão em que se encontrava o funcionário. Nas dinâmicas ele sempre falava que a culpa era da empresa, dos seus funcionários, enfim do mundo externo, e até atribuía sua felicidade ao aumento de salário…

Aos poucos, nas conversas e no inquérito que refiz individualmente, ele foi percebendo que muito de sua baixa estima estava vinculado a seu mundo interno. Isso ilustra a importância dos testes psicológicos não só para fins de seleção e admissão a uma empresa, mas também para o aperfeiçoamento contínuo dos seus funcionários e para promover o seu estatuto de pessoa.

Procedimentos adotados como sequëncia ao TPS
Com os resultados do TPC em mãos foi mais fácil programar os outros encontros, mas o mais importante foi o fato de esses resultados permitirem que desenvolvêssemos, em conjunto com a diretoria da AVIS, estratégias de aprimoramento dos relacionamentos inter-pessoais e do trabalho de grupo dentro de áreas que identificamos como críticas, além do fomento do bem-estar e desempenho dos funcionários da empresa como um todo. Foi detectado que muitas pessoas de um mesmo setor se mostravam desmotivadas.

Como um exemplo, muitos motoristas da AVIS são ex-metalúrgicos, freqüentemente com um bom nível de educação formal (curso médio completo e curso técnico). Tendo-se em vista que houve um deslocamento da economia do setor industrial para o setor dos serviços, habilidades específicas para produzir certos artigos materiais tornaram-se repentinamente desvalorizadas.

Os robôs e a informática entraram em circulação, muitas pessoas que eram qualificadas em uma profissão tiveram que se requalificar, mesmo com idade avançada. Mais freqüentemente, o resultado desta mudança foi, num primeiro momento, o desemprego, e, posteriormente, para os mais qualificados ou afortunados, uma drástica mudança de trabalho. Devido a isto realizamos uma série de dinâmicas de grupo voltadas especificamente para funcionários com este histórico.

Para todos os setores da AVIS, foram propostas sessões em que os funcionários pudessem falar tanto de si como do trabalho. Foram realizadas vivências e dinâmicas. Está sendo conduzido um trabalho com intuito de mostrar que a vida de cada um não começa no final do período, quando eles deixam o trabalho, mas sim que eles fazem parte da empresa e que a empresa faz parte da vida deles. O sujeito não é um ser cindido, a sua vida não tem uma divisão incomunicável entre trabalho e não-trabalho. Os problemas particulares interferem no andamento do trabalho e os do trabalho em casa. O desafio do trabalho pode completar sua vida particular. O trabalho fornece situações de dificuldade bem definidas cuja resolução promove o desenvolvimento pessoal.

Cada desafio pode ser visto como algo positivo, pois mobiliza ao máximo as habilidades da pessoa, deste modo, levando a um crescimento. Devemos nos lembrar, seguindo Winnicott, que o ser humano precisa de uma quantidade ótima de esforço para se desenvolver. Winnicot (3) chama de mãe suficientemente boa aquela que deixa o filho sentir as necessidades e não atendê-las de imediato, ou seja, aquela que deixa a criança se desenvolver construindo seu próprio conhecimento.

Em contraste com a mãe suficientemente boa, temos, por um lado, a mãe superprotetora, que não deixa a criança crescer, por evitar a busca pessoal da criança, e, do outro lado, a mãe que abandona, que tolhe o desenvolvimento da criança ao negar-lhe presença, carinho e apoio. Precisa-se exigir o melhor de cada um e, ao mesmo tempo, fornecer os meios para que cada um mostre o que tem de melhor.

Conclusões
Podemos considerar, como produções oníricas, as histórias produzidas pelo TPS, pois são produções inéditas e de caráter individual e inconsciente. Nas palavras de Jung (4): "…A riqueza do sentido dos sonhos fundamenta-se precisamente na diversidade das expressões simbólicas e não na sua redução unívoca. Ora, o determinismo causal tende, pela própria natureza, para essa redução unívoca, isto é, para uma codificação dos símbolos e do seu sentido.

O ponto de vista finalista, pelo contrário, vê nas variações das imagens oníricas o reflexo de situações psicológicas infinitamente variadas. Para a teoria finalista, não há símbolos de significação fixa, pelo que considera as imagens oníricas importantes em si mesmas, visto ser em si mesmas que elas trazem o seu próprio significado até ao seu aparecimento durante o sonho…".

Deste modo o TPS favorece respostas mais espontâneas, revelando o estado emocional dos indivíduos, suas necessidades e, em alguns casos, seus anseios futuros. Ao inseri-lo no treinamento verificamos que além da facilidade de aplicação em grupo, ele também permite um mapeamento mais extenso do estado psíquico dos sujeitos, pois a música propicia o aflorar de emoções. E, hoje em dia, o componente emocional do entendimento e desempenho é cada vez reconhecido. Entender o outro, principalmente em seus movimentos emocionais, e saber interpretar o desejo do outro tornou-se uma habilidade extremamente valorizada.

Ao analisar os testes, percebemos que alguns funcionários de um mesmo setor mostravam tendências depressivas. Devido a isto, realizamos uma série de dinâmicas de grupo só com este grupo. A realização da dinâmica confirmou os resultados do TPS: esses funcionários se sentiam oprimidos e precisavam de mais motivação e apoio. Um programa de motivação e valorização dos funcionários foi então elaborado e iniciado.

Nas empresas, além da produtividade é necessário levar em conta cada vez os aspectos sutis envolvidos nos relacionamentos: empatia, simpatia, percepção de conflitos e necessidades. A AVIS Rent a Car São Paulo tem sido sensível à necessidade dessas qualidades dentro da sua organização, assinalando como seria uma empresa modelar nessa virada do milênio, preocupada com o bem estar do ser humano, isto é, tratando gente como gente.

Referências:
(1) Boccalandro, Efraim Rojas, Teste Projetivo Sonoro. São Paulo, Vetor, 1998

(2) Lapranche, Jean, Vocabulário de Psicanálise. Martins Fontes, 9.a Ed., 1986, p. 374-375

(3) Winnicott, D. W., Playing and Reality. Londres, Routledge, 1993

(4) Jung, Carl Gustav, O Homem à Descoberta de sua Alma. Tavares Martins, 2.a Ed., 1975 p. 253-254

Nota:
(1) Monica Gagliotti Fortunato Friaça - Psicóloga Clínica CRP 06/57014-4 - email: monicaf11@hotmail.com - Telefone: 0xx11-38161844