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BOLETIM CLÍNICO - número 9 - outubro/2000

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

CONCLUSÃO
O Ficar enquanto manifestação da competência erótica está ligado a duas faixas etárias: o adolescente e o adulto separado, com significações radicalmente distintas, onde o primeiro movimento é marcado pela descoberta e vivência da sexualidade; e o segundo, pela bagagem experencial de interações afetivas ora positivas, ora negativas.

Tomando esta dimensão, o artigo elabora algumas hipóteses para caracterizar o ficar do adulto:

_ Intimidade com partilha do espaço geográfico (habitação privada):
Esta porém, não mantêm uma relação direta com a quantidade de tempo que os pares se conhecem (presente), mas com a bagagem (passado) de vivências que os pares trazem para o encontro e lhes permite a liberação de pré-conceitos sobre o desejo, oportunizando que o prazer seja realizado no mesmo dia em que o encontro se deu.

_ Relação Sexual:
Os adultos tem relação sexual quando ficam, enquanto que os adolescentes se limitam ao fogo.

_Similar identidade:
Pertencer ao mesmo grupo social, econômico e cultural fornece um suporte comum de circulação indireta de referências mútuas, o que irá facilitar o exercício da intimidade, em todas as possibilidades.

_Dúvidas:
A medida que os contatos visuais, telefônicos e físicos se intensificam, a afetividade se introduz e transforma a qualidade da intimidade, além de introduzir dúvidas e o tema do compromisso.

O que é compromisso em tempos de Internet, liberação feminina, reformulação de identidade e confusão quanto ao papel masculino?

As dificuldades existenciais, dos pares, dimensionarão a intensidade da dúvida e a formulação das perguntas: Que temos? O que poderemos esperar e solicitar do outro? Quais as perspectivas deste modo de relação tão íntima, sem nome; quais suportes são comuns?

_ Desejos novos
Estar juntos para além de uma dimensão de tempo presente, pois as perguntas desvelam o oculto do desejo de continuidade, o que remete ao futuro e ao passado dos pares.

Dificuldade dos pares de, ainda, não saberem organizar os arranjos para incluir o outro que surge, no estilo de vida “pós-moderno” adotado, onde cada um demarca as idiossincracias e as conquistas individuais, no plano da auto-afirmação e independência psicológica e econômica.

_ Necessidade de arranjos: afastar ou afirmar?
Aumentando o volume de encontros surgem ou afirmações da negatividade da capacidade erótica e da afetiva; o desconforto e a inquietação; talvez a solução “apaziguadora” do afastamento; ou o enfrentamento e a afirmação da positividade das capacidades erótica e emocional.

_ Compromisso:
As respostas ao tema do compromisso serão tão mais difíceis, quanto menor for o contato com os temores dos pares, especialmente se estiverem lidando com vivências de dores passadas, símbolos e valores que nublam as perspectivas do presente e do futuro, fazendo-os confundir o encontro com o aprisionamento em papéis feminino e masculino, carregados pelas determinações socializatórias; ao invés de se permitirem viver uma liberdade compartilhada, permeada pela poesia comunicada como diálogo camoniano.

- Amor é fogo que arde sem se ver

- É ferida que dói e não se sente

- É um contentamento descontente

- É querer estar preso por vontade

Ou pela sabedoria do não acostumar-se para o enfrentamento que o marketing sobre os relacionamentos afetivos e eróticos cria, entendendo que os costumes não fazem mulheres e homens felizes por não serem como as ondas do mar, fazendo-se e refazendo-se eternamente .

Para sintetizar a fenomenologia realizada sobre o ficar, a autora pensa que não importa um nome para definir as interações contemporâneas de amor, mas é fundamental o diálogo entre os sonhos, comportamentos, desejos e práticas femininas e masculinas. Contato vivo, colorido, cheiro, lambida, toque, intuição, abertura, escuta, olhar, trocas concretas entre pessoas vivas.

Destruição de fórmulas e prescrições presentes em anúncios mentirosos de mídias comerciais que vendem corpos, que devem ser magros e siliconizados, consumidos nos açougues de papel e de áudio e vídeo, homens e mulheres embalados nas “Playboy, Íntima, Sexy, MTV, Uga Uga...”! Morte à superexposição do sexo como número de trepadas e parceiras/os.

Vida à capacidade erótica de mulheres e de homens que permite-nos estabelecer relações em que o corpo é vivido prazerosamente em encontros de intimidade desvinculada dos significados arquetípicos do gesto romântico que, “deve”, unir sexo ao amor. Viva a inteireza que se expressa enquanto os pares estão juntos:

Vida ao Ficar que amplia o contato com nossas necessidades eróticas não determinadas, tampouco exclusividades de gênero, que podem serem vividas sem necessariamente um amor romântico.

Vida, também, ao Amar, à capacidade emocional que permite escolher, sem coerção, a fidelidade erótica e afetiva que reúne prazer e amor romântico à palavra dialogada entre pessoas que estabelecem relações humanas e amorosas, em que conhecer-se é encontrar afinidades pelo convívio e pelo alargamento das fronteiras de exposição e de contato.

Um resultado deste movimento é, ficar comigo e contigo; ficar contigo e comigo, realizar uma comunicação íntima que traz como conseqüência o ficar conosco, confirmando-nos mutuamente.

BIBLIOGRAFIA:
AMATUZZI, Mauro Martins. O Resgate da fala autêntica Campinas,

São Paulo, Papirus, 1989.

BUBER, Martim. Do Diálogo e do dialógico. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1982.

COOPER, David. A Morte da família. São Paulo, Martins Fontes, 1986.

REICH, Wilhelm. A Revolução sexual. Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1976.

Nota:
(1) Doutoranda em Psicologia Clínica – PUC/SP / Mestre em Educação: Políticas Públicas / Profª Assistente da Universidade Federal do Pará – Departamento de Psicologia Clínica / Gestalt-terapeuta

(2) Amatuzzi,1989 p. 31

(3) Reich, 1976, cap. 4, pp 72-103

(4) educação afirmativa – uma decisão sobre a própria situação sexual e sobre a moral sexual predominante.

Op. Cit, p.95

(5) Cooper, 1986 p. 54