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BOLETIM CLÍNICO - número 11 - novembro/2001

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


9. O Jardim do Interior - Marina Pereira Rojas Boccalandro(1)

Com este artigo espero trazer alguma contribuição para os que estão interessados em conhecer mais a Psicossíntese, para os que estão interessados em ajudar os seus clientes e também àqueles que querem acrescentar algo prático ao trabalho de crescimento pessoal, através da meditação.

O trabalho de imaginação com jardins já é usado há muito tempo, em exercícios particulares e específicos, mas não exatamente como é feito por mim.

O que eu trago de novidade é que esse trabalho é incorporado ao relaxamento e exercícios respiratórios, como preparo para exercícios posteriores de imaginação.

Numa cidade como São Paulo, onde temos pouco contato com jardins, criar um jardim interno, nos ajuda a estar mais próximos da natureza, do verde tão necessário para o nosso equilíbrio psicológico.

Antes de iniciarmos o assunto do jardim, propriamente dito, creio ser necessário colocar uma definição de Psicossíntese, que é uma abordagem psicológica, adotada por mim no meu trabalho como psicoterapeuta.

Isso se faz necessário, por ser essa abordagem pouco conhecida, sendo que a mesma não é ensinada nas nossas faculdades brasileiras de psicologia, pelo menos, que eu tenha conhecimento.

A Psicossíntese é uma abordagem psicológica humanista transpessoal, onde o homem é o Self, esse centro de pura energia, de onde flui o saber para o crescimento do eu pessoal.

Amor de Vontade são os arquétipos que dão estrutura a sua organização.

A Psicossíntese nos remete a uma lei geral de síntese, individual e cósmica, onde tudo parte de totalidades mais simples, para totalidades cada vez mais complexas.

Na psicossíntese muitas técnicas são usadas e entre elas podemos citar o trabalho com a imaginação, que é de extrema importância no processo psicoterápico e também no processo de psicossíntese pessoal e transpessoal.

Segundo Assagioli (l982, pp. 155-l56), o criador da Psicossíntese, "a imaginação é uma função que é, em si mesma sintética, em certa medida, uma vez que imaginação pode funcionar concomitantemente em muitos níveis: os da sensação, sentimento, pensamento e intuição. Inclui todos os vários tipos de imaginação, como a visualização - a evocação de imagens visuais - a imaginação auditiva, tática, sinestésica, etc".

Dentro do processo psicoterápico, além do trabalho verbal, do uso do relaxamento e treinamento da respiração, tenho usado nesses últimos dez anos, a técnica da imaginação semidirigida.

Porque a chamo de semidirigida? Porque o estímulo é dado através de algumas sugestões e a partir disso, o cliente deixa a imaginação fluir e "cria" a sua vivência. Portanto com as mesmas sugestões, nunca encontramos duas vivências iguais. Cada um cria a sua experiência no seu mundo imaginário.

Para usar essa técnica tenho me utilizado da criação de um jardim interno, que é por onde começamos a entrar em contato com nossos conteúdos interiores.

Porque criamos um jardim interno?

Vejamos alguns simbolismos da palavra jardim, que nos ajudarão a entender a importância da mesma.

Chevalier e Gheerbrant (1992, pp. 5l2-515) nos dão vários simbolismos de jardim. Entre os muitos citados, vamos levantar alguns: o jardim é símbolo do Paraíso Terrestre, do Cosmos, do qual ele é o centro e representa os estados espirituais que correspondem às vivências paradisíacas.

Os esponsais de Zeus e Hera foram celebrados no maravilhoso e mítico Jardim das Hespérides, símbolo de fecundidade sempre remanescente... Esse jardim de maçãs de ouro tem uma entrada que é defendida por um dragão que se apodera do jardim com todas as suas riquezas. O mito representa uma espécie de paraíso, objeto dos desejos humanos e de uma possibilidade de imortalidade (a maçã de ouro) e isso juntamente com o triunfo de Heracles são um dos símbolos da luta do homem para alcançar a espiritualização que lhe assegurará a vida eterna.

