aprimoramento - topo banner - clínica psicológica - puc-sp

BOLETIM CLÍNICO - número 20- julho/2005

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


21. Como uma Família Lida com a Adoção - Dificuldades de uma Família Perante a Adoção

APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA

Esta família foi atendida durante um ano e meio na clinica da PUC, isto é, de março de 2003 até setembro de 2004, eles foram encaminhados pela escola dos filhos.

A família é composta por quatro pessoas: o pai (João) que tem 40 anos e é comerciante mas está desempregado, a mãe (Maria) tem 39 anos e é professora e coordenadora de uma escola, a filha (Lucia) tem 12 anos e está na sexta série e o filho (Paulo) tem 8 anos e esta na segunda série, e é o paciente identificado. As duas crianças estão estudando em uma escola particular tradicional, de classe social alta e conservadora de São Paulo. A avó também mora junto na casa, mas não vem para a terapia, pois é uma senhora, já com bastante idade.

A mãe foi submetida a uma histerectomia aos 28 anos em decorrência de uma endometriose, o que a impossibilitou de ter filhos, adotando assim duas crianças. Ambos tem algumas informações de que são adotados, mas nada mutio claro. Eles vieram para esta família ainda com poucos dias de vida. A menina foi adotada quatro anos antes do seu irmão.

MOTIVO DA CONSULTA

A queixa da família é em relação ao menino que esta apresentando problemas de comportamento. Segundo os pais: "Paulo não tem limites, provoca brigas com os colegas e em casa o tempo todo, não consegue ficar parado e é bastante agressivo"(sic). Já recebeu várias advertência e tem matrícula condicional na escola e por causa deste fato há uma grande possibilidade de que seja expulso. Para agravar mais ainda a situação, ele e a irmã tem bolsa de estudos, pois a escola é particular e os pais não teriam condições financeiras para pagar a mensalidade, tendo assim que ir estudar em uma escola pública.

Paulo é uma criança extremamente inteligente, perspicaz, criativa, tem boa memória e um excelente desempenho escolar mas , de acordo com os pais, apresenta baixa tolerância à contrariedade e a ordens de superiores, como os professores.

A mãe relata: "Paulo faz de tudo para as pessoas não gostarem dele, não deixa as pessoas chegarem perto, fala o tempo todo que não gosta de ninguém e é muito agressivo" (sic) afirma ela e o seu marido. Eles já não sabem como lidar com o filho, uma vez que, conversas e castigos não adiantam de mais nada. Porém, após as primeiras sessões observamos que havia uma situação encoberta: estas crianças eram adotadas e este assunto estava muito oculto para todos, pois isso não foi mencionado.

Entramos em contato com esta informação a partir do relatório do psicodiagnóstico e percebemos a importância de abordarmos este tema.

SÍNTESE

A mãe veio procurar a clinica por indicação da escola das crianças: "Paulo esta apresentando muitos problemas tanto em casa quanto em sala de aula, achamos melhor atendermos ao pedido e indicação da escola" (sic).

Primeiramente o filho passou por um psicodiagnóstico, 2002, e foi detectada uma necessidade de terapia familiar. No ano de 2003 esta família foi chamada por nós para a terapia.

A família veio para a primeira sessão, não entendendo muito bem por que a presença de todos era necessária. Explicamos que era importante a presença de todos os membros, pois quando temos um problema na família ele não se resume em só uma pessoa mas sim a família toda.

A queixa inicial, como já sabíamos, era de comportamento. Foi relatado pela família que o filho vinha apresentando enormes problemas de relacionamento já fazia algum tempo, em casa, e que agora, apresentava este problema na sala de aula também e estava praticamente sendo expulso do Colégio, onde estava estudando, o que acarretaria em um grande problema para esta família, pois a irmã também estuda lá como o resto da família toda, de origem materna, e por este motivo os pais queriam mantê-los a qualquer custo já que faz parte da tradição familiar. Isso era vivido como uma imposição dos pais em relação às crianças, por que não queriam que seus filhos se diferenciassem do restante da família.

Começam a falar de como era a rotina deles e quão exigentes eles eram como pais. Relatam que eram severos, mas que sempre conversam com os filhos, eles davam bronca mais sempre explicam o por quê: "nunca é uma bronca sem fundamento, as crianças sempre sabem o motivo." ( sic), "e nós também sempre escutamos o lado deles"(sic). Contaram que não suportam mentiras e que de algum tempo para cá o filho vinha mentindo em relação a problemas na escola, e que eles estavam muito chateados e já não sabiam mais que conduta tomar. Em compensação a filha era ótima, nunca deu problemas e era uma excelente aluna. Por isso eles achavam que não era necessário que ela viesse para a terapia.

Pudemos, logo no começo, perceber muitas coisas desta família. Os pais são severos e não dão muito espaço para os filhos, assim como a escola, onde tudo acontece sob mil regras e normas. A adoção é um assunto intocado, o que nos chama atenção, pois hora nenhuma isso é falado ou sequer mencionado. E o que chama mais atenção é a rigidez destes pais, eles parecem inflexíveis.

