Em 1984 o TUCA sofreu dois incêndios, em setembro e dezembro, o primeiro incêndio muito provavelmente criminoso dado às condições em que ocorreu. Na noite de sábado, 22/9/1984, cerca das 19h30min horas, mesmo dia da invasão da PUC-SP pelas forças da repressão 7 anos antes, em 1977, o TUCA é incendiado. O teatro estava vazio porque era intervalo entre dois espetáculos. O fogo se inicia no palco e rapidamente atinge as cadeiras e o telhado. Quando finalmente a escada Magyrus subiu para combater as enormes chamas do telhado, as pessoas “da calçada aplaudiram com lágrimas nos olhos”. Aproximadamente às 22:00 horas “o fogo e o TUCA estavam acabados”, conforme descreve o jornal Porandubas.
Aberta as investigações, constatou-se que o incêndio foi ocasionado por uma falha termoelétrica, contudo para muitos não se tratava de uma falha, mas de um ato criminoso. Assim, de acordo com texto do Padre Edenio Valle, pró-reitor comunitário da universidade:
O incêndio de setembro de 1984 foi um “atentado terrorista que” deu certo". Era o dia do sétimo aniversário da grande invasão. Enquanto na rampa se comemorava a vitória da PUC, um grupo da extrema direita, provavelmente com elementos da própria Universidade, tramou e executou uma manobra bem mais profissional da qual resultou um terceiro incêndio nascido em vários focos simultâneos. Dessa vez deu certo: tudo foi destruído. Quando os bombeiros permitiram nossa entrada no recinto, tirando o vestíbulo do prédio, não restava quase nada do que fora o TUCA. De pé só suas paredes nuas enegrecidas pelo fogo! Da sala maior, do salão Beta e do Tuquinha nada restava exceto o cheiro insuportável das cinzas e nas paredes as marcas da violência arbitrária que pretendia deixar claro à Universidade - e talvez, mais ainda, à Igreja Católica e a Dom Paulo Evaristo Arns, nosso grão-Chanceler -- que o mais seguro era abandonar sua postura de resistência à ditadura militar. Este terceiro incêndio foi coisa de profissionais assistidos por conselheiros e experts interessados em deixar claro que mesmo após o fim formal da ditadura seria aconselhável a Universidade e suas lideranças deixarem de lado o papel que ela passara desempenhar no meio universitário brasileiro.”
Cerca de três meses depois, no dia 14 de dezembro do mesmo ano, ocorre o segundo incêndio do TUCA. Sua proporção foi menor, mas o suficiente para destruir “a parte superior das salas de administração” do teatro, conforme relata a professora Samira Chalhub, diretora do Serviço de Extensão Cultural – SEC.
Importante indicar que o incêndio comoveu e mobilizou a comunidade interna e externa à universidade e logo se iniciou uma campanha por sua reconstrução. Imediatamente criou-se a campanha SOS TUCA em que artistas, estudantes e entidades promoveram eventos para a captação de recursos para a reconstrução do teatro como apontam cartazes e documentos sobre a campanha.
Já na semana seguinte ao primeiro incêndio, D. Paulo, o governador Franco Montoro e vários Secretários de Estado participam da reunião da comunidade em prol da reconstrução do TUCA. Em seu discurso, D. Paulo, qualificando a invasão da PUC em 1977 como “uma das maiores vergonhas nacionais”, voltou-se para Michel Temer e disse “parece uma coincidência grande demais, Senhor Secretário de Segurança. É curioso demais que aconteça o incêndio no mesmo dia, na mesmíssima hora, entre duas sessões [do teatro], exatamente quando se passaram sete anos, num lugar onde inclusive o Secretário de Segurança é professor. É preciso um inquérito com a maior severidade, para se ver o que aconteceu”. E conclamando todos a se darem as mãos para a reconstrução do espaço onde “recomeçou o Brasil depois do golpe de 64”, afirmou:
O TUCA não pode ficar no meio da caminhada como uma estátua de sal... Que este momento prove quem somos, a que viemos e o que iremos fazer no futuro (D. Paulo).
A Campanha de Reconstrução do TUCA– SOS-TUCA– formou-se na mesma noite do incêndio. Inicialmente, a comissão compunha-se de seis membros, mais tarde foi modificada, contando com a participação de 11 pessoas, entre as quais, três alunos e a presidência cabia ao monsenhor Enzo Campos Guzzo. A comissão, dentre outras atribuições, foi encarregada de coordenar os recursos financeiros, da criação de eventos, da divulgação de suas atividades, da promoção da memória do TUCA e do encaminhamento das adesões de áreas estranhas à PUC.
A campanha que tinha como um dos lemas TUCA- AJUDE A APAGAR ESTE INCÊNDIO, alertava que o fogo destruíra “mais de 20 anos de movimentos de vanguarda em arte, ciência e manifestações de liberdade”, indicando que a luta era pela reconstrução desse espaço, ”um lugar onde, outra vez, esses movimentos possam encontrar condições de renascer”.
