BOLETIM CLÍNICO - número 11 - novembro/2001
Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos
6. Poder olhar, ser visto e existir: possibilidade de revisão e expansão da vida na velhice - Ruth Gelehrter da Costa Lopes
A Psicoterapia em Grupo para Idosos teve origem tanto na crença de que todo o indivíduo em qualquer faixa etária tem o direito de acesso a um bem estar global, quanto na necessidade de sensibilizar a comunidade para as especificidades das demandas nesta idade. A implantação de mais este serviço na Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovic" ocorreu em 1989*.
Pretendemos aqui, historiar as alterações e evoluções ocorridas desde então. Uma pesquisa** realizada no bairro da Lapa apontou a carência de atendimentos psicoterapêuticos, no entanto, a divulgação feita nas instituições freqüentadas pelos idosos e no jornal do Conselho Regional de Psicologia não reverteu em efetiva procura por este serviço. A alternativa de publicar um artigo num jornal dominical de ampla circulação gratuita*** teve como resultado um número significativo de inscrições.
A IMPLANTAÇÃO
É Importante ressaltar que, no instante que se passou à fase de triagem tivemos uma desistência sensível, principalmente da população masculina; a maioria dos interessados procurava aulas, debates e viagens. Re-examinando o artigo publicado, identificamos um fator que pode ter contribuído para essas atitudes: a foto utilizada para ilustração - sala de aula com idosos -, provavelmente tenha suscitado tais associações. Também, o comentário quanto à dificuldade dos homens buscarem ajuda psicológica e criarem obstáculos para a freqüência de suas companheiras à terapia, não alterou o comportamento masculino com relação à psicoterapia.
Foram feitas várias tentativas quanto à maneira de nomear esta prática, a faixa etária da clientela e o período de duração do tratamento. Na ocasião verificamos haver antipatia pela procura de um serviço que utilizasse termos como "velhos" e "idosos". A opção pelo termo "terceira idade" propiciou maior identificação do segmento (Mercadante, 1997). No prospecto acessível a este público, consta: "Indicado para indivíduos em torno dos 60 anos, desejosos em refletir sobre seu ambiente familiar, social e as transformações físicas".
EVOLUÇÃO
A duração do atendimento mudou no decorrer da consolidação da experiência, como explicitamos a seguir:
ANO |
DURAÇÃO (semestres) |
Nº GRUPOS ATENDIDOS |
Nº TERAPEUTAS POR GRUPO |
1989 |
1 |
2 |
individual/dupla |
1990 |
2 |
3 |
individual |
1 |
dupla |
1991 a 1992 |
3 |
2 |
individual |
1993 a 1998 |
2 |
2 |
dupla |
1999 |
2 |
3 |
individual |
2000 |
2 |
3 |
1 individual/2duplas |
2001 |
2 |
3 |
2 individuais/dupla |
2002 |
2 |
2 |
individual/dupla |
Foi possível repensar a duração do tempo dos grupos à medida que nos flexibilizávamos e constatávamos que o serviço se consolidava junto à instituição e ao público.
Progressivamente detectamos a necessidade do atendimento ocorrer ao longo de dezoito meses com férias em julho e dezembro/janeiro.
No primeiro semestre os usuários adquiriam identidade de grupo.
No segundo, assimilavam a função terapêutica compartilhando aspectos particulares.
No terceiro aprofundavam temas e elaboravam o encerramento.
Atualmente seguimos as normas do Setor de Aprimoramento, tendo todo o processo a duração de um ano com a possibilidade de encaminhamento para o ano subseqüente.
Apesar de verbalizarem o desejo de interrupções curtas, as férias dos familiares (principalmente a dos netos), interferem diretamente na impossibilidade de manter a freqüência às sessões.
Os atendimentos realizados em duplas mostraram-se mais dinâmicos, permitindo captar maior número de nuances por parte dos co-terapeutas e ampliando a possibilidade transferencial aos pacientes.
