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BOLETIM CLÍNICO - número 11 - novembro/2001

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


13. Serviço de avaliação Psicológica e Psicoterapia para Deficientes Visuais - Efraim Rojas Boccalandro

A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA É FEITA ATRAVÉS DE DOIS TESTES DE PERSONALIDADE:

1- Psicodiagnóstico Miocinético (P.M.K.) do Dr. Emilio Mira y López adaptado por mim para cegos*.

2- Teste Projetivo Sonoro** (T.P.S.) de minha autoria.

Nos anos da Guerra Civil Espanhola, o Dr. Emilio Mira y López prestava serviços no exército republicano, selecionando o pessoal para as diferentes unidades. Precisando selecionar aviadores, ele e seus colaboradores, entre os quais lembramos o Dr. Francisco del Olmo, idealizaram um aparelho: o axistereômetro que daria uma noção da orientação espacial dos candidatos.

Consistia esse aparelho numa barra cilíndrica na qual se colocava um anel que podia deslizar com facilidade. O indivíduo testado devia fazer movimentos sem auxílio da visão, dentro de dois pontos de referência que eram retirados depois dos movimentos de ensaio.

Para surpresa dos pesquisadores, os resultados, examinados à luz da orientação espacial, eram bastante contraditórios, pois os candidatos não mantinham o mesmo tipo de erro nos diversos planos do espaço. Essa falta de coerência fez o Dr. Mira pensar que havia uma variável interferente que não tinha relação com a orientação espacial.

Da sua intuição e conhecimento dos candidatos testados, surgiu a resposta: a variável interferente era a personalidade dos candidatos. Percebeu que os sujeitos inibidos tendiam a diminuir os tamanhos dos movimentos; que os excitados, ao contrário, erravam por excesso aumentando o tamanho dos movimentos; que os deprimidos baixavam o nível dos movimentos realizados no plano vertical e que os agressivos avançavam na posição sagital.

Esses estudos com o axistereômetro foram suspensos devido à vitória das forças franquistas, e o Dr. Mira refugiou-se como exilado na Inglaterra. Trabalhando no Maudsley Hospital, como psiquiatra, solicitou verba para continuar os estudos com o axistereômetro. Pelas circunstâncias críticas da guerra, não foi concedida a verba e, por esse motivo, tentou o Dr. Mira transformar o axistereômetro em um aparelho mais fácil de construir e mais barato do que o original.

Substituiu a barra por desenhos lineares nos diferentes planos do espaço: sagital, horizontal e vertical, conseguindo isso mediante o simples expediente de usar uma mesa cuja tampa poderia deslocar-se até a posição vertical. O anel cedeu o lugar a um lápis, que registraria de modo claro e simples o tamanho dos movimentos. Estava criado o PMK.

Esse teste psicomotor, que mede o tônus postural dos músculos do braço, baseia-se na concepção de que corpo e mente não são instâncias separáveis, constituindo uma única realidade psicossomática, ou seja, é possível avaliar traços de personalidade mediante a ação de três pares de músculos: extensor-flexor, abdutor-adutor e elevador-depressor dos braços, nos três planos do espaço horizontal, vertical e sagital.

O que nós podemos afirmar sobre os traços de personalidade por meio do tônus postural é que, em cada movimento, um músculo de cada par será predominante de forma involuntária, já que o indivíduo não tem controle da visão e, assim podemos inferir aspectos psicológicos desta pessoa.

O PMK adaptado para cegos traz algumas alterações para preencher a falta da visão, são utilizadas placas em alto relevo que tem a finalidade de representar, por meio do tato, o tamanho, a forma e o sentido dos movimentos a serem realizados. Depois desse primeiro contato, utilizam-se placas de plástico com fendas semelhantes a cada cinetograma. O lápis deverá ser posto na fenda com a ajuda do aplicador que também auxiliará no desenvolvimento dos três primeiros movimentos.

O outro teste a ser realizado em nossa pesquisa é o TPS (Teste Projetivo Sonoro) de minha autoria. Esse teste é constituído pela apresentação de uma fita que contém instruções e três músicas diferentes, que são tocadas três vezes cada, para que o sujeito seja capaz de elaborar uma história para cada música.

Essas histórias serão interpretadas como sonhos, levando em consideração os tempos verbais (presente, passado e futuro) e o personagem principal (se está na primeira, segunda ou terceira pessoa), assim como também se solicita do testado que diga se há necessidade dele nas histórias e sentimentos e emoções que também poderiam ser dele.

A hipótese de trabalho que sustenta a elaboração de um teste musical, que sirva como recurso de projeção psicológica, está fundamentada na influência emocional que a música ocasiona nos seres humanos. Esta influência da música acalmando emoções ou aumentando a intensidade delas é conhecida desde a antigüidade, na China e também na Grécia de Pitágoras.

