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BOLETIM CLÍNICO - número 11 - novembro/2001

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE DOS E-MAILS

Aqui descreveremos alguns aspectos referentes à leitura e análises dos e-mails, para uma melhor compreensão do trabalho desenvolvido no grupo.

ANÁLISES DOS E-MAILS RECEBIDOS: ESCUTA, LEITURA E ANÁLISE DO TEXTO ESCRITO

Para responder aos e-mails foi necessário adotarmos alguns procedimentos de leitura e busca de compreensão destes pedidos de ajuda. Destacaremos a seguir alguns dos cuidados tomados nesse sentido.

1. "Tom de voz": A escuta do e-mail e análise de texto escrito

Quando dispomos apenas de um texto escrito, é mais difícil percebermos que emoção está sendo expressa pelo seu remetente. Se não dispomos de dados suficientes, na própria escrita, que nos dêem indicações a respeito é possível que interpretemos a frase emprestando-lhe o "tom de voz" que desejarmos, ou escolhermos, o que não necessariamente corresponde à intenção do redator. Uma mesma frase pode ser "dita" (ou "lida") de forma agressiva, amorosa, desesperada, cínica, etc.

Por isso é necessário todo cuidado durante a leitura destes textos. Quando recebemos um e-mail, boa parte da resposta vai ser baseada na interpretação dada ao seu tom emocional, tom esse que é de uma maneira ou de outra, assumido no momento da leitura. Qual será o tom de voz pretendido na mensagem?

Se por um lado, a comunicação mediada pelo computador nos omite esse dado, por outro temos acesso à análise do texto escrito: este também é um dos instrumentos de trabalho do psicólogo, e é usado, por exemplo, na leitura das respostas aos testes projetivos - onde se deve contar uma história, ou então em análises de autobiografias, etc. Toda fala tem uma estrutura de frase, de escolha das palavras. O que fazemos frente aos e-mails é analisar esta escolha de termos, o modo como o sujeito usa as palavras e frases.

Já somos razoavelmente treinados para a "escuta" dentro do contexto das terapias convencionais: nos adaptamos a ouvir pacientes no espaço do setting terapêutico. Há que treinar agora uma escuta, específica para a mensagem contida no e-mail. É forma de escuta muito nova. Talvez, assim que pudermos aprender a ouvir adequadamente esta nova demanda, nos tornemos capazes de discriminar características muito peculiares dessa nova forma de expressão.

Por outro lado, o psicólogo conta ainda com outro dado: a "impressão" mais ampla que o texto nos evoca. Pois decerto, quando o lemos, algo nele transmite, por sua escolha de palavras e frases.

Não nos é possível ainda qualificar exatamente o que a pessoa está sentindo, via e-mail. Mas seu texto nos transmite emoções e sentimentos. Nós sentimos, e essa é a possibilidade da escrita, ela consegue passar estados emocionais: lembremo-nos da poesia.

Quantos de nós já não tivemos sentimentos e sensações ao ler um bom poema? Esse é um dado, uma "impressão" a ser levada em conta nesta leitura/escuta; e tal impressão é mais que uma mera suposição sobre a situação em que se encontra a pessoa.

2. A Subjetividade do psicólogo como "instrumento" e "risco" para a emissão de uma resposta

O principal instrumento que o psicólogo dispõe para elaborar essa "impressão" mobilizada pelo texto do e-mail é a sua própria subjetividade. Na psicoterapia convencional já dispomos de todo um aparato de recursos que visam justamente facilitar a discriminação dos conteúdos do terapeuta em relação aos conteúdos do paciente.

Na comunicação via internet não dispomos ainda destes parâmetros. Por isso é necessário um maior cuidado ao se emitir uma resposta, pois esta pode estar muito contaminada por conteúdos pessoais, próprios do psicólogo, e estranhos ao redator da mensagem. A subjetividade do psicólogo é, ao mesmo tempo, o instrumento principal e o maior perigo a rondá-lo ao se dispor a tratar esta questão.

Que imagens a leitura do e-mail nos suscita? Uma vez sensibilizados a partir de um ponto, a partir de uma leitura, de um som... É quando somos municiados de fatores que no fazem interagir; e enquanto uma imagem sensorial não se delineia, nós vamos interagir muito mais em função dos processos de consciência nossos - o que em Psicanálise recebe o nome de contra-transferência - do que em uma interatividade positiva, em um processo relacional.

Devemos sempre levar em conta, num primeiro momento, essas diversas impressões evocadas pelo texto. Por essa razão a supervisão deste trabalho é feita em grupo: para que as mais diversas impressões sejam levadas em conta durante a leitura da mensagem e sua análise, bem como para a elaboração da resposta a ser enviada.

Mas será possível deixarmos de interagir com conteúdos próprios e passarmos a nos relacionar apenas com o texto propriamente dito? Por ora temos que nos manter na busca do equilíbrio entre este par de opostos. Uma radicalização indesejada seria "interpretar" além da conta, e dar ao texto uma entonação que não corresponde à intenção do remetente; No outro pólo estaria colocada a atitude de suposta "neutralidade" do leitor da mensagem. Há que se trabalhar com impressões e ter consciência de que elas partem de nossa própria subjetividade, e que podem corresponder - ou não - ao real estado do sujeito.

Quando respondemos não ignoramos essas impressões. Trabalhamos sempre procurando responder as mensagens de forma a incluir esta dinâmica em nossa resposta, sem menosprezar as limitações do instrumento que até aqui dispomos, para interagir com estas pessoas.

