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BOLETIM CLÍNICO - número 11 - novembro/2001

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


7. Projeto Inclusão: Pensando o Pensar da psicanálise - Maria Cecília Corrêa de Faria

O Projeto Inclusão, do qual o CD da Faculdade de Psicologia da PUC/SP tem conhecimento, pois foi nele formalizada a colaboração de suas duas psicólogas voluntárias, é um projeto concebido em 1999, que acontece desde ano 2000 sob os auspícios da Coordenadoria Geral de Estágios da PUC-SP e, através dessa instancia, remete-se à Reitoria.

O Projeto Inclusão tem como seu principal objetivo o atendimento das pessoas portadoras de perturbação global de desenvolvimento que se expressa no que é usualmente conhecido como deficiência mental; o atendimento que o Projeto Inclusão realiza é psicoterapêutico, individual, de orientação psicanalítica e é realizado nas instituições especializadas, voltadas, de modo geral, para educação, diagnóstico e prevenção da deficiência mental; o Projeto Inclusão trabalha com os pacientes indicados pela própria instituição, de acordo com os critérios que esta elege e acontece nas instituições especializadas principalmente pelo fato de que uma parte, considerável, das pessoas com deficiência mental, só pode deslocar-se em São Paulo, uma cidade reconhecidamente violenta, acompanhada.

O outro objetivo do Projeto Inclusão, e que provavelmente foi o decisivo para a efetivação de sua existência, é o objetivo de abalar a disseminada mística de que as pessoas deficientes mentais, diferentemente dos outros homens, não contam com um aparelho mental, ou então, que esse aparelho é tão rudimentar que não seria accessível à abordagem psicoterapêutica - psicanalítica e / ou psicodinâmica, de modo operativo, podendo, quando muito, serem essas pessoas treináveis.

A concepção de serem as pessoas que têm a denominada deficiência mental, decorrente de diferentes etiologias, serem consideradas treináveis ou não, era até muito pouco tempo atrás aceita pela maioria das instituições especializadas; a título de exemplo pode-se relembrar que até dois anos passados a APAE / SP tinha toda uma unidade denominada Centro de Treinamento Integral (CTI), que depois passou ser chamada de Centro de Treinamento Lauro Costa e finalmente ancorou sua denominação em Centro Educacional XXX XXX - o que nos mostra como as concepções sobre a deficiência mental vão paulatinamente mudando e o quanto são lentas as modificações conceptuais implementadas pelas instituições, especializadas / ou não.

A psicanálise, que faz parte das ciências humanas, muito naturalmente tem um percurso similar ao do contexto social no qual está inserida: inicialmente FREUD propôs o atendimento psicanalítico de adultos neuróticos, depois KLEIN abriu as portas da psicanálise para o atendimento de crianças e psicóticos e finalmente BION elaborou uma teoria de atendimento psicanalítico de grupos terapêuticos; na literatura psicanalítica encontra-se poucas referencias ao atendimento psicoterapêutico de pessoas com o distúrbio global de desenvolvimento que se expressa na dita deficiência mental e dois únicos exemplos me vem à cabeça de imediato: Maud Manonni na França e Valerie Sinason na Inglaterra.

Ora, um modo de matar, simbolicamente, aqueles que fogem da idealização apolínea do HOMEM se manifesta na exclusão, no ocultamento e negação da existência das pessoas deficientes mentais; esse é um dos vértices da ferida narcísica do HOMEM.

Essa ferida narcísica, é óbvio, tem também sua expressão nas faculdades de Psicologia e nos profissionais que estas formam; de modo geral a disciplina Excepcional, que deveria dar conta das especificidades dos homens que são excluídos da sociedade ampla por marcas expressas no corpo, conta com poucos créditos nos cursos de psicologia (na Psicologia da PUC/SP, por exemplo, conta com uma disciplina de 03 créditos, que ocorre no 5º ou no 6º semestre; e isto acontece ao longo dos 05 anos de curso, que abrange um total de 10 semestres, sendo que a cada semestre o aluno regular cursa mais ou menos 25 créditos...)

Surpresa nenhuma, portanto, que fiquem marginalizados dos recursos sociais de educação e saúde não apenas a maioria dos aproximadamente 7.5 milhões de deficientes mentais do Brasil, mas os seus cuidadores, familiares, instituições especiais e por contágio, os profissionais que a eles se dedicam: toda essa ampla população vive no leste do éden.. (conferir Caim e Abel, Bíblia Sagrada).

