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7. Algumas Notas sobre a Análise do Comportamento(1)
Marcelo Benvenuti(2)
Maria Amália Andery
Maria Luisa Guedes
Nilza Micheletto
Paula S. Gioia
Tereza Maria de A. Pires Sério
Talvez como um reflexo de nossa posição teórica, iniciamos o texto indicando o contexto no qual ele foi produzido. A reflexão que gerou este texto foi provocada por um conjunto de questões que recebemos de alunos e professores da Faculdade de Psicologia da PUC-SP. Organizamos as questões em três blocos:
• questões sobre as bases epistemológicas da análise do comportamento (por exemplo, o behaviorismo é reducionista? é materialista? como considera a história? como lida com experimentos com sujeitos animais para entender o comportamento humano?),
• questões sobre os fenômenos estudados por analistas do comportamento (por exemplo, lida com sonhos? emoções? afeto? religião? memória?)
• questões sobre a prática, em especial a prática clínica, orientada por esta abordagem (por exemplo, como é tratada a relação terapeuta-cliente? como se dá a relação entre atividade clínicos, teóricos e pesquisadores básicos?)
Estes blocos dirigiram a apresentação oral que originou o texto apresentado a seguir e, com certeza, refletem-se na sua elaboração final.
Uma distinção que hoje já é comum, pelo menos entre os analistas do comportamento, é entre o behaviorismo radical, visto como uma concepção filosófica, e a análise do comportamento, vista como a prática científica orientada por tal concepção filosófica. Assim, ao tratar de questões epistemológicas estamos falando do behaviorismo radical. Falar de behaviorismo radical significa falar das propostas de B. F. Skinner (1904-1990) para a psicologia.
Bases epistemológicas da análise do comportamento
Podemos dizer que durante os sessenta anos em que se dedicou a estudar o comportamento (1930 até 1990), Skinner procurou considerar o conhecimento que estava sendo produzido, em especial na psicologia, a partir das mais diversas orientações teóricas. Um aspecto central que dirige suas considerações é que, ao se constituir como ciência, a psicologia não tinha outra alternativa a não ser herdar toda história anterior acerca da preocupação do homem sobre as causas de suas ações. Esta história levou o homem a buscar as causas de suas ações da forma que mais tradicionalmente causas eram buscadas: procurando as causas nos eventos que aconteciam imediatamente antes dos eventos para os quais se buscavam as causas. Esta prática quando estendida às ações humanas faz com que o homem se volte para aquilo que ocorre dentro dele próprio: quando busco as causas de uma ação minha procurando-as no que está imediatamente antes dessa ação, muito facilmente identifico algum estado ou condição de meu corpo; por exemplo, é muito fácil identificar a sede como algo que está imediatamente antes da ação de beber, ou uma idéia como algo que está imediatamente antes de concluir um assunto.
Dois grandes problemas foram gerados por esta prática. O primeiro é que a nossa atenção voltou-se completamente para o interior dos indivíduos, pois as causas de fazermos qualquer coisa estão, supostamente, dentro de nós. O segundo problema é que dificilmente o que ocorre dentro de nós pode ser visto, tocado ou medido por outros; esta dificuldade de acesso criou a suposição de que estes eventos eram de uma natureza diferente da natureza daqueles eventos que podiam ser vistos, tocados e medidos por outras pessoas. A psicologia, assim, difunde-se com uma concepção dualista, a noção de que os fenômenos estão divididos em dois grupos: os fenômenos observáveis, considerados como de natureza corporal ou física, e os não observados por outros, considerados como de natureza mental ou psíquica; assim, os fenômenos psicológicos são vistos como diferentes daqueles físicos ou corporais.
Diante deste debate a posição de Skinner é bastante clara: é necessário recolocar os problemas dos quais a Psicologia partiu para começar a pensar as causas das nossas ações. Para Skinner, o que há para estudar acerca do homem é o seu comportamento. Não importa se aquilo que fazemos pode ou não ser visto pelos outros, se é algo que eu faço e que todos têm acesso, ou se é algo apenas sentido por quem vive aquilo. O homem está se comportando quando está fazendo algo, sentindo algo, falando com outros sobre o fazer ou o sentir, ou falando consigo mesmo sobre ações ou sentimentos. Ao lidar com todas estas possibilidades estou lidando com o comportamento. E comportamento tem sempre uma mesma dimensão: a concreta, a material.
