Cia Tetral Ueinzz
Ueinzz é território cênico para quem sente vacilar o mundo. Como em Kafka,
faz do enjôo em terra firme matéria de transmutação poética e política. No
conjunto, há mestres na arte da vidência, com notório saber em improviso e
neologismos; especialistas em enciclopédias marítimas, trapezistas
frustradas, caçadores de sonhos, atrizes interpretativas. Há também
inventores da pomba-gíria, incógnitas musicais, mestres cervejistas e seres
nascentes. Vidas por um triz se experimentando em práticas estéticas e
colaborações transatlânticas. Comunidade dos sem comunidade, para uma
comunidade por vir.
Esquizocenia
Peter Pál Pelbart
Toda noite, do alto de sua torre, o prefeito de Gotham esbraveja indistintamente contra magnatas, prostitutas e psiquiatras. Promete mundos e fundos, o controle e a anarquia, o pão e a clonagem. Mas nessa noite, antes de entrar em cena, ele pede um Lexotan. Mal consegue acreditar no que vê: Marta Suplicy vai assistir a peça. O prefeito da cidade imaginária não sabe o que fazer com a prefeita da cidade real: protestar, competir, seduzir, acanhar-se? Gotham-SP tem também um imperador muito velho. Quase cego, quase surdo, quase mudo, ele é o destinatário de vozes perdidas. Em vão: nem o imperador caquético nem o prefeito que vitupera têm qualquer poder sobre o que se passa na cidade, menos ainda sobre o humor dos que nela sussurram.
“Aqui faz frio”, repete a moradora em seu cubículo, e conclui: “Se amanhã o hoje será nada, para que tudo?” Um passageiro pede companhia ao taxista, que apenas ecoa suas lembranças e temores. A diva decadente busca a nota musical impossível, Ofélia sai de um tonel de água atrás do amado, os anjos tentam entender onde pousaram, Josué ressuscitado reivindica uma outra ordem no mundo... Falas sem pé nem cabeça, diria um crítico – mas elas se cruzam agonisticamente numa polifonia sonora, visual, cênica, metafísica.. Vozes dissonantes que nenhum imperador ou prefeito consegue ouvir, nem orquestrar, mas tampouco abafar.
Cada um dos seres que comparece em cena carrega no corpo frágil seu mundo gélido ou tórrido... Uma coisa é certa: do fundo de seu isolamento pálido, esses seres pedem ou anunciam uma outra comunidade de almas e corpos, um outro jogo entre as vozes – uma comunidade dos que não têm comunidade. (...)
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