Na Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovic" o Projeto Inclusão faz parte do Aprimoramento desde 2001, atendendo as pessoas que procuram a Clínica e que são portadoras de deficiência mental, abarcando esse espaço o prosseguimento de algumas supervisões dos atendimentos realizados na instituição especializada, que tenham sido iniciados anteriormente pelo aprimorando.

Infelizmente, esse projeto de atendimento específico e especial proposto às pessoas deficientes mentais é essencial, ainda nos dias de hoje, pois a experiência nos mostra que os pacientes deficientes mentais ficam na fila de espera das diferentes clínicas / escolas muito tempo - geralmente até desistirem do que precisam; tanto os professores / supervisores quanto os alunos / estagiários portam uma recusa interna frente ao seu atendimento psicoterapêutico; naturalmente essa recusa / rejeição aparece envolta numa série de justificativas "lógicas e responsáveis" sendo a mais freqüente aquela que argumenta - este paciente necessita que quem o atenda seja um psicoterapeuta especialista no campo das deficiências mentais...

Justificativas desse tipo escamoteiam o principal para o profissional envolvido - estou sendo vitima do meu próprio preconceito a respeito dessas pessoas; o resultado é que geralmente não se caminha nem na minimização do preconceito nem no desvelar da mística de que as pessoas deficientes mentais são exclusivamente treináveis e o círculo se fecha, pois não há quase relatos de experiências de atendimentos clínicos psicoterapêuticos com deficientes mentais que possam motivar novos profissionais realizarem outros atendimentos similares.

Não podemos deixar de assinalar que a quebra do ocultamento das pessoas com deficiência mental está na mídia televisiva, desde a publicidade com Carlinhos, a atual (com a garçonete que deixa cair a bandeja), a novela da TV Globo que tem uma personagem grávida que espera um bebê com a S.D., uma novela anterior da mesma TV que contou com um ator com a S.D., o programa do Fantástico que há uns três anos atrás, no dia dos namorados, entrevistou um casal de namorados com a S.D.

Não é desejável ficarmos (enquanto Universidade) a reboque dos fatos deste novo século - a Inclusão chegou e vai ficar, o que não significa necessariamente que tudo que é feito em seu nome não possa ser distorcido e até significar um novo modo de opressão dos atuais excluídos do tecido social; daí a importância de estudos sobre ela (Inclusão) e seus efeitos sobre a subjetividade dos envolvidos pelo processo inclusivo - essa é uma das novas tarefas do psicólogo.

Nos seus dois anos de vida o Projeto Inclusão pode contabilizar cerca de 20 estagiários, aproximadamente 30 pacientes atendidos, inúmeras orientações de pais de pessoas deficientes mentais, cerca de 10 reuniões com as equipes técnicas e de suporte da instituição especializada, elaboração de um TCC na Faculdade de Psicologia, uma tese de doutorado - não é um mau resultado, penso eu.

Porém tudo isso seria desprezível se não tivéssemos tido a oportunidade de verificar que, não só é possível, mas desejável, a realização de psicoterapia psicanalítica com adolescentes e crianças deficientes mentais, pois a transferência se instala, a confiabilidade é conquistada e os progressos registrados são notáveis.

Nada disso teria acontecido se não tivéssemos contado com o apoio de nossos alunos / estagiários de 4º e 5º anos, que dedicam 05 horas semanais de suas vidas, num estágio não curricular, com pessoas excluídas do tecido social, em instituição longe da PUC / SP: aprenderam muito, aprendemos todos muito.

É, pois, com prazer, que registramos nesta jornada da Clínica / 02, tantos Aprimorandos relatando suas descobertas no atendimento das psicoses e das deficiências mentais e, mostrando o aparecimento das primeiras trincas no muro que isola os psicólogos clínicos dos atendimentos psicoterapêuticos junto aos portadores de deficiência mental; registramos também assim, que o pensar da psicanálise pode ser estendido às pessoas com deficiência mental, seus cuidadores e instituições.

Maria Cecília Corrêa de Faria é Profa. Assistente do depto de Psicodinâmica, Supervisora do Aprimoramento, Coordenadora do PROJETO INCLUSÃO.