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BOLETIM CLÍNICO - número 18 - setembro/2004

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos



15. O Adolescente Jovem na Sociedade Contemporânea: Presença/Ausência dos Dinamismos Matriarcal/Patriarcal na Consciência. O Caso de um Adolescente com TOC.

Identificação

Pedro , 17 anos, solteiro, estudante da terceira série do ensino médio, procurou a Clínica Psicológica da PUC no início de 2003, pois desejava dar continuidade ao tratamento psicoterapêutico que havia iniciado um ano antes num posto de saúde. Pedro é um adolescente de classe média, mora com os pais e com uma irmã mais velha. Começou o atendimento nesta instituição em março de 2003.

Descrição do caso

Pedro se define como portador de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) desde os 11 anos. Diz que só procurou tratamento há um ano após ter se auto diagnosticado através de sites de psiquiatria que buscou na internet. "Me sentia como um ET. (...) Achava que apenas eu no mundo sentia estas coisas. Estava desesperado, no meu limite. Quando descobri o TOC senti um alívio enorme porque não sou só eu. Então fui buscar tratamento psiquiátrico" (sic).

Após iniciar o tratamento medicamentoso, Pedro buscou auxílio psicoterapêutico e atribui a este a melhora que sentiu neste período e por este motivo desejava dar continuidade aos atendimentos. Paralelamente ao atendimento psicológico, ele também passou a ser atendido pelo psiquiatra da clínica.

Todo este processo em busca de ajuda Pedro realizou sozinho, visto que seus pais têm uma grande dificuldade de legitimar a queixa que o garoto fazia desde a infância quanto a seu sofrimento. Esta postura dos pais permanece, sendo que estes não aceitaram pagar pelo tratamento e não há espaço para falar sobre o TOC em sua casa. Sua mãe apenas diz que isto é coisa de adolescente.

Chama atenção que, durante este primeiro ano de atendimento, Pedro fala muito pouco de sua família e de sua relação com seus pais. Seu pai aparece como um homem muito rígido e repressor. Pedro queixa-se de que este é muito fechado e sempre esteve ausente devido ao excesso de trabalho. Fala de sua mãe como crítica, pouco acolhedora e pouco afetuosa.

Pedro, nos dois primeiros meses de atendimento, restringe-se a falar dos sintomas do TOC, descrevendo as manias e obsessões que o acometem. Atualmente, sofre em especial com excessiva preocupação com sua aparência e com pensamentos constantes de que há algo de errado com seu corpo, sua face e suas roupas. "Vem na minha cabeça que estou sofrendo deformações, me vejo como numa caricatura, com meus defeitos exagerados e tenho a sensação de que é assim que as pessoas me vêem. Fico o tempo todo incomodado e aí vem as manias"(sic). Inicialmente toda sua energia psíquica fica retida em torno dos sintomas do TOC, na tentativa de controlá-los e escondê-los da percepção dos outros. "Fico exausto, parece que a minha cabeça ferve de tanto pensar, fica até quente"(sic).

No decorrer do tratamento, aos poucos, Pedro começa a poder falar sobre si. Ele traz vivências muito precoces de sentir-se inadequado, diferente e com a auto-estima prejudicada. "Sempre tive a sensação de ser pior que os outros garotos" (sic). Também relata que não encontrava continência em sua estrutura familiar, ou seja, não havia uma base sólida de afeto e segurança. Desta forma, Pedro refere que sentia uma grande sensação de desamparo e de falta de confiança.

Estes sentimentos - desamparo e insegurança - se intensificam quando o garoto tem 11 anos e passa a ter sonhos nos quais vê "forças malignas" (sic) atuando sobre as pessoas de sua família. Pedro localiza nesta época o início do TOC. Não encontrando continência em sua família e muito assustado com seus pensamentos vai procurar ajuda na Igreja Católica de seu bairro, a qual passa freqüentar assiduamente até os 16 anos. Com esta idade, começa a criticar o fanatismo religioso do grupo que freqüenta e diante da exacerbação dos seus sintomas resolve procurar ajuda de um psiquiatra. "Eu estava no meu limite, ficava repetindo as manias por quase duas horas para conseguir sair de casa" (sic).

