.: A Metafísica |
As Idéias
O sistema metafísico de Platão
centraliza-se e culmina no mundo divino das idéias; e estas contrapõe-se
a matéria obscura e incriada.
Entre as idéias e a matéria estão o Demiurgo e
as almas, através de que desce das idéias à matéria aquilo de
racionalidade que nesta matéria aparece.
O divino platônico é representado
pelo mundo das idéias e especialmente pela idéia do Bem, que está no
vértice. A existência desse mundo ideal seria provada pela necessidade
de estabelecer uma base ontológica, um objeto adequado ao conhecimento
conceptual. Esse conhecimento, aliás, se impõe ao lado e acima do
conhecimento sensível, para poder explicar verdadeiramente o
conhecimento humano na sua efetiva realidade. E, em geral, o mundo ideal
é provado pela necessidade de justificar os valores, o dever ser, de que
este nosso mundo imperfeito participa e a que aspira.
Visto serem as idéias conceitos personalizados, transferidos da ordem
lógica à ontológica, terão consequentemente as características dos
próprios conceitos: transcenderão a experiência, serão universais,
imutáveis. Além disso, as idéias terão aquela mesma ordem lógica dos
conceitos, que se obtém mediante a divisão e a classificação, isto é,
são ordenadas em sistema hierárquico, estando no vértice a idéia do Bem,
que é papel da dialética (lógica real, ontológica) esclarecer. Como a
multiplicidade dos indivíduos é unificada nas idéias respectivas, assim
a multiplicidade das idéias é unificada na idéia do Bem. Logo, a idéia
do Bem, no sistema platônico, é a realidade suprema, donde dependem
todas as demais idéias, e todos os valores (éticos, lógicos e estéticos)
que se manifestam no mundo sensível; é o ser sem o qual não se explica o
vir-a-ser. Portanto, deveria representar o verdadeiro Deus platônico. No
entanto, para ser verdadeiramente tal, falta-lhe a personalidade e a
atividade criadora. Desta personalidade e atividade criadora - ou,
melhor, ordenadora - é, pelo contrário, dotado o Demiurgo o qual, embora
superior à matéria, é inferior às idéias, de cujo modelo se serve para
ordenar a matéria e transformar o caos em cosmos.
As Almas
A alma, assim como o Demiurgo,
desempenha papel de mediador entre as idéias e a matéria, à qual
comunica o movimento e a vida, a ordem e a harmonia, em dependência de
uma ação do Demiurgo sobre a alma. Assim, deveria ser, tanto no homem
como nos outros seres, porquanto Platão é um pampsiquista, quer dizer,
anima toda a realidade. Ele, todavia, dá à alma humana um lugar e um
tratamento à parte, de superioridade, em vista dos seus impelentes
interesses morais e ascéticos, religiosos e místicos. Assim é que
considera ele a alma humana como um ser eterno (coeterno às idéias, ao
Demiurgo e à matéria), de natureza espiritual, inteligível, caído no
mundo material como que por uma espécie de queda original, de um mal
radical. Deve portanto, a alma humana, libertar-se do corpo, como de um
cárcere; esta libertação, durante a vida terrena, começa e progride
mediante a filosofia, que é separação espiritual da alma do corpo, e se
realiza com a morte, separando-se, então, na realidade, a alma do corpo.
A faculdade principal, essencial da alma é a de conhecer o mundo ideal,
transcendental: contemplação em que se realiza a natureza humana, e da
qual depende totalmente a ação moral. Entretanto, sendo que a alma
racional é, de fato, unida a um corpo, dotado de atividade sensitiva e
vegetativa, deve existir um princípio de uma e outra. Segundo Platão,
tais funções seriam desempenhadas por outras duas almas - ou partes da
alma: a irascível (ímpeto),
que residiria no peito, e a concupiscível
(apetite), que residiria no abdome - assim como a alma
racional residiria na cabeça. Naturalmente a alma sensitiva e
a vegetativa são subordinadas à alma racional.
Logo, segundo Platão, a união da alma espiritual com o corpo é
extrínseca, até violenta. A alma não encontra no corpo o seu
complemento, o seu instrumento adequado. Mas a alma está no corpo como
num cárcere, o intelecto é impedido pelo sentido da visão das idéias,
que devem ser trabalhosamente relembradas. E diga-se o mesmo da vontade
a respeito das tendências. E, apenas mediante uma disciplina ascética do
corpo, que o mortifica inteiramente, e mediante a morte libertadora, que
desvencilha para sempre a alma do corpo, o homem realiza a sua
verdadeira natureza: a contemplação intuitiva do mundo ideal.
O Mundo
O mundo material, o cosmos
platônico, resulta da síntese de dois princípios opostos, as idéias e a
matéria. O Demiurgo plasma o caos da matéria no modelo das idéias
eternas, introduzindo no caos a alma, princípio de movimento e de ordem.
O mundo, pois, está entre o ser
(idéia) e o não-ser (matéria), e é o
devir ordenado, como o adequado conhecimento sensível está entre o saber
e o não-saber, e é a opinião verdadeira. Conforme a cosmologia
pampsiquista platônica, haveria, antes de tudo, uma alma do mundo e,
depois, partes da alma, dependentes e inferiores, a saber, as almas dos
astros, dos homens, etc.
O dualismo dos elementos constitutivos do mundo material resulta do ser
e do não-ser, da ordem e da desordem, do bem e do mal, que aparecem no
mundo. Da idéia - ser, verdade, bondade, beleza - depende tudo quanto há
de positivo, de racional no vir-a-ser da experiência. Da matéria -
indeterminada, informe, mutável, irracional, passiva, espacial -
depende, ao contrário, tudo que há de negativo na experiência.
Consoante a astronomia platônica, o mundo, o universo sensível, são
esféricos. A terra está no centro, em forma de esfera e, ao redor, os
astros, as estrelas e os planetas, cravados em esferas ou anéis rodantes,
transparentes, explicando-se deste modo o movimento circular deles.
No seu conjunto, o mundo físico percorre uma grande evolução, um ciclo
de dez mil anos, não no sentido do progresso, mas no da decadência,
terminados os quais, chegado o grande ano
do mundo, tudo recomeça de novo. É a clássica concepção grega do eterno
retorno, conexa ao clássico dualismo grego, que domina também a grande
concepção platônica.
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