Este aspecto ficou mais claro ao longo das sessões, em que Paulo começa a fazer desenhos e a trazer livros que se relacionavam às questões de nascimento e origem. No entanto, a adoção e a impossibilidade da mãe engravidar não eram mencionadas em nenhum momento no principio. Quando foram questionados a este respeito, os pais disseram que nunca haviam conversado sobre este assunto mas que os filhos sempre souberam de uma forma indireta que eram adotivos, "nós sempre fomos abertos para falar com as crianças sobre este assunto, mas elas nunca perguntaram…" (sic). Algo confuso e contraditório.

Pensamos que Paulo, o paciente identificado, se encaixa no mito do jovem rebelde, pois ele "fala" de assuntos que não podem ser ditos pela família como a adoção. Podemos perceber isso quando ele apresenta problemas na escola, pois ele "diz": não faço parte desta família e não quero estudar lá ou ainda quando se mostra "rebelde" quanto às imposições dos pais no quesito comportamento. Por este caminho, o filho pode expressar pelos pais e através deles sentimentos e situações não tolerados pelos mesmos, como o não poder engravidar da mãe.

Esse filho ao se diferenciar tanto dos outros membros da família e ao se distanciar das expectativas dos pais, atuando a agressividade não permitida, acaba por trazer "à tona" também, a questão não elaborada por eles: a adoção. Uma vez que, essa criança se diferencia tanto, torna mais "explícito" para os pais, de forma consciente ou inconsciente, um fato que tentam negar e que não conseguem lidar com o fato de que este filho é adotado. É vivenciado um sentimento de familiaridade, onde a filha corresponde aos anseios da família em contra posição de um sentimento de estranheza (Teixeira, 2000), que o filho proporciona.

Ao passar do tempo Paulo ficava cada vez mais rebelde na escola, e no final daquele ano foi expulso causando grande mal estar na família. Os pais então matriculam os filhos em outra escola e a partir deste momento ele apresentou uma melhora muito significativa no comportamento, pois havia mudado de escola e estava na terapia familiar já a alguns meses. Neste momento percebeu que era aceito naquela família independentemente de estudar naquela escola ou em outra. Ou seja, os pais mantinham as crianças nesta escola como uma forma de não torna-los diferentes do resto da família em uma tentativa de camuflar a adoção.

Após começar a freqüentar a terapia e a nova escola se tornou uma pessoa mais tranqüila e segura. Paulo aos pouco veio trazendo para a sessão, objetos bem significativos para a sua vida e sua história como o seu álbum de bebê, e a partir deste fato pudemos perceber que Paulo estava tentando se aproximar de sua história tentando resgata-la, pois era inexistente até então.

MOMENTOS SIGNIFICATIVOS DO ATENDIMENTO

Os desenhos feitos pelo menino eram em si muito significativos porém, dois em especial nos chamaram a atenção: o desenhos das montanhas. Em um primeiro desenho a montanha esta "machucada" por dentro e foi chamada então a equipe da reconstrução para poder amparar esta montanha e ser levada para o hospital. O segundo desenho é quando a montanha ,já recuperada, sai do hospital e forma uma nova família com um "marido montanha" e dois "filhos montanha". Relacionamos estes desenhos do Paulo com o histórico familiar no qual a montanha machucada por dentro é igual a sua mãe sem útero e que se recupera e aparece uma nova família que é o seu pai, ele e a irmã.

Outro momento significativo do processo, foi quando nos foi solicitado a ida ao colégio das crianças para podermos conversar com a coordenadora e com a professora, pois os pais temiam que Paulo fosse expulso ou que perdesse sua bolsa de estudos.

Quando lá chegamos o tio (irmão da mãe) se apresentou a nós como o responsável financeiro dos filhos dela, mencionando que ninguém da família tinha o conhecimento deste fato, isto é, mais um segredo que eles tinham levado por anos sem que os pais "soubessem". Com a possibilidade de Paulo ser expulso, o tio se viu na obrigação de intervir, e mais este segredo veio à tona. Este fato nos reforça o encobrimento de fatos que esta família faz, desrespeitando as próprias crianças com tantos segredos e camuflagem de acontecimentos.

Este tio estava na verdade ocupando o lugar de provedor que deveria ser do pai, ele adotou economicamente estas crianças.

ENCERRAMENTO

No dia da devolutiva, na sessão de encerramento os pais continuaram desqualificando o atendimento, isto é, disseram que a melhora foi devida apenas e somente ao Paulo que ninguém mais havia feito ele melhorar.

No entanto Paulo nos deixou algo muito significativo e simbólico: fez dois aviões de papel, cada um com o nome das terapeutas e pediu para que todos assinassem, e solicitou que nós o aguardássemos do lado de fora da clínica quando acabasse a sessão.

Após o termino da devolutiva esperamos Paulo como ele havia solicitado, dali alguns instantes ele apareceu na sacada do apartamento da avó, que é o prédio vizinho a clinica, nos chamou e jogou em nossa direção os dois aviões para pegarmos, se despediu e entrou.

Com este gesto entendemos que Paulo nos quis mostrar que ele aprendeu a voar sozinho.

BIBLIOGRAFIA

Cúneo, L. Abraham de. Soy adoptado ( Acerca de los caminos que recorren los padres adoptivos). Ed. Libros del Quirquincho, Buenos Aires, 1991. Rotenberg, Eva. Adopción ( El lido antelado). Lugar Editorial, 2001. Teixeira, Ana Carlota P. Adoção ( Um Estudo das Motivações). Ed. Stiliano, Lorena,2000.