Nos jardins egípcios cada flor tinha sua linguagem própria:

Os canteiros de mandrágoras eram símbolo do amor, os lótus de pétalas abertas evocavam o disco do sol e seu enraizamento na água, o nascimento do mundo.

Na Roma antiga, os jardins eram extremamente refinados, combinando estátuas, escadarias, fontes, grutas, repuxos, onde a vegetação era subordinada ao homem. Esses jardins eram um símbolo do poder do homem, do seu poder sobre a natureza domesticada. Aí o jardim era um símbolo de cultura em oposição à natureza selvagem, de reflexão, em oposição à espontaneidade, de ordem em oposição à desordem, da consciência em oposição inconsciência.

Na Pérsia o jardim tomou um significado, não apenas cósmico, mas também metafísico e místico. O tema do jardim está aparentado ao do oásis e da ilha: frescor, sombra, refúgio.

Os tapetes persas reproduzem jardins, onde o campo é dividido por canais retilíneos, em que nadam peixes. Esses canais se cruzam em ângulo reto enquadrando canteiros cheios de flores e arbustos. Muitas vezes, encontramos no centro, um palácio, uma montanha, uma fonte ou uma árvore e esses tapetes representam uma mandala. A beleza das flores traz à alma reminiscências da eternidade. A alma na sua ascensão tendo atravessado todos os graus de existência, sabe, por si mesma, o que significa ser uma planta.

O simbolismo mítico do jardim persa é bem retratado por Louis Massignon (1951, p.97), no seguinte trecho:

"Ao lado do espelho d'água, o senhor do jardim ocupava um quiosque e concentrava seu devaneio nesse espelho de água central. Na periferia havia flores perfumadas. Depois vinham as árvores, mais e mais juntas, cada vez maiores, até o limite do muro, que isola o recinto. Há nisso uma espécie de símbolo: assim como as árvores são cada vez mais e mais esparsas e menores, à medida que se aproximam do centro, assim também a gente as vê cada vez menos e tem cada vez menos vontade de olhar em torno: a atenção se volta para o centro, para o espelho. É o jardim fechado do Cântico dos Cânticos... 'e também um símbolo da união da racionalidade construtiva dos iranianos com a sabedoria alusiva da árvore.

Na bíblia Sagrada (1979, pp. 829-830), no Cântico dos Cânticos, um dos mais belos, um dos mais conhecidos, rico em símbolos e talvez o mais comentado pelos autores místicos, Salomão fala assim em alguns de seus trechos desse canto:

_ És jardim fechado, minha irmã, minha noiva,
Uma nascente fechada, uma fonte selada...
És a fonte do meu jardim
Uma fonte de água viva,
Um riacho que corre do Líbano...
_ Levanta-te vento norte,
Vem tu vento do sul.
Sopra no meu jardim
Para que se espalhem os meus perfumes.
Entre meu amado no seu jardim
Prove-lhe os frutos deliciosos.
_ Entro no meu jardim
Minha irmã, minha noiva,
Colho a minha mirra e o meu bálsamo,
Como o meu favo com meu mel,
E bebo o meu vinho com o meu leite.

Aeppli (1951), no seu livro Les rêves e leur interpretations, diz o seguinte: o jardim é o lugar do crescimento, do cultivo de fenômenos vitais e interiores. O fluxo das estações se cumpre por meio de formas ordenadas ... a vida e sua riqueza tornam-se visíveis da maneira mais maravilhosa. O muro do jardim mantém as forças internas, que florescem... Só é possível penetrar no jardim por uma porta estreita. Aquele que sonha é obrigado freqüentemente a procurar essa porta dando a volta ao muro.

É a imagem de uma longa evolução psíquica que alcançou uma riqueza interior... O jardim pode ser a alegoria do Eu, quando no seu centro se encontra uma grande árvore ou uma fonte... O jardim designa muitas vezes o que os homens procuram e louvam. Parando um pouco de examinar o simbolismo da palavra jardim vamos começar a abordar a técnica do diálogo interior, que é também um trabalho de imaginação.

