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BOLETIM CLÍNICO - número 9 - outubro/2000

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

4. A Imaginação Semi-Dirigida e o seu uso no Tratamento do Transtorno do Pânico: Relato de Caso - Marina Pereira Rojas Boccalandro

Resumo
O objetivo desse trabalho foi verificar a eficácia do emprego da imaginação semi-dirigida no tratamento do transtorno do pânico, dado que nada foi encontrado na literatura quanto ao uso da imaginação semi-dirigida no processo psicoterápico desse transtorno.

Material e método: a linha teórica desse trabalho é a Psicossíntese. Relata-se o caso de uma cliente adulta de 38 anos, com transtorno do pânico que procurou psicoterapia indicada por médico psiquiatra, que a medicava com anti-depressivos e ansiolíticos. Esta cliente foi acompanhada pelo médico e pela psicoterapeuta durante quatro anos seguidos. Nesse processo de psicoterapia usou-se a técnica da imaginação dirigida.

Resultados: nas primeiras sessões a paciente foi sendo treinada em exercícios de respiração e relaxamento. Após um mês foram introduzidos os exercícios de imaginação semi-dirigida. Descreve-se uma sessão psicoterapêutica onde o emprego dessa técnica foi um marco na melhoria do quadro. As crises foram se espaçando e em quatro meses de psicoterapia desapareceram por completo.

Conclusões: neste caso, o emprego da imaginação semi-dirigida foi determinante no desaparecimento das crises de pânico e na reinserção da cliente na vida normal.

Palavras-Chave: transtorno do pânico, psicoterapia, imaginação semi-dirigida.

"A maior descoberta da minha geração é queos seres humanos, ao alterarem as atitudes interiores da sua mente, podem mudar os aspectos exteriores da sua vida." - William James

A imaginação semi-dirigida é uma das técnicas usadas na Psicossíntese.

A imaginação semi-dirigida pode ser entendida como a criação consciente e intencional de impressões sensoriais mentais tendo em vista o auto-conhecimento, a busca do equilíbrio e a transformação individual.

Na imaginação semi-dirigida se dá um tema ou estímulo e o cliente cria o desenrolar da vivência, com conteúdos próprios ligados ao seu inconsciente pessoal ou coletivo. Nessas vivências podem surgir imagens do passado, do presente e mesmo do futuro projetado e/ou idealizado.

Este tema foi tratado por mim, em um artigo publicado no Boletim Clínico da Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic, de forma mais abrangente. (Boccalandro, 1997).

O caso aqui relatado é o de uma cliente com Transtorno do Pânico.

Quando M. veio ao meu consultório tinha 38 anos, era divorciada já há alguns anos. Tinha feito faculdade de arquitetura até o terceiro ano e acabou desistindo quando se casou. Fez cursos de decoração e jardinagem, posteriormente trabalhou nessa área alguns anos, mas depois da separação acabou indo trabalhar com o pai, que tinha uma loja antiga e bem conceituada no centro da cidade de São Paulo.

Veio para a terapia, apesar de sempre ter sido contra e nunca ter feito nenhum tratamento psicológico, por estar numa situação de muita angústia e medo já há alguns anos (desde a separação, esses sintomas se agravaram).

M. tinha duas filhas adolescentes com as quais também se relacionava bem e dois irmãos que eram casados e viviam fora da cidade de São Paulo.

M. veio encaminhada pelo tio que era psiquiatra e que a estava medicando com Anafranil e Lexotan, com o diagnóstico de Transtorno do Pânico. M. chegou desconfiada ao consultório, acompanhada da mãe (não andava sozinha de carro, nessa época), dizendo que queria ver como era, que não sabia se ia continuar porque não acreditava que psicoterapia pudesse ajudar alguém.

Na primeira sessão, por estar extremamente tensa, angustiada, agitada e demonstrando medo, propus logo depois de algumas falas nossas de apresentação, fazermos um relaxamento e deixarmos a conversa para dois dias depois, quando ela já estivesse mais calma.

Ela aceitou e, basicamente nesse dia, trabalhei com respiração, massagens nos pés e toques suaves da cabeça. Senti que, conforme o tempo passava, durante a sessão terapêutica sua respiração ia se normalizando, apresentava menos tremores e seu corpo se aquietava. Terminada a sessão, propus que voltasse dois dias depois para nova sessão.

Voltou um pouco mais tranqüila, podendo pelo menos falar e conversamos por mais ou menos meia hora, durante a qual ela me relatou os seus problemas. Disse que se sentiu bem com o relaxamento e que aceitava entrar no processo psicoterapêutico. Nessa primeira etapa do tratamento, eu atendia M. duas vezes por semana.

Ela contou que trabalhava com o pai, tinha muita responsabilidade na firma, mas ganhava um salário pequeno face à toda a sua responsabilidade. Tudo o mais de que ela e as filhas necessitavam era dado pelo pai ou pela mãe, como se ela fosse ainda uma adolescente que precisava de ajuda por não ser independente. O ex-marido dava uma pensão para as filhas, pagava escola, médico e dentista para elas.

Comecei o processo de imaginação semi-dirigida muito lentamente, porque a ansiedade nas primeiras sessões ainda era muito grande, e ela não conseguia se concentrar. Com o passar do tempo, fui aumentando a duração das visualizações e, enquanto ela ficava com a imagem ou proposta de visualização, eu trabalhava com toques e massagens suaves ajudando a provocar um relaxamento mais profundo.

