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BOLETIM CLÍNICO - número 11 - novembro/2001

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


6. Ecologia , o Saber da Nova Era(1) - Efraim Rojas Boccalandro(2)

"Especialistas são profissionais
que sabem cada vez mais,
sobre cada vez menos"

(George Bernard Shaw)

Nós estamos no despertar de um novo século, início de milênio, final da era peixes e limiar da era de aquário. No horizonte, uma era que deverá ser batizada pela água da fraternidade, pela terra dos alicerces de um novo relacionamento entre os homens. Batizado pelo ar do Logos, pensamento correto, que se faz palavra adequada e pelo fogo do Espírito Santo.

Mas, um novo calendário ou uma nova agenda não significa um novo método de fazer ciência ou uma nova forma humana de estabelecer relações. Estamos muito longe ainda da utopia da liberdade, igualdade e fraternidade...

Há, no entanto sinais de uma busca geral de novas formas de relacionamento entre os homens; tímidos passos para um entendimento entre as nações e o sonho de uma distribuição mais justa das riquezas planetárias entre nações e entre pessoas.

Possivelmente, a abertura mais clara para uma abordagem global na ciência está sendo dada pela ecologia. A ecologia nasceu do ventre da biologia como disciplina, que estudaria os seres vivos e seus entornos. Rapidamente, a nova disciplina adquiriu uma perspectiva global, pois se percebeu a interação dinâmica entre todos os seres vivos e a Terra, sendo o conceito correspondente, chamado de "ecossistema".

Um ecossistema visto desde um ângulo filosófico, parece muito com o conceito de "mônada", de Leibniz. Cada mônada é um indivíduo indivisível e constitui uma totalidade maior, que a soma de suas partes. Relaciona-se com outras totalidades iguais, maiores ou menores do que essa mônada específica e o conjunto formaria o ecossistema, que por sua vez faz parte de um ecossistema maior. E assim iremos ganhando uma perspectiva cada vez mais global, até abrangermos todos os seres vivos, dos quais os seres humanos constituem aspectos especiais da realidade planetária.

O conceito de mônada, de Leibniz, ficou como intuição valiosa, até que Max Planck no início do século XX e em paralelo com os trabalhos de Albert Einstein estabeleceu o conceito de "quantum de ação"; qualificando-o com um valor numérico muito pequeno, mas nem por isso menos real e constante.

Essa constante de ação aparece sempre como inteira, só admitindo múltiplos, transformando-se totalmente em outro tipo de fenômeno físico, ou agregando-se em números extraordinariamente grandes, para constituir mônadas muito maiores. Na física atual esta constante quantum de ação vem a realizar o sonho de Demócrito, pois o que foi denominado "átomo", pelos físicos do século passado, veio a ser percebido como divisível pela física atômica. Não fosse a força da linguagem, o conceito de átomo, deveria ser rebatizado por "tomos".

Se do ponto de vista físico o quantum de ação preenche as condições requeridas para ser a mônada de Leibniz, a mônada psíquica é constituída pela consciência do si mesmo. A consciência do si mesmo não se divide e se diferencia do quantum de ação (mônada física) em que não se multiplica, a consciência do si mesmo, é sempre a mesma. A consciência do si mesmo é o grau mais elevado de consciência psíquica do ser humano. Se aceitarmos o conceito de mônada, os chamados reinos da natureza perdem sua majestade, pois a diferença entre eles fica na forma.

É essa abordagem sistêmica holística, ou talvez falando com mais propriedade, pantônica, abordagem em que a tônica é a totalidade, pois a compreensão de totalidades a partir de um nível determinado de complexidade, escapa ao entendimento humano.

A abordagem pantônica leva-nos a tentar entender as interações, entre e dentro, de fenômenos pouco numerosos e de pequeno espectro de variação. Pois quando há muitos fenômenos e espectros amplos de variação em cada fenômeno, perde-se a possibilidade de compreensão. Um exemplo clássico é o dos fenômenos meteorológicos, cuja interação é de tal forma complexa que as previsões do tempo são bem inexatas.

Esta visão sistêmica ou pantônica, já existia entre chineses e gregos. A visão chinesa de interação entre princípios opostos, o yin e o yang, que estão em relação dinâmica e podem transformar-se um no outro. O excesso de yin transforma-se em yang, o excesso de yang transforma-se em yin.

Na cosmologia chinesa a primeira causa do universo era a energia Ki. Essa energia Ki pode ser considerada equivalente ao Kether hebraico (a coroa). A coroa é a unidade constituída do positivo e do negativo e que está em um nível acima do humano. Seria a unidade que cria a multiplicidade, quando essa unidade se manifesta através de contrários: positivo/negativo, masculino/feminino, luz/sombra, macho/fêmea, quente/frio, dinâmico/estático; enfim através de polaridades em que os contrários têm possibilidade de existirem separados.