Fiorucci (1999, p. 165), ilustra muito bem essa técnica contando uma história oriental, que é a seguinte:

"Certo dia, os deuses resolveram criar o Universo. Criaram as estrelas, o Sol, a Lua, os mares, as montanhas, as flores e as nuvens. Depois criaram os seres humanos e finalmente, a Verdade. Então surgiu um problema: onde deveriam esconder a Verdade, de modo que os seres humanos não a descobrissem de imediato? Eles queriam prolongar a aventura da busca.

"_Vamos esconder a verdade no topo da mais alta montanha, disse um dos deuses. Certamente será difícil encontrá-la.

_Vamos colocá-la na estrela mais distante, disse outro.
_ E outro diz: Vamos escondê-la no mais escuro e profundo abismo.
_E outro: Vamos escondê-la no lado oculto da Lua.
Finalmente o mais antigo e mais sábio deus disse.
_Vamos esconder a Verdade dentro do próprio coração dos seres humanos. Deste modo eles irão procurar por ela por todo o Universo, sem se darem conta de tê-la dentro de si mesmos o tempo todo."

Dentro da Psicossíntese, a técnica do diálogo interior é muito importante, não só para o auto conhecimento, como para achar respostas próprias aos problemas que se esteja vivendo, refletir sobre qualidade que se quer adquirir ou fortalecer.

Nesse diálogo podemos entrar em contato com o nosso velho sábio, com o nosso terapeuta interno, com o que existe dentro de nós e saber qual o melhor caminho a trilhar.

A técnica do jardim interior propicia um espaço interno, dentro do nosso coração, um lugar onde podemos nos sentir tranqüilos, seguros e confortáveis. Um lugar que podemos criar de acordo com o nosso gosto, colocando nele tudo o que apreciamos e valorizamos.

Nele podem estar as nossas árvores preferidas, as flores e os frutos que nos agradam. Lá podemos ter o espaço sagrado para nossa meditação. Lá podemos ter a nossa casa, o nosso templo, a montanha onde podemos subir e vislumbrar os nossos problemas do alto, de uma dimensão superior. Lá podemos ter os 4 elementos: a terra macia e fofa, a água da fonte clara e cristalina, o ar na brisa fresca e perfumada e o fogo nos raios do sol. Lá podemos nos harmonizar nas 7 cores do arco íris, viajar no tempo presente, passado e futuro. Lá podemos ter uma caverna ou um vale profundo, onde podemos entrar em contato com os conteúdos do nosso inconsciente. Lá podemos contatar cada uma de nossas sub personalidades e fazer nossos exercícios de treinamento da vontade. E principalmente lá podemos ter um lugar sagrado, no centro do jardim: uma fonte, uma árvore, um quiosque, um coreto, uma clareira, um círculo sagrado, traçado no chão, onde sentamos para meditarmos e entrar em contato com o nosso Self, o nosso Eu Superior, o centro do nosso ser.

Fanning (1993, p.57) nos fala da importância de termos um lugar interno idealizado para se fazer os exercícios de visualização, imaginação ou meditação. Fala das diversas possibilidades: uma praia, uma campina, uma montanha, uma floresta ou um deserto. Ele coloca também que pode ser um local já conhecido ou criado pela própria imaginação. Diz que o importante é que seja tranqüilo, confortável, nem quente, nem frio, seguro e relaxante, onde a pessoa possa se sentar ou deitar de forma confortável, que tenha flores, plantas, pedras e mobília, que tenha um lago e uma área como um palco natural, uma TV, tela de cinema ou bola de cristal.

Mercier (l980) nos fala da importância dos sonhos com jardins. Para ele o jardim é o lugar vibratório da alma e sonhar com ele é sinal de retorno a pureza, à essência original, à primeira infância, onde a alma, novamente encarnada, traz em si ainda a nostalgia dos jardins cósmicos... O sonho com jardim está ligado à visita ao centro emocional do cosmos pelo duplo do sonhador. Esse centro emocional poderá transformar-se e modelar-se conforme o nível da consciência do sonhador. Para ele o jardim é um resumo do Universo, no qual os Espíritos Germens do Sol tombam como orvalho. Sonhar com um jardim magnífico, significa principalmente, uma volta ao divino. As flores que exalam um perfume da alma são como uma memória do tempo edênico.