Numa sessão, depois de uns dois meses, propus a ela que entrasse em um túnel que a levasse ao passado e fosse me relatando o que ia acontecendo. Passados alguns instantes, disse que se via vestida de noiva, num ambiente fechado e com um vaso de plantas na mão. Perguntei como era seu vestido, ela me disse que era um modelo antigo, mangas bufantes, luvas de renda, mas não sabia precisar exatamente em que época esse modelo foi usado. Estava triste e sentia também muita raiva.

Pergunto o que estava fazendo lá. Pergunto o que podia fazer com sua tristeza.

Nada, respondeu.

E com sua raiva?

- Tenho vontade de quebrar todos os vasos de plantas.

Disse-lhe então: - E por que não faz isso?

- Vou fazer. Passou então a quebrar todos os vasos que estavam nesse lugar, com a sua imaginação. Depois pergunto se ela ainda tinha alguma coisa para fazer lá, e ela diz que não. Então proponho que busque uma saída. Ela disse que via uma escada que subia e inicia a subida. No fim da escada, havia uma porta de madeira antiga e rústica.

Abriu, fez uma cara de terror, sentou na cama e começou a gritar. Pergunto o que aconteceu e me responde, gritando e chorando, que a porta dava para um parede de tijolo. Sentia desespero por estar presa. Pedi a ela que procurasse se tinha outra saída. Tudo em vão. Estava tudo hermeticamente fechado.

Não havia uma enxada lá, ou qualquer objeto com que pudesse abrir a parede e nenhuma escada que alcançasse o teto. Pedi que se deitasse, seguro sua mão e peço que se aquiete e pense em alguma coisa que pudesse fazer. Ela diz que não adianta gritar porque ninguém iria socorrê-la, não tinha como sair e que ia morrer de fome e sede trancada naquele aposento.

Digo a ela que se nada pode fazer, se aquiete e procure esperar, respirando profundamente. Peço a ela que pense que tem uma consciência, uma imaginação, um corpo com o qual ela se vê no sonho e é com esse corpo que ela vai tentar sair desse lugar. Ela nunca demonstrou, durante todo o tratamento, do início ao fim do processo, acreditar na existência de alma, reencarnação ou que tivesse alguma crença religiosa, mas acreditava que tinha um corpo onírico, que tinha imaginação e que tinha uma consciência que podia ir além do seu corpo físico.

No início quando lhe fiz a proposta, dizia que era difícil, que não sabia como sair. Pedi a ela que sentisse seu corpo leve, fluido, transparente, falei que quando sonhava, ele podia voar, entrar na água e fazer coisas que naturalmente não podia fazer com seu corpo físico em estado de vigília. Então, aos poucos ela conseguiu ir se levantando no espaço e conseguindo enfiar a cabeça atravessando com ela, o teto. Ao sair sua cabeça, ela diz ver um campo verde, muito grande.

Depois de muito esforço consegue sentir que estava livre até a cintura e que a parte de baixo do corpo era muito mais difícil de libertar. Quando consegue, sente um alívio muito grande e sai correndo pelo campo. Essa sessão demorou quase duas horas.

Eu marcava as sessões dela com mais tempo porque percebia que ela estava à beira de uma internação hospitalar, tamanha a angústia e desespero que sentia, não conseguindo dormir direito há muito tempo, tendo muito medo, telefonando para os pais, acordando-os mesmo de madrugada, os quais tinham que correr para sua casa para lhe fazer companhia. Depois dessa sessão, ela começou a melhorar muito.

Com quatro meses de terapia, a angústia, o desespero e o medo foram passando. Voltou a sair só, dirigir seu carro, voltou a trabalhar e entramos numa fase terapêutica de uma sessão semanal com cinqüenta minutos de duração, com interpretações, imaginação semi-dirigida e trabalho corporal.

Após 11 meses de terapia, ela estava namorando, mudou para um apartamento melhor com suas filhas. Passou a ter conversas com seu pai a fim de valorizar seu trabalho e já estava pensando em voltar a trabalhar na área de decoração, que dizia ter certeza de que era o que gostava de fazer.

Nunca mais teve crise de pânico, angústia incontrolada e medo sem motivo até o final da terapia.

Essa cliente, depois de alguns anos voltou ao consultório e relatou que não mais tem crises de pânico, que quando percebia que as crises podiam voltar, fazia exercícios de desidentificação-identificação. Nesse exercício, a pessoa é incentivada a se identificar com seu Self e observar os seus corpos físico, emocional e mental. Diz que também os exercícios de respiração a ajudam muito nesse momento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSAGIOLI,R.(1982).Psicossíntese;ManualdePrincípios e Técnicas. São Paulo, Ed. Cultrix.

FERRUCCI, P. (1999). O que podemos Vir a Ser. São Paulo, Ed. Totalidade.

BOCCALANDRO, M. P. R. (1997). A visualização semi-dirigida e o seu uso na psicoterapia. Artigo publicado no Boletim Clínico, Clínica Psicológica “Ana Maria Poppovic”, PUC-SP, outubro, Vol. II, p. 9-16.

Notas:
(1) Marina Pereira Rojas Boccalandro, psicóloga clínica, psicoterapeuta, professora e supervisora da PUCSP, mestre e doutoranda em Psicologia Clínica pela PUCSP. O presente trabalho foi apresentado no XII Congresso Brasileiro de Medicina Psicossomática no ano 2000, realizado em São Paulo.