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BOLETIM CLÍNICO - número 18 - setembro/2004

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos



27. Aspectos do Ralacionamento Pais(homens) e Filhos - Uma Experiência num Grupo de Pais

No ano de 2003, o aprimoramento denominado "Atendimento clínico para adultos na abordagem junguiana" comportou duas modalidades de atividade: a psicoterapia para adultos, no qual os aprimorandos receberam pessoas para psicoterapia individual (que ocorreu durante todo o aprimoramento, de março de 2003 a fevereiro de 2004) e o denominado "Grupo de Pais", realizado apenas no II semestre, no qual os aprimorandos tiveram a oportunidade de trabalhar questões trazidas por pais (homens), diante de dificuldades de relacionamento com seus filhos.

Gostaríamos de descrever, neste momento, como se estruturou e se desenvolveu este grupo, quais as principais dificuldades que os pais traziam em relação aos filhos e ao sistema familiar como um todo, assim como apontar a avaliação realizada do trabalho, pelos participantes e por nós, supervisor e aprimorandos.

1- Grupo de pais - configuração, queixas e expectativas

Durante parte do primeiro semestre de 2003, os aprimorandos se dedicaram a realizar a triagem de homens que se interessassem pela atividade, tivessem condições psicológicas de participar de um grupo desta natureza e que aderissem aos objetivos do grupo.

O grupo constou de 10 sessões de uma hora e meia cada uma, contou com duas terapeutas e uma observadora e dele participaram três homens, que descreveremos sucintamente (nomes fictícios), assim como suas queixas e expectativas iniciais: Fábio - publicitário de 50 anos que, após um litígio judicial com a esposa, conseguiu a guarda definitiva do filho. Este está hoje com 12 anos e mora com o pai e sua atual mulher há aproximadamente um ano e meio.

Fábio comentava que sua ex-esposa trabalhava muito, era ausente e a criança ficava, na maior parte do tempo, com a empregada. Não aceitando esta situação, entrou com o pedido judicial de guarda, ganhando, em seguida. O participante colocava que, de alguma forma, tanto seu ritmo de vida quanto o de seu filho foram alterados, mas acredita "que estão se saindo bem", avaliando positivamente a experiência da guarda e o relacionamento com o filho.

No entanto, Fábio procurou o grupo pois se sentia inseguro em relação à educação do filho, pois a convivência diária suscitou dúvidas sobre o "caminho certo" no desempenho de seu papel paterno.

Márcio tem 39 anos e é publicitário. Após sua separação, está morando com a mãe e divide a guarda do filho com a ex-esposa. O participante não apresentou uma queixa específica: procurou o grupo como um meio de ter informações para preparar seu filho para enfrentar o mundo. Seu filho tem cinco anos.

Márcio foi criado predominantemente por mulheres (mãe, avó e tias), não contando com a presença de seu pai na infância, nem de outras figuras masculinas. O participante tem a preocupação de não repetir a conduta de ausência paterna com o filho.

Wilson é servidor público, tem 54 anos e tem três filhos provenientes de três relacionamentos distintos: Lívia, de 25 anos, que mora com a primeira ex-esposa em outro estado: Maurício, de 15 anos, que mora com a segunda ex-esposa no interior de São Paulo e Juliana, de 5 anos, que vive com ele e sua atual mulher.

Wilson busca o grupo por estar encontrando dificuldade em impor limites à filha mais nova: "Ela é muito traquinas..."

Em geral, todos os participantes tinham em comum uma queixa de insegurança no desempenho da função paterna no relacionamento com os filhos. Quanto às expectativas, todos buscavam, no grupo, de forma pouco consciente, o "certo" e o "errado" na condução dos filhos, assim como uma voz orientadora que lhes apontasse um caminho seguro. Ou até mesmo um manual de instruções de como educar seus filhos.