PROCEDIMENTOS DE ADMISSÃO NO GRUPO DE PSICOTERAPIA
Os inscritos passam primeiro pelo serviço de triagem da instituição e só são encaminhados para a psicoterapia em grupo para a terceira fase da vida ao ficar diagnosticado que tem o perfil para a atividade. Em seguida, os terapeutas responsáveis pelo atendimento fazem uma entrevista breve (cerca de trinta minutos), onde além de se apresentarem, definem o contrato de trabalho: quantia e data do pagamento, o número de faltas e a necessidade de sigilo. Os honorários seguem a tabela da instituição e as condições sócio-econômicas de cada paciente.
Priorizamos, nesta etapa inicial, encontros curtos pois alguns conteúdos centrais, presentes nesses instantes, não reapareciam no processo do grupo. Reduzindo o tempo da entrevista inicial, tentamos evitar que o vínculo afetivo se fixasse na relação com os terapeutas dificultando a passagem para o grupo psicoterapêutico.
As regras com relação às faltas e atrasos fazem parte das normas da instituição:
· se ocorrerem duas ausências consecutivas sem aviso, o terapeuta entra em contato para esclarecer os motivos e caso seja uma decisão definitiva, o paciente é sempre convidado a se despedir do grupo;
· os atrasos e saídas antecipadas não devem ser permitidos em função da dinâmica da instituição.
SELEÇÃO DOS ESTAGIÁRIOS
Ao falarmos da seleção dos estagiários é importante frisar que este serviço está alocado no Aprimoramento da Clínica Psicológica da PUC-SP onde só psicólogos e psiquiatras em processo psicoterapêutico podem inscrever-se.
Temos sido procurados só por profissionais da psicologia que trazem uma inquietação pessoal em torno do tema envelhecimento.
A seleção não é feita por linha teórica já que na supervisão busca-se apreender como os diferentes quadros conceituais permeiam a atuação do profissional junto ao grupo de trabalho.
PERFIL DOS GRUPOS
Os grupos são constituídos por sete integrantes idosos que se encontram semanalmente por uma hora e trinta minutos.
A clientela teve as seguintes características até o momento:
· faixa etária: entre 53 e 85 anos;
· nacionalidade: predominantemente brasileiras;
· estado civil: o número de casadas e viúvas foi proporcional e em maior quantidade, seguido das separadas e depois, das solteiras;
· faixa de renda: a maior parte é de aposentadas, com moradia própria e diminuição de poder aquisitivo.
Podemos afirmar que grande parte dos freqüentadores busca ajuda psicoterapêutica por conta própria, alguns aconselhados por vizinhos/parentes e só recentemente, médicos de instituições públicas, tem encaminhado seus pacientes idosos.
A dificuldade em apresentarmos dados estatísticos está relacionada com o trabalho desenvolvido: o atendimento clínico é a atividade prioritária.
MOTIVOS DA PROCURA POR PARTE DOS IDOSOS
Já na ocasião da entrevista buscamos entender a dinâmica psicológica que está embutida na queixa.
Ao explicitarem o desejo de melhora da qualidade das relações, encontramos também idosos que:
· relatam uma desesperadora perda de poder aquisitivo muitas vezes não correspondente ao levantamento socio-econômico
· se queixam do isolamento familiar, trazendo as bases da constituição dessas relações e não necessariamente um abandono concreto
· se auto-denominam depressivas, sendo que algumas já vem utilizando medicação específica.
Os fatores observados que contribuem para os estados depressivos são:
· maior incidência de doenças
· perdas sucessivas de vínculos afetivos
· redução dos rendimentos
· sentimentos de insuficiência e anonimidade
· isolamento social
Os temas das sessões estão relacionados com as razões que levaram os pacientes a buscar ajuda psicológica e são:
· falta de objetivos
· solidão
· medo de envelhecer dependência dos parentes e parentes dependentes
· medos genéricos
· falta de diálogo
· sensação de inutilidade
As queixas acentuaram-se a partir de mortes na família ou de amigos próximos, doenças, perdas de bens econômicos, aposentadoria, etc.
FATORES QUE INTERFEREM NA FREQÜÊNCIA
No início do processo, as mudanças climáticas não facilitam a assiduidade, mas à medida que estabelecem vínculo afetivo e identificam alterações em si, decorrentes do trabalho psicoterapêutico, se estabiliza a presença.
Ao final dos doze meses, por ocasião do encerramento das atividades, voltam a ocorrer maior número de faltas, relacionadas com fantasias de morte.
