Área Restrita
   

Nas curvas de Santos...

Por Natalia Vianna
(*Texto publicado no Jornal da PUC, na 1ª quinzena de setembro de 2004)

“Tem certas coisas pelas quais a gente não pode passar junto sem ficar amigos”. Li isso não sei onde, e lembrei assim que voltava para casa depois de participar do Clube da Caminhada da PUC-SP, pela estrada velha de Santos. Ta bom, vai, confesso: li no Harry Potter...
Fato é que desde o começo a proposta era melhorar a integração entre funcionários, alunos, professores e vizinhos de Perdizes. “Na Universidade, a relação de convívio está deslocada, estão todos juntos, mas sem desenvolver atividades de lazer”, diz o psicólogo Silvio Porto, do Programa de Atendimento Comunitário, um dos organizadores do evento. Não deu outra: camaradagem pura.
De um modo geral, o passeio foi, digamos, climaticamente desfavorável. Mas valeu a pena. Logo que chegamos no local de partida, uma neblina gelada tingia nosso cabelos com gotículas brancas. Nos separamos em três grupos, éramos mais de 70 ao todo! Muita gente trouxe a família. Nesse clima nos apresentamos, cada um dizendo seu nome e fazendo um gesto, logo repetido pelos outros. Quem lidera a brincadeira são as jovens monitoras Elaine Silva e Edileine Maria. Elas nos incentivam, até porque serão cinco horas de caminhada para percorrer os nove quilômetros de descida em estrada de asfalto.
Edilaine, ou Lena, conta que a primeira vez que uma estrada ligou as duas cidades foi em 1970: era a Calçada do Lorena, uma estradinha de pedras quer servia para os tropeiros e as mulas levarem cana-de-açúcar de São Paulo até o porto. Em 1926, o caminho do mar, antes Estrada da Maioridade, em pedras de macadâmia, foi a primeira estrada pavimentada em concreto da América Latina. Funcionou até 1985, quando passou a ser conhecida como velha estrada de Santos. Alguém cantarola, lembrando o “rei”: Sei que você pretende saber quem eu sou, eu posso lhe dizer / Entre no meu carro / E você vai me conhecer – que, que na verdade, se referia à então moderna Via Anchieta.
A neblina deixa a estrada bonita e contrasta com o asfalto negro. Mas limita um pouco o passeio: no pouso Paranapiacaba, uma linda casa de pedra construída em 1922 por conta do Centenário da Independência. A graça é ver o mar lá embaixo. A casa tem a fama de ter pertencido à Marquesa de Santos, famosa amante de Dom Pedro I, mas foi construída muito depois de sua morte. Pois bem: Paranapiacaba significa “lugar onde se vê o mar”. Com tanta neblina, vale a imaginação.
Com o passar das horas, a tranq6uilidade e o cansaço vão tomando conta e começa a garoar. Chega a hora que eu mais esperava: vamos descer um trecho da Calçada do Lorena, original. Imagino aquelas mulas e os tropeiros usando o caminho, há mais de 200 anos. Algumas pessoas têm receio de descer porque as pedras estão escorregadias. Mas Mônica Gianfaldoni, assessora da reitoria, fecha a questão: “gente, se até mula passava, a gente não vai passar?” Pedras marrons e esverdeadas perfazem um caminho sinuoso e muito inclinado. Descemos numa boa, sem vídeo-cassetadas.
O lanche é tomado em outro casarão de pedra construído para o centenário da Independência. Calada no começo, sem alardear a minha fome, acabo sendo descoberta pelos colegas: como saí correndo de casa não tive tempo de preparar o lanche... Mas êta coração grande dessa gente! Em pouco tempo eu já tinha dois sanduíches, bolachas... e ainda me ofereceram torta de queijo! Acabo tendo que recusar, ou não ia segurar o final da descida. Que, aliás, começou a pesar. Talvez com a chuva que aperta ou mesmo o cansaço de quem está acostumado a andar só de carro. O fato é que as primeiras reclamações começam a pipocar: “tô cansada, tia...”
Do meu lado, Lena adverte: “vai ficar doendo mesmo, a primeira vez que eu desci doeu também”. Com 20 anos e miudinha, ela foi contratada por um projeto que capacita jovens da região. Começou a trabalhar em abril, quando a estrada foi aberta pelo governo do Estado para fins turísticos, e agora faz pelo menos cinco vezes por semana o mesmo trajeto. Baixinho, ela confessa: “os melhores grupos são os de terceira idade, tão animados!”.

Chegamos lá embaixo e o cansaço, o frio e a umidade nos obrigam a ficar encolhidos no ônibus. O aluno de pós em Filosofia Roberto Amorin, que saiu com o primeiro grupo, sequinho da silva dá as boas novas: “andamos tão bem que estamos combinando agora de ir pro Himalaia...” Ufa! Um pouco menos empolgada que meus colegas, asseguro que vou, sim, na próxima caminhada, mas bem mais perto.

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