Parfitt (1994, p.43) propõe um exercício chamado "O Jardim da Beleza" para trabalhar com as subpersonalidades. Nesse exercício a subpersonalidade mora em uma casa rodeada por um jardim de flores exuberantes e perfumadas. Ele orienta a pessoa a visualizar um dia claro de sol e temperatura agradável. Nesse contexto ele propõe que a pessoa entre em contato, conheça melhor e participe na transformação dessa subpersonalidade.

Creio, que depois dessa introdução, aonde vimos um pouco do simbolismo da palavra jardim, a importância das técnicas de imaginação, no processo de psicossíntese, podemos falar propriamente da técnica do jardim do interior, como é usada por mim.

No início do processo psicoterapêutico tenho por norma, trabalhar com técnicas de relaxamento e respiração, que são fundamentais para que os exercícios com a imaginação possam realmente serem eficazes.

Podemos usar várias técnicas de relaxamento e respiração. Em geral usamos aquelas que dominamos melhor, aquelas com as quais nos identificamos, mais aquelas que são mais indicadas para nossos clientes.

Em geral, trabalho com o treinamento autógeno de Schultz, Reiki, calatonia, toques e massagens nas extremidades (pés e cabeça) e outras técnicas, dependendo da problemática do cliente. Não cabe aqui explicar essas técnicas.

Numa primeira sessão de trabalho corporal, geralmente, uso a técnica da conscientização do corpo, que é a seguinte:

Depois do cliente deitado, com as pernas ligeiramente afastadas, braços ao longo do corpo, coluna alinhada e cabeça posicionada na linha da coluna, peço a ele que sinta todo o seu corpo, dos pés à cabeça. O cliente é orientado a seguir as instruções do terapeuta, que são as seguintes:

1. Leve sua atenção para a sola do seu pé direito, sinta os dedos, o dorso do pé, calcanhar, tornozelo, perna, joelho e a coxa até a virilha. Sinta toda sua perna direita da sola do pé até a virilha. Se o cliente tiver dificuldade de sentir ou visualizar mentalmente o que lhe é solicitado, sugiro que movimente a parte mencionada para torná-la mais presente na sua imaginação. Depois passo para a perna esquerda, seguindo a mesma seqüência.

2. Descontraia anus e vagina (no caso das mulheres). Sinta suas nádegas e costas apoiadas na cama. Sinta sua barriga e peito.

3. Leve sua atenção para sua mão direita, sinta primeiro os dedos da mão, a palma da mão, o dorso, o pulso, o braço, o cotovelo e o antebraço até o ombro. Sinta todo o seu braço esquerdo das pontas dos dedos até o ombro. Depois sigo a mesma seqüência para o braço esquerdo.

4. Sinta seus ombros, nuca, pescoço, solte sua cabeça.

5. Leve sua atenção para o seu rosto, solte seu maxilar, seus lábios, sua língua, sinta ela bem colocada na boca. Separe levemente os dentes de cima dos de baixo. Perceba a musculatura do rosto, suas pálpebras, seus olhos sua testa e todo seu couro cabeludo.

6. Agora; preste atenção na sua respiração.

7. Preste atenção nos batimentos do seu coração.

8. Sinta novamente todo o seu corpo, dos pés à cabeça.

Depois que o cliente está mais familiarizado com o seu corpo, sua respiração está mais equilibrada e já sente os batimentos de seu coração é que começo a trabalhar com a imaginação.

Cada cliente tem seu tempo, seu ritmo e isso deve ser respeitado. É muito importante em cada sessão pedir a ele que focalize a atenção no seu coração, sinta que ele bate forte e tranqüilo dentro do peito, porque é nesse espaço que vou ajudá-lo a criar o seu jardim, no seu centro emocional.

