Home | Sobre a CVPUC | Apresentação

SOBRE A CVPUC

APRESENTAÇÃO






(...) como é pouco o que logramos conservar na memória, como tudo cai constantemente no esquecimento com cada vida que se extingue, como o mundo, por assim dizer, se esvazia por si mesmo, na medida em que as histórias ligadas a inúmeros lugares e objetos, por si sós incapazes de recordação, não são ouvidas, não são anotadas, nem transmitidas por ninguém (W. G. Sebald).

O Relatório Final de suas atividades que a Comissão da Verdade da PUC-SP Reitora Nadir Gouvêa Kfouri - CVPUC ora apresenta à comunidade acadêmica tem por objetivo a pesquisa dos principais episódios e processos que ao longo do período da ditadura civil-militar, 1964 - 1988, construíram a história da PUC-SP, contextualizada no quadro geral da história do país nesta época.

Contudo, pretende-se mais do que isso com este relatório.

A PUC-SP, amparada que esteve pela Cúria de São Paulo, diferentemente da USP e de outras universidades do país, não sofreu as quase irreversíveis perseguições institucionais e desmonte de seus projetos educacionais. Mas, também não passou ilesa, é certo; sofreu vários atos de violência perpetrados pelo regime de exceção. Contudo, soube resistir e ficou historicamente marcada como espaço de resistência, de denúncia dos atos de perseguição e violência da ditadura, e de apoio e proteção aos atingidos por estes atos do regime militar. Sua comunidade mostrou que a conivência ou a indiferença não são as únicas alternativas, e que é sempre possível resistir às situações de exceção.

Assim, para a Comissão da Verdade da PUC-SP reconstituir a participação da comunidade acadêmica nas lutas deste período significa, de um lado, buscar recompor o terreno da memória como espaço de atualização dos sentidos, das razões e das reivindicações daqueles que resistiram à violência e ao arbítrio. E, de outro lado, mais do que registrar um passado que nos compete preservar, significa buscar ativar memórias que sirvam de referências vivas que, hoje, na condução do presente e dos rumos futuros da nossa Universidade cabe, a todos, assumir.



*


A criação da CVPUC teve como referência a Comissão Nacional da Verdade – CNV cujo projeto de fundação, encaminhado ao Congresso Nacional, foi aprovado por meio da Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011 e seu Relatório Final apresentado à nação em dezembro de 2014.

Ressalte-se, de início, que a criação da CNV foi resultado de um processo que se iniciou muito tempo antes de 2011: sua instalação foi derivada da pressão de setores da sociedade civil, em especial da luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos que, desde a década de 1970, vinham exigindo que o governo brasileiro tomasse medidas objetivas no sentido de apurar os crimes hediondos praticados por autoridades civis e militares no período da ditadura no Brasil.

Esgotados os recursos internos para fazer valer estes direitos, em 2009 familiares de desaparecidos políticos da guerrilha do Araguaia e o grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, ao tomarem conhecimento, em 1995, do resultado da ação de responsabilização do Brasil em relação à Guerrilha do Araguaia – julgada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – impetraram recurso a esta mesma Corte denunciando que o Brasil não cumpria as determinações da Carta de Direitos Humanos aprovada pela OEA, da qual é signatário. Observe-se que este recurso derivava do fato do governo brasileiro não ter esclarecido a questão dos mortos e desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. Esta ação teve como título o Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil.

O projeto da Comissão Nacional da Verdade terminou sendo aprovado quase às vésperas do julgamento desta ação, em maio de 2012, em resposta à pressão internacional.

A CNV foi constituída em meio a muitos questionamentos e dúvidas daqueles que pediam a sua criação, pois, sem diminuir o mérito desta atitude do governo brasileiro, é fato que o projeto apresentado à nação se mostrou muito aquém das expectativas, em razão da manutenção de seu caráter de conciliação nacional; do longo período de abrangência, 1946/1988; do não questionamento da Lei de Anistia de 1979, que autoanistiou os torturadores; do número reduzido de seus membros – apenas sete e sem suplentes – frente à dimensão territorial do Brasil e do fato de não dar prioridade aos mortos e desaparecidos conforme exigia a sentença da Corte.

Além disso, uma transição incompleta, tal como o Brasil vem realizando, é capaz de acarretar graves e negativas consequências, tais como uma débil cultura no país concernente aos direitos humanos e à democracia; a perpetuação da prática de torturas e assassinatos com ocultação dos cadáveres e abusos físicos e mentais nos estabelecimentos policiais e militares; a continuidade do sofrimento daquelas famílias que jamais puderam enterrar seus mortos; a manutenção de uma sociedade que não toma conhecimento de um momento político crucial de sua história e a inexistência ou a desconstrução da memória de fatos ocorridos, capazes de educar e prevenir a sua recorrência no futuro.

