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24. Por que os pais trazem seus filhos à clínica psicológica?
O presente trabalho é uma reflexão sobre as demandas e questões psicossociais que suscitam a procura de pais para orientação e ajuda ao Serviço Interdisciplinar de Orientação de Pais da Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic.
Nos dois últimos anos, atendendo a 240 pais em grupos de reflexão, a equipe interdisciplinar, composta por psicólogos, assistentes sociais e psiquiatra tem oferecido acolhimento a pais com as demandas abaixo relacionadas, procurando um espaço propício ao desenvolvimento de assuntos diretamente relacionados às suas dificuldades, assim como uma reflexão e compreensão sobre a dinâmica familiar, sobre as pressões das escolas e da sociedade em geral.
O Grupo Temático de Pais, com 6 reuniões quinzenais de pais em cada semestre, não tem caráter psicoterapêutico e os assuntos permanecem na esfera temática. A equipe é interdisciplinar. O grupo, composto de aproximadamente 10 pais ou responsáveis pelas crianças ou adolescentes é coordenado por 2 membros da equipe e os demais compõem a equipe reflexiva, metodologia com base na proposta de Tom Andersen, 1998. Segundo esse modelo de grupo reflexivo, a partir das queixas trazidas no primeiro momento são definidos temas.
Os pais fazem colocações com mediação dos profissionais. Em momentos que a coordenação percebe como importantes, a equipe reflexiva pode ser consultada. A estrutura da equipe reflexiva permite aos pais de fazerem-se novas perguntas, a partir da escuta, desconstruindo idéias preconcebidas e redimensionando seus conceitos sobre os problemas que mobilizaram o pedido de ajuda inicial. Esse modo de trabalho através da equipe reflexiva permite aos pais a percepção de que existem sempre muitas versões de uma situação, muitas formas de percebe-la e de entendê-la. Os pais que nos procuram estão, em um primeiro momento, quase sempre convencidos de que existe uma maneira certa ou errada de entender uma situação.
Os pais procuram a Clínica para seus filhos, solicitando ajuda e resolução de problemas que em um primeiro momento são atribuídos aos filhos, buscando respostas à pressão das escolas, dos familiares e da sociedade em geral. Chegam angustiados, confusos com o que é ou não normal: a professora está exigindo um tratamento imediato para o meu filho! A diretora faz com que saia da sala porque é hiperativo; está dando muito trabalho, não para quieto. "Ele não falava muito, depois de dois meses que começou a creche ele começou a falar. Agora ele fala demais, ficou agitado. O Neuro disse que ele não tem problema, ele dorme pouco, ele fica na creche das 07:00 às 17:00",
Por outro lado, trazem aos grupos muita culpa, parecendo não se sentirem bons o suficiente para criarem e educarem seus filhos:
"Eu criei sozinha, minha preocupação é se eu levo ele onde não pode ele vai aprender errado".
"Eu não consigo dominá-lo" (criança de 5 anos).
"Eu tenho dificuldade de impor limite, eu não consigo - ele chora muito é muito agitado. Na escola as vezes ele é muito agressivo com os colegas, quando ele esta agitado não escuta ninguém. Ultimamente ele está destruindo todos os brinquedos, ele se bate muito" (criança de 4 anos).
"Eles dominam e nos deixam estressado (referindo-se a criança de 3 anos)"
"Ele é agitado e nervoso tenho encaminhamento da escola, ele é mais agressivo, quando está com outras crianças. Ele tem muito medo, não fica no escuro. Os problemas são agravados pela dificuldade da gente".
"Estou sempre agitada correndo".
"Eu gostaria de conseguir organizar mais as coisas".
Os pais expressam sentirem-se muito insuficientes quando têm a percepção da pouca disponibilidade em relação à criança, por questões externas: "a agitação está na vida; "na qualidade do tempo"; "como fazer os horários ?"eu cobro muito dele e de mim". Esta sensação de insuficiência é mesclada com a expressão de angústia quando os pais percebem que a pouca disponibilidade em relação à criança é interna, geralmente por depressão materna. A criança pede: Mãe quer ler história? E a mãe não tem vontade de fazer mais nada, muito menos de estar com o filho quando volta do serviço e tem as atribuições domésticas; quando está sozinha, sentindo-se mal amada, insegura e sempre cobrada.
