A Campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita é reconhecida como o primeiro movimento nacional unificado contra a ditadura. Surgidos em meio à conjuntura de retomada das lutas de resistência no país que envolveram setores diversos da sociedade civil, os movimentos pela anistia afirmaram-se como o polo político mais articulado de resistência à ditadura no final dos anos 1970. Embora as ações a favor da anistia, mesmo que esparsas e intermitentes, possam ser identificadas desde os finais dos anos 1960, seria a partir de 1974/5 que o movimento cresce e adquire suas formas mais articuladas. Naqueles anos, até aprovação da Lei 6.683, mais conhecida como Lei de Anistia, em 28 de agosto de 1979, (Link 1), a campanha pela anistia expandiu-se e organizou-se nacionalmente num processo de intensa disputa política com o regime.
O Movimento Feminino pela Anistia – MFPA, criado em 1975, foi o primeiro a articular-se pública e oficialmente, construindo sua atuação por meio de reuniões regionais, da criação de núcleos estaduais, da edição e distribuição de boletins e jornais que espalharam pelo país inteiro a luta pela anistia. Tendo como figura líder Therezinha Zerbini e o destaque do ativismo feminino, o MFPA agitou a bandeira da anistia em diversos Estados do país e também no exterior. Suas campanhas, dentre as quais se destaca a organização, já em 1975, do manifesto da mulher brasileira que reivindicava a anistia política e que logrou reunir mais de 16 mil assinaturas, repercutiram em diferentes espaços políticos nacionais e internacionais. A partir daquele momento, o tema da anistia política ganhava a cena pública como palavra de ordem agregadora da luta de diferentes setores de oposição ao regime militar. Contando com o MFPA e outros grupamentos, além da participação de entidades civis e de classe e de amplos setores da sociedade – estudantes, intelectuais, artistas, advogados, sindicatos, presos políticos e seus familiares, setores da Igreja, parlamentares – o movimento experimentou avanços e recuos, logrando conquistas importantes.
Nesta trajetória, o ano de 1978 seria decisivo. Além da criação dos Comitês Brasileiros pela Anistia – CBA’s foram registradas inúmeras manifestações estudantis em protesto contra prisões e torturas de presos políticos em várias regiões, assim como a organização dos “Dias Nacionais de Protesto e Luta pela Anistia” e dos “Comitês 10 de Maio pela Anistia”.
Com a criação dos CBA's a mobilização expandiu-se significativamente. Os Comitês surgem como organizações independentes reunindo entidades e militantes de todo o país e, entre os anos 1977, 1978 e 1979, configura-se como uma rede composta por mais de sessenta CBA’s espalhados pelas capitais e cidades do interior da maioria dos Estados brasileiros. Esta rede passa a desenvolver uma campanha articulada de esclarecimento, de propaganda e de informação sobre a Anistia Ampla Geral e Irrestrita. Anistia Ampla porque para todos os atos de manifestação de oposição ao regime; Geral porque para todas as vítimas dos atos de exceção e Irrestrita porque seria uma anistia sem discriminações e restrições. No decorrer dos trabalhos da Comissão da Verdade da PUC-SP foram realizados dois importantes depoimentos com Luis Eduardo Greenhalgh e Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes (Dodora), ambos membros do CBA São Paulo.
Esta rede constituída pelos CBA’s e seu sistema de apoios e alianças ganha organicidade e , no “I Encontro de Movimentos pela Anistia”, realizado em setembro de 1978, na cidade de Salvador, foi aprovada a Carta de Salvador com uma pauta unificada de luta, avançando nas demandas políticas de enfrentamento à ditadura . Tal pauta constituiu-se em marco histórico da luta, definindo reivindicações e metas gerais da campanha, muitas das quais orientam as lutas por memória e justiça até a atualidade. Assim, a partir daquele momento, a campanha pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita, liderada pelos CBA’s, exigia:
a libertação imediata de todos os presos políticos; a volta dos exilados, banidos e cassados; a reintegração política, social e profissional dos funcionários públicos ou privados demitidos por motivação política devido aos atos de exceção; o fim da tortura; esclarecimento das circunstâncias e dos responsáveis pelas mortes e desaparecimentos; a revogação da Lei de Segurança Nacional; o desmantelamento do aparato repressivo da Ditadura e o julgamento e punição dos responsáveis pelas violações perpetradas.
