Carta na manga
Com suas descobertas astronômicas, Galileu derrubou uma concepção que dominava a cosmologia desde os tempos de Aristóteles, no século 4 a.C. O antigo filósofo grego dividira o cosmo em duas regiões diferentes. A Terra e suas imediações seriam formadas por uma mistura variável de quatro "elementos": terra, água, ar e fogo. Daí estarem sujeitas a mudanças constantes. A partir da órbita da Lua, porém, um outro tipo de matéria, a nobre "quintessência", tornava os corpos celestes perfeitos, eternos e imutáveis. Antes de Galileu, essa falsa idéia foi contestada por filósofos como Nicolau de Cusa (1401-1464) e Giordano Bruno (1548-1600) e astrônomos como Ticho Brahe (1546-1601) e Johannes Kepler (1571-1630). Faltava-lhes, porém, uma prova irrefutável, que pudesse contrapor à enorme autoridade de Aristóteles. Ao descobrir o relevo da Lua e constatar, pouco depois, que as manchas solares se deviam a "exalações" do próprio Sol, Galileu encontrou essa prova. Assim como a Terra, também os astros passavam por transformações. Deviam, portanto, ser compostos do mesmo tipo de matéria. Essa nova perspectiva permitiria que, meio século mais tarde, Isaac Newton (1642-1727) unificasse a física terrestre à física celeste e, sobre essa base, edificasse sua teoria da gravitação universal (leia "Newton, o maior dos cientistas", em GLOBO CIÊNCIA nº 62).
Em março de 1610, num livreto de apenas 24 páginas, que trazia o título latino de Sidereus Nuncius (Mensageiro das Estrelas), Galileu comunicou ao mundo a maior parte de suas descobertas astronômicas. Poucas vezes um relatório científico causou tanto impacto sobre a visão de mundo de seus contemporâneos. Johannes Kepler, talvez o maior astrônomo de todos os tempos, chorou de emoção ao lê-lo. E, em apenas 11 dias, escreveu um entusiasmado panfleto em sua defesa. A pronta acolhida de Kepler prenunciou o apoio que a obra iria conquistar nos meios cultos da Europa.Galileu dedicou o livro a Cosimo II, grão-duque da Toscana e chefe da poderosa família Medici. E batizou as luas de Júpiter com o nome de "astros mediceus". Em julho de 1610, Cosimo o nomeou "primeiro matemático e filósofo do grão-duque de Toscana" e "primeiro matemático da Universidade de Pisa", sem obrigação de residência e ensino. Galileu assumiu o cargo em setembro e passou a morar no Palácio Medici, em Florença. Pouco depois, viajou a Roma, onde foi recebido em triunfo. Sentiu-se então suficientemente prestigiado para jogar uma carta que trazia há anos escondida na manga.