Com efeito, países que foram palco de regimes de exceção souberam, posteriormente, enfrentar sua história, percorrendo corajosamente as diversas etapas do que se convencionou chamar Justiça Transicional. O Brasil, porém, até hoje, em nome da conciliação nacional prevista na Lei de Anistia de 1979, não assumiu a abertura dos arquivos e a apuração dos crimes cometidos durante a ditadura, o julgamento e a punição dos criminosos e nem as necessárias reformas institucionais de modo a impedir que crimes similares continuem se repetindo no país.

Ainda assim, no Relatório Final da CNV há avanços em relação a essas omissões, na medida em que reafirma que as violações aos Direitos Humanos praticadas durante a ditadura são crimes de Estado e que traz, como uma de suas principais conclusões, o reconhecimento de que o Estado ditatorial brasileiro praticou de forma sistemática graves violações aos direitos dos cidadãos durante a ditadura e de que tais padrões de violações aos direitos humanos seguem ativos na atualidade. Também criminaliza a cadeia de comando, apontando nominalmente 337 agentes públicos responsáveis por esses crimes. Entretanto, não aponta caminhos para a continuidade dessa apuração, imprescindíveis ao esclarecimento, à responsabilização e à punição dos responsáveis e ao impedimento de que tais atos continuem acontecendo, além de deixar sob a responsabilidade das famílias a apuração e a coleta de provas para tal punição.

Ainda que tardia e com as limitações que lhe foram impostas, a criação da CNV iniciou um processo político extremamente importante em um país que, sistematicamente, vinha tentando eliminar o seu passado recente. E, de qualquer forma, é preciso reconhecer que, aprovada a CNV, surgiu no país um amplo movimento social pelo direito à memória, à verdade e à justiça e pela apuração dos crimes praticados durante a ditadura que se configuram graves violações aos Direitos Humanos. Foram criados fóruns e comissões nos governos federal, estadual e municipal, além de comissões sindicais, universitárias e as criadas por associações de classe, como a OAB. Algumas delas tiveram poder investigativo, outras não. O importante é que por meio destes fóruns o Brasil voltou a discutir, de maneira politizada, questões ligadas aos direitos humanos e à ditadura. Esta multiplicação de comissões no país constituiu um fenômeno importante e, por isso, digno de destaque.

Foi nesta conjuntura política que a Comissão da Verdade da PUC-SP surgiu, fruto da iniciativa de alguns professores atentos ao debate nacional que se desenvolvia.

Agradecimentos

No desenvolvimento das atividades da CVPUC contamos com a colaboração institucional, imprescindível, de setores de suporte da PUC-SP, tais como a ajuda decisiva da DTI para criar este relatório/site digital, do setor de Eventos, do apoio do CEDIC na pesquisa documental, da administração do TUCA, do setor de Comunicação e Imprensa, do Centro de ex-alunos, da TVPUC, da Rede PUC, entre outros cuja ajuda não foi menos valiosa.

Igualmente, sempre estiveram dispostos a colaborar inúmeros colegas professores e funcionários, enviando pesquisas e textos, escrevendo ou prestando depoimentos, assim como alunos que participaram de forma ativa, com curiosidade e muita criatividade.

Contamos também com a colaboração de dez alunos bolsistas que fazem parte da CVPUC que, no dia-a-dia, iam descobrindo novas histórias, outras versões dos fatos; que pesquisaram nos arquivos do DEOPS, no jornal Porandubas, na biblioteca; que fizeram palestras em escolas – alguns foram até Cuba falar da Comissão; que junto à turma do Escracho falaram aos estudantes na rampa, cantaram paródias, dando alegria e ironia aos atos da CVPUC e trazendo amigos cuja ajuda foi fundamental.

Da mesma forma, o apoio do Pe. J. Rodolpho Perazzolo, sempre presente, mas que respeitou a autonomia da CVPUC, apoiando e valorizando as suas atividades, foi igualmente decisivo.

E, por fim, a fundamental parceria de militantes, autoridades, outras Comissões da Verdade, núcleos e movimentos sociais, que no decorrer destes anos contribuiu para a realização das atividades da CVPUC.

A todos, nosso reconhecimento e especial agradecimento.