No século XX, o aparecimento da gravação em discos, fitas e o aparecimento do cinema mudo, com música de fundo, que acompanha a história, tem dado à música um enorme destaque como estímulo emocional para a sociedade humana. A influência da música popular, da música folclórica e da música erudita é incontestável, a juventude atual recebe estímulos de músicas dissonantes que intensificam a expressão emocional dos jovens e isto é uma realidade.

A hipótese de trabalho do Teste Projetivo Sonoro é que a música utilizada no teste pode servir de estímulo. Este estímulo chega ao aspecto emocional das pessoas que vão inventar histórias sobre esta música, não levando em consideração a própria música, mas as tensões, conflitos, expectativas, frustrações que esta pessoa tem e que aparecem quando ela inventa uma história relacionada com a música ouvida.

O importante do teste é que ele vai servir como estímulo quase indiferenciado, que atingirá as emoções das pessoas testadas. As histórias elaboradas têm mais relação com a biografia pessoal e menos com este estímulo musical.

As histórias eliciadas pelo Teste Projetivo Sonoro têm um conteúdo rico de projeções conscientes e/ou inconscientes do psiquismo das pessoas testadas.

Em segundo lugar, evidencia-se que o Teste Projetivo Sonoro é um instrumento clínico adequado para realizar uma avaliação psicológica ou estimular um processo de psicoterapia, tanto para pessoas com visão normal como para aqueles que têm deficiência visual.

O processo de psicoterapia com deficientes visuais não difere muito do que se faz com clientes que tem visão dentro do normal. É evidente que a falta de um contato visual pode dificultar uma relação adequada nas primeiras sessões de terapia.

Nossa maneira de trabalhar em terapia é dentro de um marco no qual chamamos "terapia centrada na relação", nós damos prioridade ao vínculo afetivo entre terapeuta/cliente e cliente/terapeuta.

O que eu faço como terapeuta? Eu recebo meus clientes como pessoas, ouço atentamente tudo que têm a dizer, não julgo nem critico, procuro estabelecer uma relação de afeto com meu cliente, interpreto sonhos e comportamentos solicitando a participação deles, uso o rítmo respiratório relaxador quando é necessário diminuir o grau de ansiedade da pessoa, e se o cliente me manifesta querer parar o processo de terapia atendo o pedido sem interpretações.

Se percebo que o cliente já está em condições de continuar sua vida sem terapia, proponho o fim do processo.

A minha posição como terapeuta é humanista, pretendo estabelecer uma relação com os meus clientes que esteja dentro de um marco de relação humana, ou seja, de respeito, consideração e afeto mútuos. Esse tipo de relação é muito difícil de acontecer numa sociedade consumista baseada num mito moderno da propaganda no qual as mentiras repetidas pela mídia se transformam em verdades, na qual governos ditatoriais assim como também os chamados democráticos atropelam sem hesitação os direitos humanos.

Assim pois consideramos que a psicoterapia no século XX constitui uma possibilidade de aumentar o nível de consciência das pessoas em direção aos valores permanentes da humanidade: a fraternidade, liberdade, igualdade. Nesta posição a psicoterapia e os mitos da Grécia se dão as mãos NOTTI-AUTON (conhece-te a ti mesmo).

Em relação ao tipo de supervisão que dou aos psicólogos que fazem psicoterapia com deficientes visuais, assumo uma atitude de aceitação da linha teórica com a qual eles já trabalham, e me limito a pinçar durante o relatório verbal que eles fazem das entrevistas, aquilo que pode ser importante para um melhor vínculo entre terapeuta e cliente.

Fico alerta para eventuais sinais dos clientes, de perturbações psíquicas que poderiam precisar de tratamento psiquiátrico para fazer o devido encaminhamento. Da mesma maneira, se aparecerem sintomas que podem indicar problemas neurológicos, solicitamos do estagiário que faça esse encaminhamento.

A clínica psicológica "Ana Maria Poppovic" estabeleceu um convênio com o CADEVI (Centro de Apoio ao Deficiente Visual) e com a URDV (Unidade de Reabilitação ao Deficiente Visual) o que permite que estagiários do Serviço de Avaliação Psicológica e Psicoterapia para Deficientes Visuais atendam os clientes nos próprios locais em que eles estão realizando o curso. Isto tem levado a aumentar o número de clientes atendidos pelos estagiários, e aumentado as atividades de supervisão.

* ROJAS BOCCALANDRO, Efraim. Adaptação do PMK de Mira y López para cego. - Tese de Especialista em Psicologia clínica PUC/SP (1964). Publicada e distribuída pela Editora Vetor - SP.

** ROJAS BOCCALANDRO, Efraim. Teste Projetivo Sonoro - Tese de Doutor em Psicologia Clínica PUC - SP (1996). Publicada e distribuída pela Vetor editora psico-pedagógica - SP, 1998.

Efraim Rojas Boccalandro é Psicólogo. Especialista e Doutor em psicologia clínica PUC-SP.