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BOLETIM CLÍNICO - número 10 - maio/2001

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

9. A Questão Mente-Corpo no Paciente Portador de Retinopatia Diabética(1) - Lígia Bacelo Gonçalves(2) e Celso Afonso Gonçalves(3)

RESUMO
O objetivo deste trabalho é mostrar que entender a integração psique-corpo numa consulta de oftalmologia, pode ser fundamental para um melhor resultado dos pacientes diabéticos portadores de retinopatia. A abordagem psicossomática pode ser útil no entendimento deste indivíduo assim como o simbolismo da doença.

A diabetes é uma doença com repercurssões profundas na vida do indivíduo e suas consequências atuam de forma inevitável se este não tiver estrutura psíquica suficiente para conviver com a doença.

O trabalho multidisciplinar pode ser um bom caminho para o entendimento do indivíduo e o auxílio na sua recuperação.

SUMMARY
The purpose of this article is to show the importance of integration body -mind in the ophthalmologist office, to get better results in patients with diabetic retinopathy. The psychosomatic interrelationship analysis can be useful to understand the symbolism of the disease. The diabetes is a disease with powerful repercussions in patient’s life and with consequences that are inevitable if he does not have psychical structure to survive with the disease.

The multidiscipline work can be a good way to understand the person and to help him in your recuperation.

INTRODUÇÃO
Diabetes, mais que um doença orgânica, uma doença psicossomática.

A cada dia surgem novos aparatos tecnológicos que são fundamentais para o conhecimento e cura das mais diversas patologias. No entanto, num contra-ponto, sabe-se que a prevenção ainda é o melhor caminho. Mas por quê? Se a tecnologia, o conhecimento técnico e a cura podem ser alcançadas? Porque o indivíduo que sofre destas patologias pode sofrer danos irreversíveis, não só no seu corpo, mas também na sua psique.

Na retinopatia, por exemplo, quando há a necessidade de cirurgia, com o pós-operatório lento, a ruptura na vida do indivíduo é inevitável e a retomada da sua vida é muito mais lenta do que a recuperação do pós-operatório.

A partir destas observações, tornou-se impossível deixar de pensar no indivíduo na sua totalidade, preocupação esta expressa pela medicina deste século, principalmente a partir da psicossomática.
DISCUSSÃO
Sabe-se que a vulnerabilidade do ego, a frustração, e a dificuldade simbólica, parecem ser as condições básicas geradoras da predisposição ao adoecer.

Mas, segue-se uma questão: porque o pâncreas no diabético?

Em 1936, no período psicanalítico, tentou-se descrever a personalidade do diabético: “apático, hipocondríaco, lento e passivo.”

Dunbar em 1947 (3), no seu estudo de perfis, observou que os diabéticos tem dificuldade de trocar seu estado de dependência infantil pela independência própria do amadurecimento. Verificou também que os diabéticos consideram-se vítimas do meio. Assim sendo, são pessoas hábeis para ocultar do médico a sua falta de colaboração no tratamento. Tendem a reprimir e negar as tensões, ressentimentos e agressividade, denotando sinais de autodestruição.

Segundo Rosine Debray (1995) (7), a carga representada pela doença diabetes, será diferentemente suportada, de acordo com o lugar que ela ocupa na economia geral da pessoa. Quanto melhor o seu funcionamento mental, melhor o prognóstico. Ainda segundo Debray, o aparecimento da diabetes tem causas multifatoriais:

- Características internas ligadas a um patrimônio genético.

- Caracteristicas externas, pondo em jogo o mundo relacional neste preciso momento da história do sujeito.

Em 1977 Luis Chiozza (6), relata que o diabético tem um sentimento de impropriedade dos bens (sentimento nascido da carência do meio para obter ou manter esses bens através da luta) intolerável, expressando e simbolizando inconscientemente esses bens através do sobreinvestimento de um dos elementos normais do seu feixe de inervação. A inibição do processo da assimilação da glicose.

Assim a glicosúria representaria o “esbanjamento” da glicose, representando uma riqueza fictícia acompanhada pelo sentimento íntimo de que a satisfação é impossível. Há uma melancolia enjoativa, onde o indivíduo entrega aquilo que dispõe e na realidade não possui, evita, mais além da amargura hepática (Obstfeld, 1969), a consciência de seus sentimentos de inveja e hostilidade reprimidos.

