Não há uma geometria
verdadeira, somente uma mais cômoda. Henry
Poincaré
Não é possível demonstrar que
a geometria euclidiana seja necessária para o desenvolvimento do universo
físico; é pois possível construir uma outra geometria aplicável fisicamente.Gauss
Surge um novo
questionamento de qual seria afinal, a geometria do espaço físico, pois por
2.000 anos tal pergunta nem teria sentido: a geometria euclidiana descrevia
perfeitamente nossa realidade física. Lembramos que os questionamentos ao V
postulado, não foram voltados a sua validade, mas a sua indemonstrabilidade.
Nesse novo contexto, de geometrias
coerentes e incompatíveis entre si e ainda na revisão da evidência como
critério de verdade, surge a necessidade de rever a natureza dos fundamentos
da geometria, pois a concepção kantiana não fazia mais sentido. Lembremos
que para Kant, a geometria era um sistema de proposições sintéticas a
priori, isto é, proposições que descreviam a estrutura do espaço físico,
independente da experiência.
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Gauss foi o
primeiro a apresentar uma tendência anti-kantiana, desvinculando a
geometria e espaço físico e afirmando que a sua validade não poderia
ser garantida a priori. Segundo Lentini (2005), para Gauss era
necessária uma distinção entre geometria e aritmética. A aritmética
é fundada sobre o conceito de número, que é “um produto de nosso
espírito” e, portanto uma ciência a priori. A geometria, enquanto
ciência do espaço, o qual “há uma realidade, também externa ao nosso
espírito, realidade da qual não podemos determinar a priori todas as
leis”, deve ser considerada como ciência empírica. Portanto somente
pela experiência é possível decidir qual é a geometria do espaço.
Gauss, por experiência, concluiu que a estrutura do espaço físico
era representada adequadamente pela geometria euclidiana, enquanto
que a geometria não-euclidiana, logicamente impecável, não
apresentava aplicabilidade no espaço físico. Lobachewsky, Riemann e
Helmholtz também consideravam a característica empírica da
geometria.
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Gauss |
Poincaré
(1862-1920) apresenta uma nova reflexão sobre a relação entre
geometria e espaço físico, abandonando a idéia de empirismo, mas
sendo também anti-kantiana. Sendo os entes geométricos objetos
ideais, e não matérias, não é possível sustentar a natureza empírica
dos axiomas geométricos. Os axiomas da geometria euclidiana não são
juízos sintéticos a priori, pois se assim o fossem, estariam tão enraigados em nossa mente, que não conseguíamos sequer conceber
proposições diferentes, ou ainda construir com elas sistemas
lógicos. Assim sendo, ele propõe que os axiomas geométricos são
“convenções” e a questão inicialmente levantada deixa de ter
propósito. Desde que coerente não há geometria melhor, somente uma
mais cômoda e segundo ele, a mais cômoda é a euclidiana seja por ser
a mais simples, seja por se adaptar bem com as propriedades dos
sólidos naturais. |
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Poincaré |
A total
irrelevância do espaço absoluto para as observações e os
experimentos científicos conduziu rapidamente a uma conclusão
radical: a experiência não pode nos ensinar nada a respeito da
verdadeira estrutura do espaço; conseqüentemente, a escolha da
geometria para a descrição dos fenômenos físicos é puramente
convencional. (TORRETTI[1], apud
MAGNANI, 1990, p.125, tradução nossa do original em italiano) |
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Os trabalhos de
Riemann foram decisivos no entendimento do espaço físico, com a
introdução do conceito de curvatura do espaço. Ele concordava com
Lobachewsky que seria a Astronomia a responsável por estabelecer
qual a geometria que melhor se adaptaria ao espaço físico.
William Clifford
(1845-1879) contribuiu para o entendimento do movimento da matéria
segundo a curvatura do espaço físico. No espaço, a curvatura se
altera de um lugar para outro devido a matéria e ainda de um
instante a outro devido ao movimento da matéria, o que descarta a
validade da geometria euclidiana. Os estudos de Riemann e Clifford
inspiraram Einstein no desenvolvimento da Teoria da Relatividade. |
Riemann |
Segundo Paty para
Einstein “a geometria riemaniana é a mais geral e engloba a geometria
euclidiana bem como as várias geometrias não-euclidianas a título de casos
particulares. Riemann deu-se conta de que os axiomas da geometria não são
suficientes para determinar a métrica. Chegou assim, pela pura especulação
matemática, ao pensamento da “indissociabilidade da geometria e da física”.
É, portanto, a Riemann que Einstein remete, em última análise, essa
indissociabilidade, à qual a teoria da relatividade geral dará, sessenta
anos mais tarde, realidade, no sentido de que “geometria e teoria da
gravitação se fundem um uma única entidade” (PATY , 2005, p.656).
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