ASPECTOS DA SUPERVISÃO
A orientação na supervisão, semanal e com duas horas de duração, foca o grupo enquanto enquadramento psicoterapêutico: é nele que se fala e se associa livremente.
À medida do possível, o(s) terapeuta(s) limita(m)-se a assinalar aqui e ali aspectos da verbalização do paciente ou do movimento do grupo e isso só é possível após a superação de um estado de profunda dor e carência, muito presente no início do trabalho. Ele também é o responsável pela condução das sessões, criando condições para os participantes se esporem, possibilitando a reflexão conjunta a partir dos conteúdos levantados no próprio grupo.
O trabalho objetiva criar condições para que as pessoas exponham seus conflitos e ansiedades, possibilitando um equilíbrio entre os desejos do mundo interno e a realidade do mundo externo.
O intercâmbio de vivências proporciona ao grupo:
· a descoberta de temáticas comuns ao segmento idoso
· contribuição propiciada pelo relato das diferentes experiências
· revisão de projetos pessoais
· ampliação da possibilidade de escuta
· reflexão de conteúdos particulares
· identificação de movimentos pessoais que se reproduzem no grupo
Após o término do ano de atendimento, os pacientes podem ser re-encaminhados dentro da própria Clínica, ou para fora, através do cadastro disponível de profissionais que aceitam cobrar os mesmos honorários. Já utilizamos na própria instituição dos serviços de psicodiagnóstico, da sensibilização corporal e de atendimentos individuais. Até a presente data, três grupos deram continuidade ao tratamento no consultório particular das psicoterapeutas, quatro participantes passaram para atendimentos individuais e a grande maioria permanece na própria instituição.
Nossa intenção é compartilharmos com pares científicos, erros e acertos visando ampliação dos serviços aos idosos.
Na bibliografia, constam artigos e teses que partiram da vivência clínica com estes grupos de psicoterapia para idosos.
Mas o que podemos garantir é que o perfil daqueles que atendemos não nos parece combinando com o lamento da estrofe da belíssima música popular brasileira:
"Velhice chegando e
eu chegando ao fim ..." ****
BIBLIOGRAFIA
GIANISELLE, FRANSCISCA GARCIA. (2001) A vivência de uma terapeuta idosa junto a um grupo da mesma idade. Boletim Clínico. Clínica psicológica "Ana Maria Poppovic" maio. Volume X
HENRIQUES, MÔNICA AMERICANO L. (1996) Fortalecimento egóigo observado em idosos submetidos à psicoterapia grupal em clínica escola - Psicologia Revista No 6: Maio: São Paulo.135-141:
KAMKHAGI, DORLI (2001) Um outro, talvez novo tempo: a velhice. Mestrado no Programa de Pós Graduação em Gerontologia, PUC/SP
LOPES, RUTH G. DA C. (2000) Saúde na Velhice. As interpretações sociais e os reflexos no uso do medicamento. Educ. São Paulo.
_____________________ (1990) Velhos "Indignos". Investigação a respeito do projeto de vida de idosos socialmente ativos. Mestrado no Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, PUC/SP
MELLO, ANAMARIA S. DE B. e ABREU, DEATRIZ CASTRO (2001) A possibilidade de elaboração psíquica das perdas na psicoterapia de grupo para idosos. Boletim Clínico. Clínica Psicológica "Ana Maria poppovic". Novembro. Volume XI
MERCADANTE, ELISABETH F. (1997) A construção da identidade e da subjetividade do idoso. São Paulo. Doutorado em Ciências Sociais. Programa em Pós-graduação em Ciências Sociais, PUC/SP.
*O projeto recebeu financiamento da Fundação Ashoka por ocasião da sua implantação.
**Pesquisa financiada pela ONU (1986/1988): "O idoso e o seu sistema de apoio. Estudo da situação do idoso do distrito da Lapa, no Município de São Paulo.
***Jornal "Shopping News-City News-Jornal da Semana" (10/9/89:p. 48).
***"Ninguém me ama" de Antonio Maria.
Ruth Gelehrter da Costa Lopes é Psicóloga Supervisora do Atendimento em Grupo a Idosos-Clínica/PUC-SP, Dra. em Saúde Pública/USP, Professora do Programa de Pós Graduação em Gerontologia/PUC-SP