De acordo com esta concepção, comportamento não é sinônimo de ação publicamente observável, de resposta que pode ser medida. Comportamento é relação entre sujeito e o seu ambiente, não importa se este ambiente está dentro ou fora de nós, ou se o que fazemos pode ser observado por outros ou não. Desse ponto de vista, a proposta de Skinner para a Psicologia é materialista.
O behaviorismo radical, portanto, é uma filosofia materialista, que orienta uma ciência do comportamento humano. A análise do comportamento estuda um aspecto do homem: o comportamento, e faz isso sem reduzir seu objeto de estudo ao que é publicamente observável, isto é, ao que pode ser visto e medido por outros.
Skinner faz uma distinção entre dois grandes conjuntos de atividades das pessoas interessadas em estudar comportamento humano: a) descrever comportamentos (as relações entre homem e ambiente) e b) explicar comportamentos. A explicação de todo e qualquer comportamento humano é encontrada em três histórias: a história da espécie, a história particular do indivíduo e a história da cultura na qual o indivíduo está inserido. Conhecer estas histórias significa conhecer os processos de variação e seleção que constituem cada uma destas histórias.
Se o homem é produto de três histórias, obviamente ele não é igual a outros animais. A peculiaridade humana está, grosso modo, na produção de cultura. Isso dá destaque especial para o comportamento verbal, caracterizado por uma relação peculiar: uma relação do homem com o ambiente que é sempre mediada por outro ser humano, preparado especialmente para fazer essa mediação.
As peculiaridades do comportamento humano, decorrentes do comportamento verbal, obviamente não podem ser apreendidas no estudo do comportamento de outras espécies animais. Entretanto, são exatamente estas peculiaridades que exigem muita sofisticação para identificarmos/descrevermos as variáveis que constituem uma determinada relação comportamental.
O recurso que a análise do comportamento adotou para estudar o comportamento foi olhar primeiramente para as relações sujeito-ambiente mais básicas. O laboratório permite produzir uma situação na qual esta relação básica se apresenta: a relação comportamental que observamos no laboratório não existe na realidade, nem na vida do sujeito que estudamos, porque foi uma situação criada artificialmente para favorecer aquela relação. Cria-se metodologicamente uma situação para revelar processos que não seriam reconhecidos a partir da simples observação das pessoas se comportando no dia-a-dia. Para construir esse instrumental de análise, o behaviorista recorre ao estudo do comportamento animal em situação planejada de laboratório. Nesta situação, supostamente, pode-se isolar uma relação que poderá ser a base para a análise de situações mais complexas. Então, não se recorre ao estudo animal achando que com isso se está estudando o homem, mas sim que esse é um recurso que possibilita uma melhor análise para o estudo do ser humano. Um analista do comportamento procura analisar no laboratório a relação entre modificações no ambiente e mudanças no sujeito.
A pergunta que os analistas do comportamento fazem é: qual o processo mais básico envolvido em um determinado processo comportamental humano? Uma outra pergunta pode ser: este processo é típico de todas as espécies, ou é eminentemente humano? O recurso de experimentos com animais tem sido muito reforçador para os analistas do comportamento. Eles irão continuar usando-o durante muito tempo, porque seus resultados têm revelado processos e impedido enganos.
Fenômenos estudados por analistas do comportamento
A análise do comportamento não impõe qualquer restrição metodológica para a descrição e explicação de comportamento humano. A opção do behaviorismo de lidar com o comportamento humano como seu objeto de estudo não implica restringir os fenômenos que devem fazer parte do interesse do psicólogo. Significa sim procurar compreender qualquer comportamento humano, do mais simples ao mais complexo, como produto das interações da pessoa que se comporta com seu ambiente. Quando falamos em "qualquer comportamento humano" estamos nos referindo também a aqueles fenômenos que têm sido chamados de "psicológicos", "cognitivos" etc.
Sonhar, por exemplo, é um comportamento, envolve algo que eu faço enquanto estou dormindo. Sonhar pode parecer misterioso porque é um comportamento que só é acessível à pessoa que sonha. Além disso, saber que eu sonho e o que eu sonho envolve comportamentos de auto-observação. Relatar o sonho é ainda outro comportamento.