Quando inicio o trabalho com a criação do jardim interno aplico o que chamo de Jardim Interno(1), que é o seguinte:

JARDIM INTERNO (1)

Depois do cliente estar relaxado, já ter feito o treino da respiração e sentido os batimentos cardíacos, peço a ele que, com a sua imaginação, entre no seu coração onde vai encontrar um jardim, o jardim do seu interior. Geralmente, o jardim é separado por um portão ou porta estreita, que ele deve abrir, para entrar nesse espaço interno.

A primeira vez que faço esse exercício, deixo que o cliente encontre o seu jardim, sem propor nenhuma modificação. Isto depois é trabalhado para se verificar como ele lida com um espaço interno, onde ele possa meditar, refletir e buscar um contato mais íntimo consigo mesmo. É muito comum se encontrar jardins escuros, maltratados, úmidos, às vezes assustadores, ou muito pequenos, cercados com grades ou muros, sem uma visão mais ampla ao seu redor. Essas percepções devem servir de material para se trabalhar no processo terapêutico verbal. Depois que o cliente ficou algum tempo nesse espaço pede-se a ele que vá deixando o seu jardim, passando pelo portão por onde ele entrou e vá voltando para a sala. Depois disso, que vá saindo do relaxamento, seguindo os passos normais dos exercícios anteriores.

Já numa sessão posterior aplico no cliente o exercício do Jardim Interno, que é o seguinte:

JARDIM INTERNO (2)

Depois que o cliente relaxou, seguindo os passos dos exercícios anteriores, quando estiver com sua atenção voltada para os batimentos cardíacos, peço a ele, que com sua imaginação, entre no seu coração e aí encontre um jardim. Provavelmente ele encontrará novamente o portão, que ele precisará abrir para entrar nesse espaço do seu mundo interno. Esse exercício deve sempre ser feito depois do Jardim Interno (1).

Se ele encontrar o jardim da semana anterior e esse jardim não for do seu agrado, que comece a transformá-lo, colocando as árvores, as flores, os aromas, as frutas, os animais, os perfumes preferidos, etc. Depois disso peço a ele que entre em contato com o jardim através dos seus sentidos, tentando captar o maior número possível de detalhes do mesmo. Primeiro que use a sua visão: olhe o formato das árvores, as cores das flores, as nuances de verdes das folhas, o azul do céu, o brilho do sol (dou uma pequena pausa para ele poder se ligar nesse sentido); a seguir ele vai usar a sua audição, para tentar escutar os sons do seu jardim: passarinhos cantando, pequenos animaizinhos correndo pelas folhas secas, o som da brisa ou do vento, batendo nas folhas (pausa).

Depois o oriento a usar o sentido do olfato, peço a ele que sinta os aromas do seu jardim: o cheiro das flores, das resinas das folhas perfumadas, talvez a terra molhada pela chuva, o aroma dos frutos nas árvores (pausa). Depois disso ele vai exercitar o tato: peço a ele que toque nos troncos das árvores, sinta a rugosidade de alguns deles, a maciez das pétalas das flores, se sinta descalço, pisando na grama ou na terra, sinta o vento batendo e o sol aquecendo a sua pele (pausa).

Por último, que ele exercite o seu paladar, colhendo um fruto do seu jardim, um que lhe apeteça, sinta o gosto, a textura e a temperatura do mesmo em sua boca.

Depois disso, peço a ele que volte a se sentir na sala, saia do relaxamento e conte como foi a experiência. Como era o jardim que ele encontrou? Quais os sentidos mais fáceis e quais os mais difíceis de vivenciar?

Trabalho com essas imagens, procurando entender o seu significado junto com o cliente. Depois em sessões seguintes, peço a ele que vá modificando esse espaço interno a seu gosto, colocando as árvores, as flores, os frutos, os pássaros e tudo o que for do seu agrado, para ter um local interno, tranqüilo, aconchegante, onde se sinta seguro e protegido. Aos poucos peço a ele que introduza uma montanha, uma casa, um vale profundo, ou uma caverna ou gruta, que tenha um riacho, ou um lago, ou nascente de água, ou uma fonte.