Cada nível de manifestação em um determinado plano exige também o contrário. Na linguagem chinesa o Yang, representado no Kuá, tem dentro de si um ponto Yin e o Yin, por sua vez, tem um ponto Yang, que expressa simbolicamente o que acabamos de dizer em palavras. Talvez um exemplo simples aclare este conceito de polaridade: se todos os seres humanos tivessem a mesma aparência física, não teríamos o conceito de belo nem o de feio.

Para Pitágoras a música, a matemática e a astrologia eram um corpo único de saber e o ponto de ligação entre a música e a astrologia era a matemática. Cada uma destas três disciplinas era abordada com uma visão global, na qual o todo é função da interação entre as partes e mais do que a soma delas.

Na música temos o exemplo clássico da melodia que surge de um lado da relação entre notas e do outro da seqüência dessas notas, que determina o caráter específico da melodia. Podemos transpor esta melodia para oitavas superiores e inferiores e sempre a "gestalt" melódica será reconhecida, pois as relações entre as notas e a seqüência permanecem as mesmas. Porém, se mudarmos o "modo" da melodia, o efeito da melodia em nós será muito diferente. Neste caso a emoção despertada pela música será diferente.

Na Idade Média a filosofia era o saber global da época e agregava todos os ramos do saber. Isto foi se perdendo com o advento de ramos especializados de saber, que foram se afastando uns dos outros. Perdendo-se portanto, a visão globalizadora característica do saber antigo.

A especialização dentro de limites estreitos do saber levou a criação de muitas ciências novas e o exagero de se estabelecer dentro da mesma ciência especialidades tão estanques, que poderiam ser entendidas como "ciências diferentes".

No desenvolvimento da psicologia, no início do século XX, temos a psicanálise, abordagem analítica do psiquismo que deixou de um lado o estudo do corpo, e em outra via, muito diferente, a reflexologia que dando ênfase a processos corporais, ignora o psiquismo como área de estudo da psicologia. Ou como disse Pavlov, criador da reflexologia: "o pensamento é uma secreção do cérebro".

Felizmente esta abordagem parcial do objeto das ciências, está evoluindo para uma abordagem integradora e é cada vez mais utilizada a abordagem holística. Resultante de uma transformação dos referenciais dos pesquisadores, que os levam a tentar compreender de forma global os seus objetos de estudo.

Parece-nos que o tempo já está maduro para que a abordagem pantônica assuma o comando da pesquisa científica iniciada pela física de Hertz, Maxwell, Planck, Lorentz, Poincaré e outros que abriram o caminho à física da relatividade de Albert Einstein. A célebre equação E = m.c² (energia é igual à massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz), coloca de uma forma matemática o que os sábios chineses afirmaram sobre a constituição do universo: um princípio yin (massa), um princípio yang (energia) e o movimento ©.

A massa e a energia curiosamente parecem obedecer ao postulado chinês: um excesso de massa transforma-se em energia e o excesso de energia transforma-se em massa. As abordagens antigas dos chineses e dos hindus eram globais, porque eles entendiam que não se poderia separar yin de yang, assim como não se poderia separar o espírito da matéria e do movimento. Apesar de Einstein ter provado a equivalência da energia e da massa, o nosso entendimento teima em separar energia, massa e movimento, como se existisse uma "coisa" massa, diferente de outra "coisa" energia e que pudessem prescindir do movimento.

Esta equação a três termos tem uma analogia fácil de perceber, com a trindade dos hindus, e com o simbolismo da cruz veda, que representa o impulso inicial (energia), que se plasma na matéria e se transforma pelo movimento. Na cruz veda o traço vertical simboliza o espírito e o horizontal a matéria e os arcos de circunferência, os rastros das pontas da cruz, em movimento no sentido da esquerda para a direita.

O que estamos tentando demonstrar é que a concepção holística já existiu em civilizações antigas e que parece ser um desafio para nossa época, a retomada da visão globalística nas pesquisas, para entender a realidade cambiante e portanto dinâmica do que existe, seja em nível micro ou macro cósmico.

É necessário entretanto, para que a visão globalística possa reflorescer na cultura humana, somar esforços para que o processo de especialização unilateral seja detido. Em seu lugar deve surgir uma outra forma de ensino de ciência, em que, a abordagem multidisciplinar deve constituir o referencial da metodologia científica. No que se refere à psicologia, há um caminho aberto pela psicologia da gestalt e que deverá continuar sendo enriquecido com perspectivas sociais, econômicas e políticas da sociedade a que pertencem os psicólogos, de tal maneira que possamos adquirir a visão pantônica que consideramos a abordagem científica da nova era.

