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BOLETIM CLÍNICO - NÚMERO 15 - JUNHO/2003

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


7. ENTRE A CERVEJINHA E O ALCOOLISMO – UMA INTERVENÇÃO PREVENTIVA PARA REDUÇÃO DOS DANOS ASSOCIADOS AO USO DE ÁLCOOL POR ALUNOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA - Hilda Regina Ferreira Dalla Déa (1), Erick Itakura (2) e Tatiana Bacic Olic (2)

No levantamento domiciliar realizado em 2001 pelo CEBRID/SENAD, nas 107 maiores cidades brasileiras o álcool apareceu como a droga mais consumida, utilizada por 68,7% da população entrevistada. Para 47% das mulheres e 38% dos homens pesquisados, consumir maconha uma ou duas vezes na vida constitui um grave perigo. Por outro lado apenas 26,7% vêem algum problema em consumir bebidas alcoólicas duas ou três vezes por semana.

Embora seja uma droga legalizada cujo consumo é aceito pela sociedade e incentivado por intensa propaganda, o uso de álcool por adolescentes e adultos jovens constitui-se num sério problema social, pois além do risco de dependência, o álcool está associado a baixo desempenho escolar, problemas de relacionamento e a diversos comportamentos de risco como brigas, vandalismo, dirigir embriagado e sexo desprotegido.

No Brasil, o álcool é responsável por mais de 90% das internações hospitalares por dependência de substâncias, e está associado a pelo menos 60% dos acidentes de trânsito, que são a principal causa de morte na faixa etária de 16 a 20 anos. Além disso, cerca de 10-12% da população mundial é dependente de álcool que, seguramente é a droga que mais danos traz a sociedade como um todo.

O elevado custo individual e social dos danos associados ao uso abusivo de álcool e do alcoolismo mostra claramente a relevância e a urgência de se implementarem, em nosso país, ações preventivas voltadas ao uso abusivo dessa substância.

Existem basicamente duas abordagens preventivas, que divergem quanto a suas posturas, pressupostos e objetivos – a abordagem de “guerra às drogas” e a abordagem de redução dos danos associados ao uso de drogas.

A abordagem de “guerra às drogas” tem, como origem, o modelo americano, muito difundido nos países do terceiro mundo. Seu objetivo é banir qualquer uso de drogas pela população, utilizando para isso ações de controle social e punição. Esse enfoque preventivo prioriza o trabalho com as drogas ilícitas e uma tolerância maior em relação às substâncias lícitas. A abordagem de “guerra às drogas” traduz-se em propostas de prevenção escolar conhecidas como modelos de amedrontamento, apelo moral, treinamento para resistência, pressão de grupo positiva e de orientação para pais. O que há em comum entre esses modelos é que todos visam a construção de uma atitude de rejeição às drogas e a seus usuários.

Por outro lado à abordagem de redução de danos propõe formas alternativas para lidar com a questão. Enquanto a postura de “guerra às drogas” é irrealista, na medida em que busca construir uma sociedade sem drogas, a abordagem de redução de danos leva em consideração a evidência histórica de que todas as sociedades humanas conviveram com o uso de algum tipo de substância psicoativa. São exemplos de objetivos preventivos nessa linha: o uso moderado de álcool, o não compartilhar seringas no uso de drogas injetáveis, a restrição do uso de maconha a determinadas situações, as tentativas de retardar o primeiro contato com as drogas, entre outros.

Há quase três anos o Aprimoramento Clínico “Prevenção ao abuso de álcool e outras drogas na abordagem de redução de danos” da Clinica Psicológica Ana Maria Poppovic vem trabalhando nessa abordagem. Inicialmente propusemos um workshop chamado: "Bebidas alcoólicas, vamos destilar essa idéia?", oferecido inicialmente aos alunos da Psicologia-PUC. A boa receptividade ao workshop nos estimulou a estender o trabalho aos alunos da FEA-PUC. A partir da repercussão obtida pelo trabalho, resolvemos oferecer o workshop à comunidade. Ele consiste de quatro partes distintas que sofreram algumas alterações ao longo do tempo.

- Primeiro momento: Levantamento de hábitos de ingestão de álcool dos participantes por meio de um questionário.

- Segundo momento: Realização de um Psicodrama para sensibilização do tema. Logo após a dramatização há um momento de compartilhar experiências e sentimentos vividos na cena.

- Terceiro momento: “Festa Virtual”, que possibilita aos participantes simularem o que bebem em uma festa e assim conscientizarem-se das alterações que o álcool produz no corpo.

- Quarto momento: os participantes recebem informações personalizadas sobre seus limites e sua tolerância ao álcool.

A partir desta experiência e do reconhecimento de que o abuso de álcool se inicia antes da entrada na universidade, resolvemos estender o projeto através de um trabalho de intervenção em uma escola de ensino publico da cidade de São Paulo. Os critérios utilizados para a escolha desta escola foram a disponibilidade de participação da direção e do corpo docente, e as condições oferecidas para a realização do trabalho (recursos materiais e humanos).

A escola, enquanto um dos contextos de formação dos adolescentes, torna-se um espaço privilegiado para a implementação e execução de ações preventivas voltadas para a redução dos danos causados pelo uso abusivo do álcool.

Pretendemos desenvolver, em parceria com os educadores dessa escola, um programa para a redução dos danos associados ao abuso de álcool que seja viável em nossa realidade, levando em conta nossas características culturais e a disponibilidade de recursos humanos e materiais das escolas brasileiras. Pretende-se também capacitar os profissionais da educação que participarem do projeto a desenvolver intervenções desse tipo.

O BASICS - Brief Alcohol Screening and Intervention for College Students – desenvolvido na Universidade de Washington – Seattle é um programa planejado especificamente para jovens que fazem uso abusivo de álcool (Dimeff et al., 2002). Baseia-se num modelo que leva em consideração aspectos do desenvolvimento, aspectos motivacionais, e elementos de informação. É um programa de redução de danos – seu objetivo primário não é abstinência ou a diminuição do uso de bebidas alcoólicas, mas a redução dos comportamentos de risco e dos danos produzidos pelo álcool.

Essa intervenção conta com a parceria da Profa. Dra. Vera Placo, do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Educação da PUC-SP. O trabalho está em sua fase inicial. Após os primeiros contatos com a direção e coordenação da escola, estamos trabalhando semanalmente com a equipe de professores, no sentido de perceber suas demandas e necessidades e de familiarizá-los com as linhas gerais da proposta de trabalho.

Referências Bibliográficas
(1) Dimeff, LA, Baer, JS, Kivlahan, DR, Marlatt, GA – Alcoolismo entre estudantes universitários – uma abordagem de redução de danos. São Paulo, Ed. UNESP, 2002. Galduróz, J.C., Noto, A. R., Nappo, S.A. & Carlini, E. A. – I Levantamento domiciliar nacional sobre o uso de drogas psicotrópicas. São Paulo, CEBRID / UNIFESP / SENAD, 2002.

Notas
(1) Professora Titular do Depto. de Psicologia do Desenvolvimento (2) Psicólogos Auxiliares voluntário