Esses itens são colocados para que se possa em outras sessões, se trabalhar os vários níveis do consciente e do inconsciente. Se o cliente viu seu jardim cercado de grades, um espaço pequeno, incentiva-se que ele vá pesquisando mais espaços ao redor, ampliando o seu jardim, aumentando, simbolicamente, o conhecimento do seu espaço interno. Esse exercício é de extrema importância para o meu modo de trabalhar, porque quase todos os exercícios de imaginação semidirigida são feitos a partir desse espaço interno.

Também é importante que esse jardim tenha um centro, delimitado que pode ser uma fonte, uma árvore, um coreto, uma casa, uma montanha, um templo, uma clareira ou um círculo sagrado, desenhado no chão. É nesse lugar que ele vai meditar, entrar em contato com a sua sabedoria interna e fazer a grande maioria dos exercícios de imaginação.

Depois desse espaço interno estar criado e o cliente estar familiarizado com seu jardim, todos os exercícios posteriores, de imaginação e meditação podem ser feitos dentro desse local criado e construído pela própria imaginação, de acordo com o gosto pessoal de cada um.

Com a técnica do jardim do interior podemos também trabalhar as quatro estações do ano e os seus significados na nossa vida.

O que corresponde ao outono, são as épocas em que estamos perdendo coisas, pessoas, amizades, empregos, valores e tantas outras coisas... No inverno nos recolhemos dentro de nós mesmos, nos interiorizamos, deixando que a introspecção, o contato com o nosso interior nos mostre novas saídas, novas resoluções, novos valores... Na primavera, mudamos, nos exteriorizamos, trocamos mais afeto, nossa vida fica mais colorida e exuberante... e no verão estamos curtindo nossas conquistas, nossas mudanças realizadas na primavera...

O jardim que tem um centro é uma mandala viva, que se modifica a cada estação. Pode estar exuberante, como no verão, perdendo folhas como no outono, brotando em flores e luminosidade como na primavera e recolhido, sem folhas ou flores, frio e úmido no inverno.

Se fizermos analogia com as épocas diferentes de nossa vida, veremos, que nada permanece, tudo se altera, se transforma. Nem as fases ruins, nem as fases boas são permanentes.

Com o jardim trabalhamos a impermanência, qualidade tão necessária para aceitarmos as mudanças, as perdas e as substituições em nossas vidas.

Para encerrarmos uma poesia de Waldemar Augusto Angerami - Camon que foi composta especialmente para esse trabalho:

O MEU JARDIM INTERIOR

Passeio pelo meu jardim...
ele está florido...bem florido...
é Outono e sua florada
denuncia um tempo esplendoroso
de muitas flores...
vejo as espatodias com sua
cor alaranjada... as quaresmeiras roxas,
rosas e brancas...
também vejo as cássias aleluias
amarelando a vida de encanto
e amor... e as paineiras
luzindo sua cor rosada dentro do
coração... ontem mesmo era Verão...
um Verão cheio de cor e calor...

Verão com a cássia imperial
mostrando a formosura
de tons e semitons amarelos...
um amarelo formando cachos de
flores... muitas flores...
tinha também a florada
do flamboyant tornando
a definição do belo
algo insólito diante de sua beleza...
eu sou essa florada... essas alamedas de flores...
sou o universo...eu sou o flamboyant... a
cássia imperial sou eu, e você...

Passeio pelo meu universo...
pelo meu jardim...
pelo meu interior...
a maior viagem que posso
realizar é essa: buscar as floradas
dentro de mim mesmo...
buscar a tonalidade dos tons
e semitons dentro da minha subjetividade...
buscar a perspectiva da
florada dentro do meu ser...
na perspectiva de um novo
desdobramento que se
ilumina e que me faz
perceber que eu sou
o universo...que eu sou o meu interior
resplandecendo luz,
vida e amor...eu sou
a florada encantadora do Inverso...eu sou
a florada mágica do Inverno
luzindo nas flores do Ipê-Roxo...
da Copaíba...da Suínã...