Há resistências, obstáculos que impedem hoje o desenvolvimento da abordagem global e especificamente o desenvolvimento da ecologia como ciência global. Podemos citar, entre outros:

1. A resistência a inovações, a deixar de lado a abordagem especializada, que esclarece o particular, porém, atrasa a compreensão global dos problemas humanos.

2. Além da inércia própria de profissionais de todas as áreas, que se recusam a enxergar novos caminhos, temos a mentalidade imediatista da utilização dos recursos naturais. Consideramos que isso é conseqüência da mentalidade colonialista em que o importante era tirar o maior proveito, no menor prazo possível, das terras conquistadas.

3. O poder econômico das empresas multinacionais que dominam o mercado e não transformam equipamentos, mesmo sabendo que a fumaça polui e que essa poluição determina o efeito estufa. É realmente absurdo que se continue a usar combustível fóssil em automóveis, quando em termos tecnológicos, o automóvel elétrico só precisa ser lançado no mercado mundial. Só não é lançado para beneficiar em curto prazo os fabricantes de veículo com motor a explosão, que usam derivado de petróleo, e conseqüentemente também beneficiar os cartéis petrolíferos.

Nota: A viabilidade tecnológica do carro elétrico foi demonstrada de forma incontestável, pelo recente lançamento da FIAT italiana, de um carro movido a bateria.

4. A manutenção da injusta distribuição de riquezas e tecnologia entre países de primeiro, segundo e terceiro mundos. A injusta diferença entre países ricos e países pobres, entre pessoas que tem riquezas que não dá para gastar em séculos e pessoas que nada têm.

5. Enquanto em comunicação a Terra já é uma aldeia global, na área das relações políticas e geopolíticas no planeta, a humanidade continua a relacionar-se com seu ambiente como se nada tivesse acontecido, como se a sobrevivência da humanidade não fosse a grande conquista do século XXI.

Consideramos que todas essas resistências poderiam ser superadas em prazos mais curtos e mais facilmente se, em todas as disciplinas científicas se colocassem o homem como centro.

Assistimos estarrecidos ao deslocamento do homem para uma prioridade secundária ou terciária. Enquanto o desenvolvimento tecnológico inclui armas de guerra como ogivas nucleares, foguetes intercontinentais, mísseis autodirigidos, a guerra química e bacteriológica que recebem investimentos maciços, a fome, as doenças, a ignorância se avolumam no mundo.

Se a ecologia conseguir integrar as disciplinas científicas, que são necessárias para o domínio do ambiente, com a finalidade comum de reestruturar o relacionamento homem-planeta Terra, isso constituir-se-á em uma grande força de pressão para que os detentores do poder político e econômico destinem verbas suficientes para que os projetos ecológicos sejam realizados.

Não há a menor dúvida que a Ecologia será a ciência da nova era. Uma nova era em que a humanidade afinará com a vibração de aquário: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Utopia? Evidente que sim. Necessária, porque a utopia é o sonho coletivo da humanidade, é a energia que marca o caminho de evolução material e espiritual do ser humano.

Estamos no umbral da nova era, ainda não começamos a caminhar no ideal aquariano, mas já se sentem os primeiros acordes que, talvez permitam que, juntos entoemos estes versos:

"Eu sou a terra que escorre
entre meus dedos.
Eu sou a água que bebo;
o ar que respiro;
o fogo que alimenta
a chama da vida no planeta Terra.
Eu sou!
Eu sou a quintessência,
a consciência que rege
um quarteto de sonoras harmonias:
um fagote que entoa os tons graves
da Terra, Saturno,
em Dó menor.
Um flautim que ecoa
os sibilinos, cristalinos cânticos
da água de um regato
que volta, mansamente,
para o mar, a Lua, em si menor.
A voz de um cantor;
alento, cata-vento;
logos, pensamento e palavra,
mistério de criação. Mercúrio,
em Lá maior.
Uma trompa de brilho acerado,
de som diamantino
como setas de Apolo;
a força do espírito, o Sol,
em Fá maior."

Nota:

(1) Este ensaio foi escrito em abril de 1992, para ser apresentado numa das reuniões das entidades não governamentais da Eco-92, realizado no Rio de Janeiro.

(2) Especialista em psicologia clínica, doutor associado da PUC-SP. Psicóloga clínica, psicoterapeuta, presidente fundadora do Centro de Psicossíntese de São Paulo e coordenadora de cursos de Formação em Psicossíntese. É membro do Instituto de Psicossíntese, Firenze, Itália, Centro de Bolonha; é membro da AAP – Association for the Advancement of Psychosynthesis, USA, e do Institute of Noethic Sciences, Sausalito, CA, USA.