Impulsionados pela
característica “estranha” do V postulado alguns matemáticos iniciaram
estudos sobre a possibilidade de demonstrar que também o V postulado seria
na realidade um teorema.
A intenção inicial era,
mantendo os termos primitivos, os termos definidos (com exceção da definição
23 de “paralelas” e incluindo uma definição própria), os axiomas e os
postulados (com exceção do quinto) criar uma nova axiomática onde fosse
possível demonstrar um novo teorema (com o mesmo teor do quinto postulado de
Euclides). Todos os teoremas de Euclides que não utilizam o quinto postulado
em suas provas também seriam aceitos.
Apresentamos somente a
proposta de Poseidonios (c. 135 a.C – metade do séc. I), e a seguir
relacionamos as principais proposições dos matemáticos (Quadro 1.2) na
tentativa de provar o quinto postulado. Em todas elas foram identificadas
implicitamente alguma contradição lógica ou afirmações que não podem ser
assumidas pelas noções comuns, definições, axiomas e teoremas demonstrados
em precedência.
Conhecemos o trabalho de Poseidonios
pelos textos de Proclus (410-485). Ele propôs uma nova definição para
retas paralelas, utilizando a propriedade de eqüidistância e considerou que
a sua definição e a dada por Euclides fossem equivalentes. Dessa forma,
seria possível assumir os demais teoremas dos Elementos, substituindo a
referência ao postulado V (de Euclides) por um seu teorema demonstrado a
partir de sua definição de retas paralelas.
DEFINIÇÃO: Diz-se paralelas as retas que
estejam no mesmo plano e que, se prolongadas indefinidamente em ambas as
direções, mantenham a mesma distância entre si.
Lembramos que a definição de retas
paralelas dada por Euclides é: linhas retas paralelas são linhas retas que,
estando na mesma superfície plana e sendo estendidas indefinidamente em
ambas as direções não chegam a se tocar.
No “Comentário al livro I de Euclides”,
Proclus desenvolve críticas sobre a equivalência entre as definições de
Euclides e de Poseidonios. Ele argumenta apresentando uma hipérbole que se
aproxima de suas assíntotas, sem nunca encontrá-las. Essas retas, que são
paralelas pela definição de Euclides (se prolongadas indefinidamente não se
encontram), não o são pela definição dada por Poseidonios (não são
eqüidistantes).
Segue o Quadro II,
inspirado no levantamento apresentado por TRUDEAU (2004, p.145-146, tradução
nossa do original em italiano), dos mais significativos enunciados propostos
em substituição ao V postulado, escritos nos termos atuais.
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Quadro II: Relação das proposições sugeridas na tentativa de provar
o V postulado |
01 |
Retas paralelas são eqüidistantes. |
Poseidonios, séc I a.C |
02 |
A
totalidade dos pontos eqüidistantes à uma reta dada, por um mesmo
lado dessa reta, constitui uma linha reta. |
Cristóvão Clavius,
1574 |
03 |
Em todo quadrilátero ABCD com dois lados congruentes () e perpendiculares a um terceiro lado ( e ) há ao menos um ponto (H) pertencente ao quarto
lado ()
() tal que a perpendicular por H a
seja congruentes aos dois lados congruentes entre
si.
|
Giordano Vitale, 1680 |
04 |
A
distância entre duas retas infinitas paralelas pode variar, mas
permanece sempre menor que uma certa distância fixada. |
Proclus, séc V |
05 |
Retas paralelas a uma mesma reta são paralelas entre si. |
Euclides |
06 |
Dada duas retas paralelas, uma terceira reta que encontre uma
encontrará, também a outra. |
Proclus, séc V |
07 |
Por um ponto não pertencente a uma reta dada, não é possível traçar
mais de uma paralela à reta dada. |
John Playfair, 1795 |
08 |
Se dois segmentos de reta ( e ) são intersectados por um terceiro () que é perpendicular a um só desses lados, (por
exemplo , ), então as perpendiculares traçadas por
e são menores que
do lado em que
e formam um ângulo agudo ( ) e são maiores de
do lado em que
e formam um ângulo obtuso
.
|
Nasir al – Din séc XIII |
09 |
Retas que não são eqüidistantes convergem numa direção e divergem na
outra. |
Pietro Antonio Cataldi, 1603 |
10 |
Numa reta finita dada é sempre possível construir um triângulo
semelhante a um triângulo dado. |
John
Wallis, 1663; Lazare-Nicholas-Marguerite Carnot, 1803; Adrien-Marie
Legendre, 1824 |
11 |
Existe um par de triângulos semelhantes e não congruentes. |
Gerolamo Saccheri, 1733 |
12 |
Em todo quadrilátero ABCD com dois de seus lados congruentes () e perpendiculares e um terceiro lado (por
exemplo à , e retos), os outros dois ângulos são retos ( e ).
|
Gerolamo Saccheri, 1733 |
13 |
Em todo quadrilátero com três ângulos retos, também o quarto ângulo
é reto. |
Aléxi Claude Clairaut, 1741; János Heinrick Lambert, 1766 |
14 |
Existe ao menos um retângulo. |
Gerolamo Saccheri, 1733 |
15 |
A
soma dos ângulos de todo triângulo é 180º |
Euclides, Gerolamo Saccheri, 1733; Adrien-Marie Legendre, início do
séc XIX |
16 |
Toda reta traçada por um ponto interno a um ângulo, encontra ao
menos um lado do ângulo. |
J.F. Lorenz, 1791 |
17 |
Por todo ponto interno a um ângulo menor de 60º é sempre possível
traçar uma reta que encontre ambos os lados do ângulo. |
Adrien-Marie Legendre, início do séc XIX |
18 |
É
possível construir um triângulo cuja área seja maior que qualquer
área dada. |
Karl Friedrich Gauss, 1799 |
19 |
Dados três pontos não pertencentes a uma mesma reta é sempre
possível traçar um círculo que passe por eles. |
Adrien-Marie Legendre, Farkas Bolyai, início séc XIX |
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Depois de várias
tentativas frustradas em que, substituir o V postulado por qualquer dos
listados acima, resultava sempre na geometria euclidiana, os matemáticos passaram a suspeitar que não
fosse possível transformar o V postulado em teorema. “Agora é compreensível
a frustração de Gauss e dos que sustentavam o ponto de vista lógico: não
havia modo de demonstrar o quinto postulado sem introduzir outro, mas todos
os postulados levantados (possíveis de substituí-lo), mesmo sendo
intuitivamente evidentes, eram destinados a serem ineficazes porque, também
se psicologicamente preferíeis, seriam equivalentes ao quinto postulado, e
então dele indistinguíveis do ponto de vista essencial, o lógico.” (TRUDEAU,
2004, p. 148, tradução nossa do original em italiano).
Ressaltamos o trabalho de
Girolamo Saccheri (1667-1733) que, na tentativa de provar que o V postulado
derivava dos outros, apresentou um raciocínio no qual “assumindo como
hipótese a falsidade da proposição que se pretende demonstrar, chega-se a
concluir que ela é falsa. (BONOLA, 1923, p.20)
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