Eu passeio pelo meu jardim...
e descubro cada detalhamento
de seu esplendor... do encantamentov de sua subjetividade... do reluzir da vida
que transpassa do
meu interior para a exterioridade...
e da exterioridade para a
minha subjetividade...
eu também sou a florada da Primavera...flores
da Sibipiruna... da Tipuana... do Ipê-Amarelo...
e das flores brancas da Figueira...
o meu jardim é maravilhosamente iluminado...
traz as nuances da paz em seus detalhamentos...
do amor em seus desvelamentos... um jardim
que me faz melhor como pessoa...melhor como
florada...uma luz que se lança em busca de
novos horizontes...

Eu sou a luz de magia do luamento
sobre a florada... no
encantamento do firmamento
e no envolvimento com as nebulosas no firmamento...
eu sou a Constelação de Escorpião mostrando
o encantamento do Inverno
no céu azulado das noites frias...
Eu sou o olorar dos craveiros
na madrugada...a brisa
que sopra nas manhãs primaveris...
a noite quente de Verão... e o orvalhar nas
noites de Outono... meu jardim e a magia do
universo dentro do meu ser...
e a minha condição humana...

E passeando percebo
muitas outras floradas... muitos outros encantamentos
...
muitos outros desdobramentos
de crescimento pessoal...
de desvelamento... e da doce e suave
magia da própria
florada dentro de mim... não há como
distanciar-se do meu jardim...
ele é a minha luz... o meu horizonte
descortinando-se para um novo amanhã...
para uma nova dimensão
da própria condição humana...
da paz da oração... do encontro com Deus
através das flores... do encontro das flores
através do divino... e do encontro de mim mesmo
através da doce oração das flores...

O meu jardim me mostra o amor...
a dor... a ternura...
a paz... o encantamento das
manhãs de Outono... do entardecer do Verão...
e da magia do luamento no Inverno... o meu
jardim mostra a luz do amanhã
em meu coração...
o desejo de felicidade na minha alma e a
vontade de gritar sobre o encantamento do
amor e de sua relação com as flores...
a música de Mozart... uma doce e suave canção
de alegria...mostra a ternura de mãos
que se afagam e se acarinham...

O meu jardim por tudo e
além de tudo é amor... amor e flor...
flores e a divindade de se descobrir
vivendo a subjetividade dentro do meu
próprio ser... em tudo que tenha de mais
divino: a minha realidade interior...
o meu universo subjetivo... as minhas
flores do coração e d'alma

BIBLIOGRAFIA

1. l- Aeppli,E. l951 - Les rêves e leur interpretation - Paris
2. Assagioli, R. 1982 - Psicossíntese - Manual de Princípios e Técnicas - Cultrix - São Paul0.
3. Bíblia Sagrada 1979 - Edição claretiana - Editora Ave Maria Ltda. São Paulo.
4. Chevalier,J. e Gheerbrant, l992 - Dicionário de Símbolos - José Olímpio Editora - Rio de Janeiro
5. Fanning, P. 1993 - Visualizar para mudar - Editora Siciliano - São Paulo
6. Fiorucci, P. 1999 - O que podemos vir a ser - Editora Totalidade - São Paulo.
7. Massignon, L. 1951 - L'áme de Iran - Paris
8. Mercier, M. 1980 - Le monde Magique des rêves - Editions Dangles, St.Jean-de-Brayer- France.
9. Parfitt, W. 1994 - Elementos de Psicossíntese - Ediouro, S.A. Rio de Janeiro.

Nota:

(1) Psicóloga clinica, psicoterapeuta, mestre e doutoranda em Psicologia Clínica, Chefe da Clínica Psicológica “Ana Maria Poppovic” da PUC-SP, professora assistente mestre da PUC-SP, com especialização em Psicossíntese pelo Centro de Devon, Inglaterra e especialização em Administração Hospitalar pela Academia Brasileira de Medicina Militar.