A atuação de D. Paulo Evaristo Arns à frente da Igreja Católica de São Paulo é importante, não apenas na ótica dos direitos humanos, como também na condução da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, da qual, como dito anteriormente, foi Grão-Chanceler.
A PUC-SP ganhou notoriedade nacional, não só como espaço de resistência à censura e às atrocidades cometidas pela ditadura, sofrendo violências por parte do Estado, como também em razão do episódio da invasão de 1977 e de acusações por parte de ministros da ditadura de que a “PUC-SP era um antro de subversão”. Era reconhecida como um espaço no qual a comunidade acadêmica resistiu, se organizou e instituiu, entre outras mudanças, a participação de estudantes, professores e funcionários de forma paritária nas eleições internas para reitor, diretores, conselhos e departamentos. Por iniciativa de D. Paulo, teve a primeira reitora eleita no país e a primeira mulher reitora.
E, enquanto muitos professores cuja produção se opunha ao pensamento oficial eram expulsos de universidades brasileiras, a PUC-SP, ao contrário, acolheu-os em seu quadro de professores, como Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Maurício Tragtenberg, Paulo Freire, José Arthur Giannotti, Bento Prado Júnior, Maria Nilde Mascellani, Paul Singer, e outros.
Enquanto em outras instituições de ensino – e em grande parte delas com a conivência de suas reitoria e direções de faculdade – professores e estudantes envolvidos com o movimento estudantil ou acusados de militarem em organizações políticas de enfrentamento à ditadura eram delatados, perseguidos, enquadrados no Decreto 477, expulsos das Universidades e praticamente obrigados a entrarem na clandestinidade, na PUC-SP, a sua comunidade não era punida ou expulsa por força deste Decreto, nem por força de sua reitoria.
Por essa razão, foi com grande indignação que a comunidade, em 1977, sofreu a invasão da PUC-SP por tropas militares comandadas pelo Cel. Erasmo Dias; ocasião em que estudantes foram violentamente agredidos. Na ocasião, com a presença de estudantes de diversas universidades brasileiras, era realizado o III Encontro Nacional de Estudantes. A invasão ocasionou a prisão de mais de 900 estudantes. Na manhã seguinte ao fato, D. Paulo Evaristo Arns, ao saber do ocorrido, voltou prontamente de uma viagem a Roma e pronunciou a frase que ficou muito conhecida: na PUC só se entra pelo vestibular.
Provavelmente em decorrência desta atitude os militares revidaram numa ação contra D. Paulo reunindo mais de quarenta fichas investigativas sobre suas ações junto ao movimento estudantil e sindical, conforme relatado por Ricardo Carvalho em seu livro:
Depois de dez dias de ter invadido a PUC, o coronel Erasmo Dias, famoso pela truculência, reuniu jornalistas em seu gabinete para, segundo a ficha do DOPS, de 02/10/1977, dizer o seguinte: “esse padre é que está colocando na cabeça dos estudantes essa ideia de Constituinte. Disse aqui, repito e direi até na frente de Jesus Cristo: o regime não será derrubado como muita gente está querendo. Não posso dizer quem; é muita gente. O religioso não deve incentivar desse jeito os estudantes. Ele poderá ser o responsável pelo que vier acontecer” (2014, p. 75).
Outra valiosa característica de D. Paulo, e menos conhecida, é sua crença, ou em suas próprias palavras “sonho”, de constituir uma Universidade “a serviço do povo”. No período em que foi Grão-Chanceler da PUC-SP vários foram os simpósios, encontros, congressos que mobilizaram toda a comunidade na reflexão da relação universidade/periferia, cultura do povo, comunidades indígenas etc. E era muito frequente em suas falas esse chamamento.
Em abril e junho de 1977, em dois encontros abertos ao público que D. Paulo realizou com a reitoria, diretores de centros/faculdades e com o Conselho Comunitário, discutiu-se, no primeiro encontro, a Universidade e a cogestão e, no segundo, a relação da Universidade com o povo. Neste último, a pergunta era: Puc, a quem serves? E dentre as propostas sugeria-se “ajudar os grupos populares, sem tirar a sua expressão, a manifestar sua dimensão política no sentido da convivência cidadã”; a “ajudar os grupos numa espécie de autoanálise dos aspectos massificantes e alienados de sua vivência (...)”, entre outras propostas.
Em uma entrevista ao Jornal Porandubas, em abril de 1979, D. Paulo observa que a uma universidade católica cabe “fornecer preparo profissional de boa categoria”; também “diante de um capitalismo e socialismo cansados, preparar uma nova síntese, [...] perspectiva, [...] para a sociedade no sentido dos movimentos democráticos” e, observando que “esse é o meu grande sonho”, pôr “a universidade a serviço do povo”. E, para ele, isso significava não só que a universidade empreendesse a luta por justiça social, como também que o povo e seus filhos chegassem “a entrar na universidade”.
Além disso, e lembrando as diretrizes definidas em Buga, Colômbia, em 1967, observa que a “opção inicial foi pelos pobres e pelos jovens”. Neste sentido, outra meta da universidade é a juventude; a ela cabe “colocar os estudantes em contato profundo e duradouro com o povo, [...] canalizando seu entusiasmo e suas aptidões para uma ação construtiva”. E, enquanto professor universitário que também era, D. Paulo deixou a bela frase dentre a suas propostas:
(...) a juventude, junto com seus mestres, os quais são o que a juventude tem de mais ideal; os mestres são a própria juventude realizada.
E esse “sonho” do Cardeal por uma universidade a serviço do povo era correspondido: em novembro de 1977, dois meses após a invasão e destruição de instalações da PUC-SP por tropas policiais comandadas pelo Cel Erasmo Dias, D. Paulo recebe a quantia de CR$ 140,00 arrecadada em uma comunidade pobre da periferia, a fim de contribuir para a reforma da PUC-SP, acompanhada da seguinte carta:
Por todos esses atos e muitos outros a Arquidiocese de São Paulo, na figura de D. Paulo deve ser destacada em qualquer documento sobre a resistência à ditadura.
Considerando que nas ditaduras latino-americanas, inclusive no Brasil, havia uma ambígua atuação de lideres religiosos na Igreja, que agiam de forma complacente com os agentes das ditaduras ou até mesmo colaborando com a repressão, a atuação de D. Paulo se torna ainda mais exemplar.