2- Principais dificuldades abordadas

Elencamos aqui as principais dificuldades abordadas durante o processo do grupo:

A primeira dificuldade que se fez evidente nos participantes foi a de lidar com a imprevisibilidade, com a conduta dos filhos a partir de sua própria subjetividade, daquilo que sentiam e percebiam. Como foi assinalado no trabalho de Faria (2003), no início do Grupo de Pais prevaleceu uma grande expectativa de um modelo de certeza que viesse pronto das vozes das terapeutas. Talvez o maior trabalho no grupo tenha sido o de mostrar a possibilidade de se construir uma paternidade a partir do olhar de cada um e não a partir de um papel coletivo pré-determinado.

A segunda dificuldade que observamos nos participantes foi a de lidar com as interdições e os limites, tanto na educação de seus filhos, como no contato com as ex-esposas. Esta dificuldade aparecia sob diversas formas e questões, como por exemplo: ao observar uma conduta inadequada, como colocar o limite? O quanto devo cuidar e proteger, até que idade estes cuidados são necessários? Como não proteger demais, se quero preparar meu filho para o mundão lá fora? A função do pai é proteger ou promover a autonomia?

Em todas as falas apareciam polaridades antagônicas, como por exemplo: proteger ou promover autonomia. A visão unilateral impedia o grupo de perceber a necessidade de integrá-las numa totalidade. No exemplo dado, articular as polaridades proteção e autonomia, criando a idéia de que educar a criança ou o jovem para a autonomia é uma forma de proteção.

A questão dos limites também aparecia no modo de lidar com os relacionamentos familiares, englobando-os num todo. Assim, a relação com o filho que mora com a ex-esposa era afetado pelos problemas ou ressentimentos decorrentes da separação e que ainda não estavam conscientes. Foi necessário um trabalho de separação do papel paterno do papel de ex-marido, isto é, construir uma discriminação entre a relação entre o pai e o filho, com sua especificidade pessoal, do papel de ex-marido, com o intuito de preservação de relacionamentos de paternidade mais saudáveis, mesmo que as relações de "ex" fossem difíceis.

A terceira dificuldade que apareceu foi a dificuldade de aceitar as características próprias dos filhos - aqui os participantes caíam numa concepção puramente genética ou ambiental da conduta dos filhos - se os filhos têm os nossos gens e são educados por nós, porque apresentam tais características? Aí, qualquer conduta que é conhecida/esperada é vista como uma falha dos pais que, conseqüentemente, se sentem culpados. Esta dificuldade aparecia, por exemplo, na discussão do medo da homossexualidade dos filhos (homens) - como poderíamos evitar isto?, numa tentativa de manipulação da subjetividade de cada um. Aqui a onipotência paterna e masculina aparecia em seu esplendor, numa tentativa de controle do mistério e da riqueza que constitui cada ser humano.

Finalmente apareceu a questão dos papéis de homem e mulher na atualidade, expressando os participantes uma insegurança em relação à adaptação às novas atribuições de tarefas antes vistas como unicamente femininas, como cuidar da casa, cuidar diretamente dos filhos (alimentação, higiene, cuidados domésticos), etc. Apesar de uma maior consciência de uma nova paternidade que desponta, os participantes sentiam uma grande resistência em assumir estas atividades, como se estas o feminizassem, como se ele não pudesse ter um lado feminino (anima), além do masculino.

3- Avaliação do trabalho

Os participantes demonstraram um bom aproveitamento dos encontros, percebendo que ficaram mais conscientes do exercício pessoal de sua paternidade e que algumas condutas tinham se transformado, principalmente em relação à discriminação dos relacionamentos e dos limites.

Percebemos, supervisor e aprimorandos, que os encontros permitiram que os pais desenvolvessem uma visão menos idealizada da paternidade, possibilitando a percepção de que são pais "normais" e que não precisam ser pais "perfeitos". A admissão da imperfeição fez com que os participantes do grupo tivessem uma maior aproximação com os filhos, podendo, em alguns casos, colocar limites para os mesmos, para as esposas e ex-esposas.

Como aspecto negativo, consideramos o número de participantes muito pequeno, criando pouco dinamismo grupal e um vazio, quando um dos membros não estava presente. Foram feitas sugestões pelos participantes para divulgação do trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FARIA, Durval Luiz de. O pai possível - conflitos da paternidade contemporânea, São Paulo, Educ-Fapesp