Isto ocorre principalmente quando existe agressão e alcoolismo na família. Uma das queixas principais em relação aos grupos com pais de adolescentes é o uso de droga, a mentira e a dificuldade em comunicar, geralmente atribuída ao adolescente. Em relação aos filhos adolescentes os pais trazem queixas sobre o uso de drogas; medos das más companhias; dificuldade em comunicação (que geralmente é da família) e ameaças de suicídio pelo adolescente, quando não, tentativas concretas.
Os pais buscam no grupo apoio quanto ao medo de errar.. "Todos queremos saber o que é certo, porque, tudo que eu faço, não sei se está certo... limite é difícil de se impor... Todos temos agressividade, é difícil separar". "O que é a atenção, qual a qualidade desta atenção que estamos dando para nossos filhos".
" Ele quer tudo muito rápido, come, come, come, está muito ansioso".
"Eu dou muita atenção para ela mas cada vez ela quer mais".
"Como é difícil fazer contato com ele".
As demandas mostram que os pais não conseguem diferenciar o que é próprio de um desenvolvimento e o que é patológico. Dificilmente isto é também diferenciado na própria escola, quando encaminha uma criança para ser "tratada". As crianças são encaminhadas porque são difíceis em classe. Não há uma contextualização sobre quantidade de crianças em sala e de educadores, quanto a condições de aprendizado escolar, de horários. Tudo fica por conta dos problemas das crianças em contexto freqüentemente entendido como de doença. Por isso alguns pais expressam: "Esses medos, o pular é um problema ou faz parte do desenvolvimento?"
O grupo reflexivo tem procurado definir os temas para as reuniões a partir das demandas. Assim, em relação às demandas acima, procura temas, tais como: O que são limites e como colocar limite; Qual a qualidade da atenção... Como não sentir culpas; Como estamos educando; e, sobretudo, como são as crianças nesta faixa de idade?".
Nossa equipe vem trabalhando temas em grupos de reflexão a partir destas demandas. Focaliza em geral como são as crianças a partir da lembrança dos pais de sua própria infância e de jogos e brincadeiras que procuram intermediar as relações entre pais e filhos; como os pais podem ficar mais presentes, ouvirem para seus filhos falarem e, falarem para seus filhos ouvirem, tendo em vista suas rotinas de trabalho e composição familiar. Nos últimos anos houve mudanças na composição do grupo familiar. A maioria das "famílias" que atendemos é composta por mãe e filho. Quando existem pais vivendo junto, geralmente sem vínculos formais, ambos trabalham e repartem muitas vezes a participação nos grupos. Observamos que os papéis sociais modificaram-se muito. Temos recebido pais com emprego noturno e pais desempregados que ficam com os filhos no período diurno para as mães trabalharem. A função de cuidar da alimentação muitas vezes é cumprida por uma criança mais velha dentre os irmãos, ela própria com pouca idade, 7 ou 8 anos, que é trazida ao grupo por dificuldades escolares. As pessoas têm pouco tempo para si próprias e para se relacionarem e pouca atenção pode ser dada à criança na rotina da casa. Acrescentamos que a principal queixa da criança em relação à escolaridade é a de falta de atenção.
Na medida em que se oferecem aos pais oportunidade de trocas de experiência em dinâmica grupal de participação, percepção sobre as demandas que trazem, entendimentos sobre a relação família sociedade e, sobretudo, sobre o papel que representam nestas relações, os grupos tem oferecido aos pais condições para maior aceitação de si mesmos e de seus filhos e elementos de reflexão capazes de provocar mudanças nas relações intrafamiliares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSEN, Tom. Reflexões sobre a Reflexão com as Famílias em A Terapia Como Construção Social Org.McNamee, S. e Gergen, K. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
VICINI, Yara Spadini e GRANATOVICZ, Mirel. Projeto Interdisciplinar de Aprimoramento Clínico-Institucional: Grupos Temáticos de Pais. Boletim da Clínica Psicológica. Vol.v, março, pp.12-24, São Paulo,1999.