Hoje, segundo Richard S. Surwit (1997), desmente-se a idéia de que os diabéticos tem traços específicos de personalidade. Porém, um distúrbio emocional que aflige mais os diabéticos que as outras pessoas, é a depressão, mas esta não é necessariamente uma causa da diabetes. Entretanto a depressão pode potencializar as complicações da doença. Haveria um efeito semelhante ao estresse, com aumento dos hormônios hiperglicemiantes produzidos na supra-renal.

A partir desta visão, chega ao consultório o paciente com todas estas características. Será que é possível avaliar apenas o olho do paciente? Surge então um conflito: como ser um oftalmologista, área tão especializada e sub-especializada e ao mesmo tempo reconhecer a importância da totalidade do paciente? Sim reconhecer, este já é um grande avanço. Reconhecer que o paciente que se encontra ali, tem todas essas características que o acompanham e que o influenciam.

Portanto o trabalho multidisciplinar torna-se de extrema importância. Avaliar a relação do paciente com a família, como este aceita a doença o que busca fazer para se cuidar, como suporta o limite que a diabetes impõe, podem ser perguntas-chave que indicam a necessidade do paciente trabalhar estas questões com profissionais da saúde que não necessariamente o médico. Mas este pode enxergá-lo como um indivíduo e não como um olho com problemas, ao Ter esta visão reconhecerá que para o diabético, muitas vezes, cuidar-se pode ser muito mais do que um simples desejo, há a necessidade de uma maturidade egóica, que precisa ser desenvolvida.

CONCLUSÃO
Poder enxergar o paciente na sua totalidade, ajudará não só o paciente, mas também o médico a entender melhor o processo e o significado daquela doença para determinado paciente.

O indivíduo diabético não tem apenas um pâncreas com problemas e a suas consequências, tem uma estrutura de personalidade que não pode ser ignorada ao ser tratado.

A prevenção ainda é o melhor caminho, mas a partir da instalação da doença, não adianta culpar o paciente e sim buscar entender suas dificuldades e auxiliá-lo no seu desenvolvimento egóico para poder contorná-la.

O simbolismo da perda visual é muito rico, principalmente, nos dias de hoje, e poder perceber o convite a introspecção que a perda visual traz, pode ser dolorido, mas talvez um dos únicos caminhos possíveis para uma boa recuperação, a partir da ruptura instalada com a doença.

Não esquecendo a especialização da oftalmologia, nem ignorando-a é importante, mesmo que sem condições de atender a todas as questões apresentadas pelo paciente, o médico possa percebê-las e quando necessário trabalhar com uma equipe multidisciplinar.

BIBLIOGRAFIA:
ÁVILA, Lazslo A. – Doenças do Corpo e Doenças da Alma. Investigação psicossomática psicanalítica. Editora Escuta, São Paulo, 1996.

CHIOZZA, Luis A. (org.) – Os Afetos Ocultos em... psoríase, asma, transtornos ósseos, cefaléias e acidentes cerebrovasculares. Trad. Laila Yazigi de Massuh. Casa do Psicólogo, São Paulo, 1997.

DEBRAY, Rosine – O Equilíbrio Psicossomático e um estudo sobre diabéticos. Trad. José Werneck. Casa do Psicólogo, São Paulo, 1995.

MELLO Fº, Julio de (col.) – Psicossomática Hoje. Editora Artes Médicas Sul Ltda., Rio Grande do Sul, 1992.

RAMOS, Denise G. – A Psique do Corpo: uma compreensão simbólica da doença. Summus editorial, São Paulo, 1994.

Notas:
(1) Trabalho realizado no serviço de oftalmologia do Hospital Ana Costa de Santos.

(2) Psicóloga do serviço de oftalmologia do Hospital Ana Costa de Santos e Pós - graduanda nível mestrado pela Universidade Católica de Santos na área de Educação.

(3) Chefe do serviço de oftalmologia do Hospital Ana Costa de Santos, Professor adjunto da cadeira de oftalmologia da Universidade Metropolitana de Santos e Pós - graduando nível mestrado em medicina baseada em evidências pela UNIFESP (Escola Paulista de Medicina).