Emoções e afetos, por sua vez, são conjuntos de ações e relações com o ambiente. Uma emoção envolve múltiplas interações indivíduo-ambiente, das quais participam um conjunto de respostas e não apenas uma resposta. Este conjunto de respostas engloba desde aquilo que acontece com o corpo e que pode (e vem sendo) ser descrito pela biologia, até as ações do indivíduo, ações que passam pela descrição daquilo que está sendo feito e das alterações corporais sentidas, seja para o próprio indivíduo que descreve, seja para outros. Lidamos, evidentemente, com as emoções porque lidamos com o homem como um todo.
Do ponto de vista da análise do comportamento, para falarmos em emoções ou sonhos é necessário primeiro decompor esses comportamentos. Como fazer esta decomposição? Para isto, é preciso entender de comportamento operante, comportamento respondente, reforçamento positivo, negativo, punição, controle de estímulos etc. É preciso tratar a situação que está sendo estudada entendendo cada componente dela e isto envolverá lidar com todos os conceitos básicos da análise do comportamento. Com isto estaremos apenas descrevendo o fenômeno de nosso interesse.
É importante destacar também que o estudo da interação do homem com seu ambiente supõe o estudo de um homem e de um ambiente que se constrói exatamente a partir desta interação. Deste modo não podemos nunca falar de um homem pronto, ou mesmo de um ambiente pronto, a despeito da interação de um com outro. Isso traz uma implicação importante quando discutimos fenômenos de grande interesse para o psicólogo e outros estudiosos do homem, que têm sido agrupados sob o rótulo de conhecimento e, em especial, de autoconhecimento. O autoconhecimento ganha um destaque especial principalmente para o iniciante no estudo da psicologia. Analistas do comportamento freqüentemente ouvem perguntas do tipo: "Tudo bem que você possa me explicar àquilo que eu faço, até mesmo as minhas emoções e aquilo que eu faço sem que os outros vejam, meus pensamentos e até mesmo as coisas que eu imagino que tem pouco pé na realidade. Agora, como me explicar que eu possa além de fazer isso, também conhecer o que eu faço? Mais do que isso, como posso conhecer aquela parte do ambiente à qual ninguém mais tem acesso?"
Para o analista do comportamento dois repertórios comportamentais estão envolvidos quando alguém descreve aquilo que acontece consigo mesmo: o indivíduo precisa observar a si mesmo (auto-observação) e precisa descrever descrição aquilo que observa. Quando o próprio indivíduo que observa, descreve, ou conhece passa também a ser objeto da observação, descrição, ou do conhecimento surgem, para o behaviorista, os fenômenos que têm sido agrupados sob o rótulo de subjetividade.
Para o behaviorista, responder a questões sobre a subjetividade envolve necessariamente responder uma questão tida como básica: o que faz com que em um mundo tão rico e tão grande o próprio indivíduo se torne um objeto privilegiado de conhecimento?
As respostas para esta pergunta devem ser buscadas na história das práticas sociais. Dito de outro modo, para o behaviorismo a subjetividade tal como a entendemos hoje é um produto histórico e social.
Portanto, o analista do comportamento se preocupa com as emoções, com os sonhos, com os afetos e com a subjetividade. Sonhos, emoções e afetos, são objeto de estudos da análise do comportamento. O que diferencia o tratamento dado a estes temas pelo analista do comportamento do tratamento de outras abordagens? Para o analista do comportamento sonhos, afetos e até mesmo subjetividade são constituintes das relações inidvíduo-ambiente e, como tais, não são nem mais nem menos importantes do quaisquer outros constituintes de tais relações. Além disso, os sonhos, as emoções e os afetos não são vistos como causas de outros comportamentos. Porque "causas" estão na historia filogenética, ontogenética e cultural. Isso tudo: sonhos, emoções, afetos e subjetividade são produtos dessas histórias e, como tais, não deveriam ser confundidos com a historia que os gerou.
Outra pergunta recorrente para o analista do comportamento é sobre o papel da memória. Para discutirmos a concepção do analista do comportamento sobre o tema, devemos retomar o que já dissemos sobre a relação indivíduo-ambiente. Ao interagir com o ambiente o indivíduo se modifica. O que acontece é que a experiência modifica o sujeito e a tarefa do psicólogo é descrever a experiência e a mudança. Então, a pergunta que o analista do comportamento se faz é o que me leva o indivíduo hoje a agir hoje da mesma forma que agiu no passado ou de forma diferente da que agiu no passado. Com isto, ele faz com o conceito de memória o mesmo que faz com outros conceitos psicológicos tradicionais: procura identificar o que existe de interação 'por trás' do conceito.
