A fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC teve suas origens nas decisões de um grupo de cientistas reunido na sede da Associação Paulista de Medicina, no dia 08 de julho de 1948, para a discussão de um projeto de estatuto desta sociedade. Nesta data foi eleita uma comissão diretora provisória e aprovado um estatuto e, em novembro do mesmo ano, tomou posse a primeira diretoria definitiva.
A SBPC já nasceu com o caráter de uma instituição combativa. Com efeito, um fato que motivou sua criação foi a decisão do então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, de restringir as atividades do Instituto Butantã, “praticamente eliminando a pesquisa básica ali desenvolvida, ato que causou a indignação dos cientistas”, conforme o Relatório de Atividades da SBPC.
Desde logo, e no decurso de sua história, a SBPC constituiu um marco na institucionalização do desenvolvimento científico no Brasil. A sua fundação estimulou a criação de outras organizações, por volta da mesma época, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico - CNPq, em janeiro de 1951, e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, em julho de 1951. O fundador da CAPES, Prof. Anísio Teixeira, foi também presidente da SBPC em dois mandatos, de 1955 a 1959.
Ressalte-se que a SBPC não era apenas um importante protagonista nas discussões e formulações das políticas concernentes ao desenvolvimento científico e tecnológico do país; o que já não era pouco. Mas, ao longo de sua história, sobretudo entre as décadas de 60 e 80, além de sua dedicação à ciência, a SBPC tornou-se um espaço de resistência ao governo militar. “A entidade passou a exercitar um papel fundamental de resistência durante os 20 anos de governo militar (1964-1985) (...). Suas reuniões anuais eram um dos raros espaços para discussões de qualquer natureza, num regime político fechado e autoritário", segundo o Relatório de Atividades.
Assim, a SBPC, ampliando o seu papel político e assumindo a responsabilidade social do cientista, tornou-se também um fórum de debates de questões de interesse geral da sociedade e de denúncias.
Manifestava-se contra perseguições a professores, pesquisadores e estudantes; contra as invasões policiais a universidades e desrespeito à autonomia universitária.
Protestava contra as interferências autoritárias nos sistemas educacional e científico que feriam a liberdade na produção intelectual das universidades; contra a obrigatoriedade de disciplinas no sistema de ensino do país como Organização Social e Política Brasileira - OSPB e Educação Moral e Cívica que visavam difundir a doutrina do governo militar; contra a redução de verbas às universidades.
Denunciava os impactos da política nuclear do governo militar; o modelo econômico baseado na concentração de renda e no extremo endividamento externo; apoiava o combate à pobreza; a luta dos povos indígenas.
Além disso, as reuniões anuais da SBPC garantiam espaços para reuniões paralelas do movimento estudantil e outros movimentos sociais que foram postos na clandestinidade pela ditadura.
Assim, em um cenário de ausência de espaços para o exercício da liberdade de expressão, as reuniões da SBPC se fortaleceram e se transformaram em palco de debates e denuncias, permitindo questionamentos de fundo aos modelos econômico e social impostos pela ditadura, como observa Nader.
Foi neste contexto que, em 1977, a 29ª Reunião Anual da SBPC quase não se realiza, pois sofreu restrições de toda ordem por parte do governo. Tendo como presidente o Prof. Oscar Sala, físico, a SBPC tinha sua Reunião Anual prevista para acontecer em Fortaleza, na Universidade Federal do Ceará. Entretanto, em data próxima ao evento, o então Ministro da Educação, Ney Braga, comunicou aos dirigentes da instituição que não haveria verba para o financiamento da reunião e que as universidades federais estavam proibidas de sediá-la. Um dos temores era que a União Nacional dos Estudantes – UNE iria realizar um encontro simultâneo à reunião anual da SBPC.
A partir desta comunicação, integrantes da SBPC, em reunião com cerca de 900 sócios, indicaram a Universidade de São Paulo como sede alternativa. Mas, o aval da Reitoria da USP não foi obtido. A Profa. Carolina Bori, responsável pela organização do evento, teria dito na ocasião “o que vi naquele dia foi a coisa mais triste que já vivi na Universidade. Eu me deparei com um reitor que não podia dizer nem sim nem não”, conforme o Jornal da USP.
Nesta condição, os dirigentes decidiram recorrer à PUC-SP. Foi então que, “graças à atitude firme do cardeal D. Paulo Evaristo Arns, então arcebispo metropolitano de São Paulo, que desafiou o regime militar e disponibilizou as instalações da PUC, o evento foi realizado” (Relatório de Atividades). Com a anuência imediata de D. Paulo, a reitora Profa. Nadir Kfouri acolheu a proposta e tomou as providências necessárias para a realização da reunião. Assim, de última hora, a PUC-SP organizou seus espaços e sua infraestrutura para abrigar o evento. Conforme depoimento de Montoro na época, “outro movimento, muito formidável, foi a decisão da PUC oferecer a sua sede para a reunião da SBPC. Quando o Governo fechava as portas, a USP fechava as portas e parecia que ia se interromper essa série de reunião, que eram da maior importância na vida científica e cultural do País, foi a PUC-SP que, corajosamente, cedeu seu campus e permitiu a continuidade dessas reuniões”.
A cerimônia de abertura, ocorrida às 20 horas de 06 de julho de 1977, foi solenemente realizada no Teatro da Universidade Católica, o TUCA, então superlotado.
As atividades da SBPC transcorreram regularmente no período de 06 a 13 de julho de 1977 e, junto ao caráter científico das atividades, a 29ª Reunião Anual da SBPC abrigou debates políticos e denúncias, reuniões de vários movimentos sociais, constituindo mais uma atividade de resistência à ditadura. Nas palavras da Profa. Carolina Bori, “essa foi a resposta dos cientistas ao governo, que mostrou que toda a tentativa de controle foi em vão”, conforme o Jornal da USP.
Apesar de todos os empecilhos, e embora mais de 800 trabalhos inscritos não puderam ser apresentados, por estarem os seus autores proibidos de participar, como observa Nader, a reunião teve grande sucesso e repercussão.
E, como a verba do governo militar foi cancelada, a realização da reunião anual da SBPC de 1977, foi realizada grande parte com fundos angariados em shows realizados por Chico Buarque e Caetano Veloso e com a venda do cartaz, abaixo, que sugestivamente estampava a figura de Galileu Galilei: eppur si muove...