Discussão

Pedro parece não ter vivenciado nas suas relações primais sentimentos de aceitação e proteção. Podemos entender, assim, que na constituição inicial de seu ego, que se dá num momento em que a consciência é regida pelo arquétipo matriarcal, Pedro teve vivências predominantemente negativas, que resultaram num ego constituído defensivamente.

Portanto, as vivências de ordem matriarcal (envolvimento afetivo, segurança, espontaneidade, confiança na vida) têm conotação principalmente negativa para Pedro, causando muita ansiedade, insegurança e desamparo. Expor-se e relacionar-se tornaram-se vivências muito ameaçadoras para ele.

Podemos pensar que, para defender-se da ameaça que as questões matriarcais representam para ele, Pedro lançou mão do dinamismo patriarcal para estruturar seu ego e se proteger da ansiedade que as demandas matriarcais acarretavam. O dinamismo patriarcal passou a funcionar defensivamente, expressando sua rigidez em relação a valores, regras e leis. Assim, sua personalidade se desenvolveu fortemente assentada no padrão patriarcal que é marcado pela hierarquização de valores, da moral e do senso de dever.

Pedro busca a Igreja, quando inicia o TOC, como uma forma de compensar a falta da mãe no seu sentido arquetípico, ou seja, o sentimento de proteção e aceitação, tentando encontrar apoio na lei do pai arquetípico. Deste modo, foi buscar segurança e orientação nos valores religiosos para suprir o desamparo e a carência da Grande Mãe para conseguir estruturar-se diante de uma situação de intensa ameaça.

Sua rigidez de valores e auto-exigência fizeram com que muitos aspectos de sua personalidade, por considerá-los inadequados, ficassem na sua sombra. Além disto, sua potencialidade, criatividade e energia vital ficaram empregadas defensivamente nos rituais do TOC, que é um símbolo de natureza patriarcal.

Os rituais rigidamente colocados têm a função de aplacar o medo que as questões matriarcais despertam, uma vez que tudo que diz respeito ao matriarcal foi deixado na sombra e assim tornam-se ameaçadores.

No início da puberdade, por volta dos 11, 12 anos, começam a surgir as questões corporais, sexuais e de relacionamento com o sexo oposto que parecem ter sido precepitadoras do TOC.

A psicoterapia e a relação terapêutica ofereceram a Pedro um espaço livre e protegido, no qual, aos poucos, suas dificuldades puderam ir aparecendo; temores na relação com o outro e seus aspectos sombrios, ainda que projetados externamente. "Tenho uma enorme atração pela marginalidade, pelas prostitutas, pelos mendigos, pelo submundo. (...) Leio muito sobre os punks. (...) Acho que eles conseguem ser livres e desencanados como eu gostaria de ser. Queria ser eu mesmo, sem me preocupar tanto com o que os outros vão achar de mim. Acho que é isto, preciso me aceitar, gostar do que eu sou. Parar de achar que eu sou um doente" (sic).

Para que estes aspectos e idéias consideradas proibidas e transgressoras, ou seja, sombrias, pudessem aparecer, serem conscientizadas e integradas, precisou se constelar um padrão de consciência mais matriarcal - acolhedor - através da relação terapêutica, que permitiu que se estabelecesse uma relação íntima e de segurança com a terapeuta.

Desta forma, seu ego foi se fortalecendo permitindo que ocorressem algumas transformações e conseqüentemente a diminuição dos rituais defensivos do TOC. Pedro passou a poder falar de seu distúrbio para os amigos mais próximos, fez uma viagem de uma semana com seus amigos; tem podido estar mais relaxado nos momentos de lazer; tem trabalhado sua dificuldade e seus medos de envolver-se emocionalmente e está vivendo a passagem para um novo estágio - a faculdade.

Pedro foi aprovado no vestibular para o curso de filosofia, o qual está cursando. Permanece fazendo psicoterapia e usando medicamento prescrito pelo seu psiquiatra.