Para o analista do comportamento, o problema do termo memória (e de outros conceitos) é que o termo "coisifica" todas as interações e o relato delas e, uma vez "coisificado", passa a ser visto como separado das ações do indivíduo e a ocupar o lugar de causa dessas mesmas ações.
A prática do analista do comportamento na clínica
A atuação clínica é uma dentre muitas atividades que o analista do comportamento pode ter. Como ele atua como psicólogo clínico? Supostamente, como ele faria em qualquer outra situação na qual um psicólogo pode trabalhar. Ele inicia reconhecendo, de antemão, todas as limitações que circunscrevem sua atuação. O sujeito que está diante do psicólogo é produto de histórias que vão muito além da duração de sua vida (a história da espécie humana e a história da cultura na qual aquele sujeito vive); é também produto da única história sobre a qual o psicólogo pode intervir (a sua história individual). Entretanto, o psicólogo só poderá intervir na história individual que está por ser construída. O que ele pode fazer é suplementar aquela história de vida particular com aspectos que 'faltaram' ou que 'estavam demais' e que segundo a sua análise são as fontes do problema que aquele sujeito enfrenta.
Na relação com seu cliente, seja ele quem for, psicólogo pode ser visto como uma comunidade verbal privilegiada. Entre ele e seu cliente há uma interação, nenhum dos dois é dono da situação ou detém de forma exclusiva as fontes de controle. Um aspecto que ilustra bem a postura do analista do comportamento na clinica é a sua forma de abordar o relato verbal. A pergunta que o analista do comportamento faz ao escutar seu cliente na terapia é: quais as variáveis que controlam o relato verbal do cliente? Para responder a esta pergunta, os analistas do comportamento que trabalham na clínica têm tido a colaboração de outros analistas do comportamento que trabalham com pesquisa básica. Podemos dar um exemplo de um experimento de um brasileiro da Universidade de Brasília que foi publicado em uma revista norte americana. O pesquisador, depois de observar crianças que podiam brincar com uma série de brinquedos, perguntava a elas se elas haviam ou não brincado. Ele manipulou as conseqüências da resposta verbal das crianças. Quando as conseqüências reforçadoras eram produzidas pela resposta verbal “brinquei”, independentemente da criança ter brincado ou não, as crianças passaram a relatar que haviam brincado mesmo que não o tivessem feito. Entretanto, quando as conseqüências reforçadoras eram produzidas pela resposta verbal “brinquei” apenas quando as crianças haviam de fato brincado, as crianças passaram a relatar ter brincado apenas quando efetivamente haviam brincado.
Com estudos deste tipo, a análise do comportamento tem evidenciado que respostas verbais, por constituírem comportamentos operantes como outros quaisquer, sofrem influência de todas as variáveis que podem influenciar qualquer comportamento operante. Os analistas do comportamento têm, desta forma, contribuído por um aspecto fundamental do trabalho do psicólogo, pois a pergunta e a escuta tem sido instrumentos básicos de nosso trabalho.
Uma característica importante da análise do comportamento aplicada é a busca de colaboração contínua entre pesquisadores teóricos, básicos e aqueles envolvidos com a aplicação. É uma colaboração desafiadora, porque os profissionais envolvidos com aplicação querem respostas urgentes. Os pesquisadores que trabalham com a teoria ou no laboratório, por sua vez, esperam precisão e atualização conceitual.
A colaboração entre todos os estudiosos do comportamento ganha especial importância porque a análise do comportamento atribui um papel muito importante para a produção de conhecimento e, conseqüentemente, aos produtores de conhecimento; eles poderão ter o papel importante na produção da historia futura já que devem ser capazes de analisar as implicações das práticas atuais. Em outras palavras, deveria ser capaz fornecer elementos para responder a pergunta: o que está produzindo os problemas do homem hoje?
Notas:
(1) Palestra proferida pela Profa. Dra. Tereza Maria de A. Pires Sério, Profa. Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Departamento de Métodos e Técnicas. Este texto foi elaborado para a atividade proposta pelo grupo do PET da Faculdade de Psicologia da PUC-SP e revisto conjuntamente pelos professores indicados
(2) A ordem dos nomes dos autores obedece apenas a ordem alfabética.