No decorrer daqueles anos a campanha SOS-TUCA contou com grande solidariedade da comunidade artística e cultural da cidade e realizou inúmeros eventos e espetáculos em vários outros espaços da universidade e, principalmente em locais de importância cultural da cidade como: grande leilão de obras de arte realizado no MASP em 27/11/1984 com um grande número de obras doadas para a campanha dentre as quais estavam trabalhos de Anita Mafaldi, Ademir Martins, Carybé, Darcy Penteado, Renina Katz; show de Artur Moreira Lima no Palácio Bandeirante em maio de 1985; show de Roberto Carlos, Milton Nascimento, Elba Ramalho, Chico Buarque, Ney Matogrosso e outros artistas em diversos espaços culturais da cidade no decorrer de 1985 e 1986; releituras de Morte e Vida Severina pelo Grupo TUCA no MASP em dezembro de 1986; além de atividades da comunidade como a Jornada Cultural de 24 horas nos escombros a Céu aberto do Teatro realizado em 22 de setembro de 1985, marcando um ano do incêndio e os vários pedágios -TUCA NA RUA - realizados em vários pontos da cidade naqueles anos.
Indique-se que o projeto de reconstrução, envolvendo a concepção de como deveria ser o TUCA reconstruído, despertou polêmicas na universidade como indica as intervenções de Décio Pignatari e Lucrécia Ferrara, assim como o pré-projeto para o teatro proposto pelo arquiteto pós-moderno Emanuel de Melo Pimento em artigo do Porambubas de 4/6/1985.
Em dezembro de 1986, ofício da Comissão registra que então, graças às doações recebidas “o SOS-TUCA já conseguiu recuperar as estruturas abaladas do teatro e refazer a cobertura do edifício”. O documento indicava ainda que os projetos técnicos estavam em fase de conclusão e brevemente seriam iniciados os trabalhos de montagem do palco e forro acústico do auditório central.
No ano de 1986, já em setembro, nos dias 21 e 22, marcando os dois anos do incêndio e nove anos da invasão, apresentaram-se no teatro, no dia 21 com a presença de D. Paulo na plateia ainda improvisada, a Orquestra Sinfônica de São Paulo e, no dia 22, mais de três mil pessoas acompanharam a apresentação da oficina de Dança do TUCA e mais cinco grupos musicais. No final daquele ano o teatro seria reaberto, porém em condições precárias.
Outro fato ocorrido neste contesto foi o encaminhamento do processo de tombamento do teatro. Em 1992, alimentado pela campanha da reconstrução, um grupo da universidade, composto por Edgar de Assis Carvalho, Renato Nunes Ganhito, Edson Passetti e Lucia Helena Vittali Rangel, encaminham ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT) uma solicitação de Tombamento do Teatro, do Edifício Sede e da Capela da PUC-SP.
O processo de Tombamento tramitaria naquele conselho até 2002. Em junho de 1998, por resolução CONDEPHAAT, o TUCA foi tombado como bem cultural, histórico e arquitetônico. Já em 2002, uma nova resolução do CONDEPHAAT incorpora ao tombamento todo o conjunto de edifícios da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, devido à preservação da memória do bairro, da história do ensino superior e da resistência cultural e dos setores organizados frente ao autoritarismo do Regime Militar. A reconstrução do teatro levou quase 9 anos e só pode ser finalizada integralmente utilizando o benefício de mecenato da lei Rouanet. Assim, somente em 2003, com execução da Método Engenharia e patrocínio do Banco Bradesco terminam as obras de reconstrução do TUCA, que reabriu suas portas em 22 de agosto, celebrado com a apresentação de Toquinho.
O arquiteto Joaquim Guedes, que elaborou o projeto da reconstrução em 1986, em entrevista realizada ainda em 2003 indica que uma das diretrizes de seu trabalho foi a de preservar a memória do incêndio, ocorrido em 1984, optando por conservar a memória da destruição por meio da manutenção de acabamentos deteriorados pelo incêndio. Preservando as características originais do prédio e as marcas do incêndio, produzidas pelas imagens do tijolo sobre tijolo , o arquiteto parece responder ao abaixo-assinado em que os estudantes e professores da universidade indicavam a necessidade de que ficasse inscrito nas paredes do Teatro os dois incêndios que tentaram destruir um local que era parte fundamental da memória cultural da cidade.
Reconstruído, na sua concepção arquitetônica e em seu ambiente cultural, o espaço do teatro preserva não só as marcas da violência institucional, mas também a memória de inúmeros momentos da resistência à ditadura civil-militar. Lugar de criação cultural de vanguarda, de protagonismo do movimento estudantil e de militância de diversos movimentos de resistência, o TUCA tornou-se marco simbólico e lugar da geografia política da história da cidade naquele período.