3. Limites da Orientação via E-mail

De modo geral, a comunicação mediada por computadores ainda é objeto de estudos e avaliações. Analogamente, enquanto recurso para a realização de serviços em Psicologia este canal de contato também está sob nossa atenção crítica. No entanto, ainda que não possamos afirmar com precisão a eficácia desta modalidade de orientação psicológica, partimos do princípio que ela é de alguma ajuda para as pessoas a quem temos respondido, ainda que provavelmente tal ajuda possa ser limitada.

Temos consciência de alguns desses limites, conforme já apontamos anteriormente. Porém cabe considerar aqui que tais limites se evidenciam na medida em que esta modalidade de prestação de serviço em Psicologia é avaliada em comparação às modalidades convencionais já consagradas.

Pode ser que nossa tarefa ora apenas iniciada seja bem mais ampla: pode ser que nosso real desafio frente às novas demandas surgidas na Era das Comunicações seja a construção de novas modalidades de escuta, acolhimento, e intervenção em Psicologia. Neste momento vale lembrar a diferenciação entre "Orientação" e "Terapia on line". Não é, nem nunca foi, proposta de nossa Clínica realizar atendimento terapêutico via chat ou e-mail. Fizemos essa opção tendo em conta nossas atuais limitações frente à comunicação possível via Internet.

No entanto percebemos, em nossa prática, que é possível "Orientar" quem nos pede ajuda, na medida em que este processo possa ocorrer de modo delimitado, isto é: através de uma troca de e-mails pré-definida, tanto no que diz respeito ao número de mensagens trocadas quanto à temática tratada. Lembremos que modalidades de trabalho semelhantes já ocorrem através de outros meios de comunicação com bons resultados (rádio, televisão, revistas).

Quando percebemos que o problema exposto pelo remetente transcende os limites da orientação, procuramos encaminhá-lo para locais onde possa procurar ajuda presencial. Essa decisão é tomada com base na análise feita pelo grupo de supervisão de acordo com o processo já descrito anteriormente.

Em casos nitidamente graves, tais como problemas de luto, psicoses, suicídio, ou outros que necessitem atenção urgente, a resposta que elaboramos tem como objetivo principal uma sensibilização para a busca de uma terapia presencial e a indicação de local onde a pessoa possa ser atendida.

EVOLUÇÃO DA DEMANDA POR ESTE SERVIÇO

Embora a eficácia desta via de orientação psicológica seja uma preocupação constante da equipe, não realizamos ainda um estudo detalhado a respeito. Porém, os números que apresentaremos podem ser considerados como indicadores, ainda que parciais, sobre sua relevância para a população atendida.

Conforme pode ser verificado nos gráficos 1 e 2, os números nos demonstram não apenas o considerável crescimento da correspondência geral da Home Page da Clínica (aproximadamente 150% entre 2001/2002), mas também um crescimento ainda mais expressivo da demanda específica pelo serviço de Orientação via e-mail (250%) no mesmo período. Consideramos aqui apenas este intervalo de tempo na medida em que, somente a partir do final de 2000 passamos a realizar o trabalho mais sistemático de supervisão das respostas às mensagens recebidas, nos moldes já descritos.

Os números apresentados nestes gráficos ilustram a evolução observada nos intervalos dos meses de janeiro a junho de cada ano registrado. Porém cabe informar que este relato está sendo finalizado em 17/06/02, portanto não inclui ainda as mensagens recebidas na segunda quinzena de junho de 2002, período esse ainda em curso.

Uma análise mais detalhada ainda está em andamento na equipe, porém podemos adiantar aqui as queixas mais freqüentemente relatadas nas mensagens até este momento: Depressão e/ou ansiedade; Queixas auto-referentes, ainda que menos específicas; relacionamento afetivo ou conjugal; Transtornos de ordem psiquiátrica (esquizofrenia, transtorno bipolar); Dificuldades na área da sexualidade, entre outras.

De modo geral a freqüência de procura pelo serviço tem sido equiparada, entre homens e mulheres. A idade predominante dos remetentes das mensagens situa-se entre 20 a 30 anos, porém temos recebido também, com relativa freqüência, mensagens de pessoas com idade média entre 55 a 60 anos.

Em que pesem todos os limites apontados, bem como todos os aspectos ainda abertos à discussão, esta forma de atendimento nos parece ser, dentre as modalidades de atendimento psicológico mediada por computador, uma das mais promissoras. Tanto no que diz respeito às possibilidades de aprimoramento qualitativo desta forma de trabalho em Psicologia, quanto no que tange ao seu potencial de abrangência da população.

* Atualmente - junho de 2002 - temos, em média, de 25 a 30 visitantes/dia.

** Grupo de Trabalho sobre Atendimento Mediado por Computador - Grupo de discussão coordenado pela Dra. Elisa Sayeg, então Conselheira do CRP/06.

***Atualmente esta modalidade de trabalho em Psicologia é reconhecida, e realizada de acordo com as normas estabelecidas na Resolução 003/2000, promulgada pelo Conselho Federal de Psicologia em 25 de setembro de 2000, que regulamenta os atendimentos psicológicos mediados por computadores.

****Laboratório de Estudos sobre o Luto - dirigido pela Professora Dra. Maria Helena Pereira Franco.

Rosa Maria Farah é Coordenadora do NPPI - Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática, que atualmente constitui o "Serviço de Informática" da Clínica Escola.

O material aqui apresentado é fruto da elaboração do grupo de estagiários e supervisores do NPPI, ao longo do desenvolvimento do Serviço de Orientação Psicológica via E-mail.