Com a rede de CBA’s e demandas unificadas, a campanha pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita ganhou a adesão de setores importantes da sociedade como a CNBB, Comissões de Justiça e Paz, ABI, OAB, movimentos Pró-UNE e vários DCE’s livres do país; desta forma, a mobilização expandiu-se e avançou politicamente. Uma das participações mais corajosas na campanha da anistia foi a dos presos políticos de todo o Brasil, principalmente via mobilizações nos presídios e realização de inúmeras greves de fome. Nos anos de 1978 e 1979 a campanha da anistia ganha as ruas, expande suas alianças com outros movimentos, principalmente os movimentos sindicais e populares, que então emergiam com força no cenário político do país, e promove inúmeros atos de panfletagens em fábricas e espaços populares, passeatas e outras manifestações públicas, conquistando o apoio de amplos setores da população. Dentre os momentos importantes da campanha pode-se destacar:
• I Congresso Nacional pela Anistia – São Paulo – TUCA- novembro/ 1978
• III Encontro Nacional pela Anistia- Rio – junho/1979
• Congresso de Anistia de Roma – junho/1979
• Greve Nacional de Fome dos Presos Políticos pela Anistia – julho/agosto1979
• IV Encontro Nacional pela Anistia – Piracicaba – julho/1979
• Grande Comício da Praça da Sé – setembro/1979
• II Congresso Nacional pela Anistia – Salvador – novembro/1979
Contudo, o projeto de lei de Anistia proposto pelo regime, como resposta ao avanço do movimento, enviado ao Congresso Nacional em junho de 1979, contrariava o espírito da campanha por uma anistia ampla, geral e irrestrita porque abrigava ambiguidades de interpretação e restrições em sua aplicação que até hoje permanecem como problemas para implementação da justiça de transição no país. Apesar de sofrer oposição vigorosa, o projeto foi aprovado em agosto do mesmo ano. Promulgada em seguida pelo General Presidente João Batista Figueiredo, a Lei 6.683, avaliada pelos movimentos à época como uma vitória parcial, como a abertura das prisões e a volta de banidos e exilados, devido às suas restrições a uma justiça plena, também legava aos militantes a necessidade de continuidade da luta.
Desde então, a luta pelas bandeiras propostas pela Campanha da Anistia Ampla Geral e Irrestrita, tais como esclarecimento das circunstâncias e dos responsáveis pelas mortes e desaparecimentos; a revogação da Lei de Segurança Nacional; o desmantelamento do aparato repressivo da Ditadura; o julgamento e punição dos responsáveis pelas violações perpetradas, como maior ou menor força, segundo as diferentes situações históricas, fazem parte da pauta das lutas democráticas no país.
Ainda durante as décadas de 1980/90, os movimentos, contando principalmente com o ativismo continuado das Comissões de Familiares de Mortos e Desaparecidos e dos grupos Tortura Nunca Mais, conseguiram avanços significativos, dentro os quais se situam: a aprovação de vários dispositivos legais que fizeram avançar a concessão da anistia às vítimas, a organização de listas e dossiês sobre vítimas e torturadores, ações visando à identificação de mortos e desaparecidos; retificação de registros de mortos e desaparecidos, a formação e atuação de Comissões em âmbito do Governo Federal como a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos aprovada pela lei 9.140/95, e mais recentemente caminha-se com a abertura de processos em cortes internacionais e nacionais como atesta a Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a Guerrilha do Araguaia, proferida em 24 de novembro de 2010, que responsabilizou internacionalmente o Brasil pelo desaparecimento de cerca de 7
Em outubro de 1980, familiares dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia percorreram a região dos conflitos para colher informações sobre as circunstâncias das mortes e a localização dos corpos dos guerrilheiros, entre eles o de Cilon da Cunha Brum, estudante da PUC-SP. Nesta primeira caravana obtiveram indícios de corpos enterrados no cemitério municipal de Xambioá e a existência de uma vala clandestina numa área denominada Vietnã, próxima àquela cidade. Colheram depoimentos, também, sobre a existência de cemitérios clandestinos em Bacabá, São Raimundo, São Geraldo, Santa Isabel, Caçador e Oito Barracas.
Em abril de 1991, familiares de militantes da Guerrilha do Araguaia realizaram escavações no cemitério municipal de Xambioá, encontrando duas ossadas: a de uma mulher jovem envolta em tecido de paraquedas e, outra, de um homem idoso. Uma equipe composta pelo Dr. Badan Palhares par0 pessoas, entre os anos de 1972 e 1974, na região do Araguaia.
No decorrer da última década, principalmente a partir da aprovação do PNDH-III- Plano Nacional de Direitos Humanos III, em 2009, da Comissão Nacional da Verdade, em 2011, e do funcionamento de inúmeras comissões da verdade por todo o país, tais lutas ganharam força crescente, articulando-se às lutas por memória, verdade e justiça em nossos país.