Mario Schenberg
Nasceu em Recife (1914) e morreu em São Paulo
(1990). Catedrático na disciplina de Mecânica Superior e Celeste, na
Universidade de São Paulo (USP), operou pesquisas sobre Eletromagnetismo e
Gravitação; desse trabalho nasceu o grupo de Física da Matéria Condensada, na
USP, como recorda Henrique Fleming (in revista Estudos Avançados,
Vol.8, Nº22, Pág.529 - USP), que muito viria a contribuir para a Ciência
brasileira. E não só: Mário Schenberg está na galeria dos cientistas
internacionais, assim considerado pelos seus pares.
Casado com a artista plástica Lourdes
Cedran, o cientista observava a Arte com o mesmo compromisso social e
cultural que exigia de si mesmo em relação à coisa exata: o abstrato e o
poético estavam na sua quotidianeidade filosófica. Se nos Anos 60 era já um
cientista tido como referência mundial, no mesmo período virou também crítico
d'Arte formando opinião no quadro do objetivismo naturalíssimo.
Schenberg era, como afirma o amigo e
companheiro W. Paioli, humanitarista e defensor das questões
ecológicas, propagador de princípios um tanto raros em cientistas modernos e
quase totalmente inexistentes nos políticos faraônicos (in Gazeta De
Cotia, Nº307, Out.1997).
Lutzenberger afirma, quanto à percepção
de harmonias, que ...necessitamos inverter a dessacralização da
Natureza. Nossa cultura atual alicerça-se num erro filosófico ( ) Enquanto que
no idioma hindu não existe palavra para designar ( ) "profano", para
o silvícola animista tudo é sagrado e, para o budista, Deus e Natureza são a
mesma coisa - nós, na Cultura Ocidental, fazemos questão de excluir de nossa
ética tudo o que não se relaciona com o Homem (in Manifesto Ecológico
Brasileiro, José A. Lutzenberger, pp 78 e 79; Ed. Movimento, Porto
Alegre/RS, 1976). Dentro desta visão, Schenberg foi um agitador: um
sereno agitador... A arquitetura dos índios também é monumental ( ) nenhuma
arquitetura no mundo é tão ligada ao corpo, disse o cientista e crítico
d'Arte em entrevista (in Pau Brasil, pp 35 a 42, Jul-Ag/1984) no mesmo
instante em que denunciava publicamente o acordo para uso de energia nuclear
entre alemães e brasileiros.
Mário Schenberg era um cientista atento
à História e à sua Quotidianeidade.
... a tecnologia nuclear ( ) pode conduzir
à destruição da Humanidade ( ) os cientistas começaram a estudar novos aspectos
disso, como a alteração das condições ecológicas. O problema foi
levantado por um soviético nos Estados Unidos, tanto que o Vaticano convocou
uma reunião da Academia Pontifícia de Ciência ( ) Falaram sobre o chamado
"inverno nuclear", um perigo que ( ) ninguém tinha compreendido
claramente. Se houver uma guerra nuclear em grande escala haverá uma alteração
climatológica total com a formação de cinzas e outras partículas ( ) Não vai
ser a radioatividade o elemento da destruição. Serão as cinzas e partículas que
irão impedir a entrada da luz do sol ( ) Por isso, o fenômeno se chama
"inverno nuclear" Calcula-se que a temperatura vai cair a -50ºC. No
Brasil ( ) cairia para -25ºC liquidando florestas, fauna e agricultura... ( )
em 1815, houve uma grande queda de temperatura na Europa e coincidiu com grande
erupção vulcânica. A temperatura caiu a -25ºC... Mas há outras coisas
aparentemente menos visíveis que impressionam menos, como o Efeito Estufa..., alertava
ele na mesma entrevista. Não foi por acaso que os governantes reuniram-se no
Rio de Janeiro, em 1992, e em Kyoto, em 1997 - Kyoto, a mesma cidade japonesa
onde ele representou o Brasil em 1965 na conferência sobre Partículas
Elementares - discutindo precisamente a emergência destes assuntos!
Desta massa intelectual e humanitarista era
feito Mário Schenberg.
Conhecia como poucos o seu mundo - que é o
nosso mundo atual, porém, mais triste, mais azedo... - e opunha-se às
pancadinhas nas costas porque o Ser é quando sabe Estar fazendo do meio
em que (sobre)vive um lar de Felicidade e de Cultura. Devemos dizer sim e não
quando as circunstâncias assim o exigem. Assim era Schenberg.
Meias palavras ou meias medidas não faziam
parte do seu universo humaníssimo.
A professora Elza Ajzenberg, que
coordena o Centro Mário Schenberg, na Escola de Comunicações e Artes
(ECA) da Universidade de São Paulo (USP), diante do perfil de cientista e de
crítico d'Arte diz que ele era um ...um pensador de longas e ricas
correlações (...) um planejador de um mundo de raizes arcaicas, e ao mesmo
tempo vanguardistas e, acima de tudo, muito próprias. Ao lado desta trajetória,
é o promotor de artistas (...) o devoto descobridor de talentos (in Mário
Schenberg - Arte e Ciência, p. 148, edição Centro Mário Schenberg de
Documentação de Pesquisa em Artes, USP-1996).
Nesta particularidade, mais uma vez o
cientista mostra-se como o Ser que sabe Estar assumindo o seu meio
sociocultural, mesmo que opondo-se às fachadas ideológicas - as mesmas que, em
1947, lhe cassaram o mandato de Deputado Estadual com o qual representava o
Partido Comunista, em São Paulo. Acusado de subversão, foi preso em 1948. Era
já o professor catedrático de Mecânica Racional, Celeste e Superior, da USP, e
também o cientista que, em 1941, havia criado com Chadrasekhar o famoso Critério
Schenberg-Chadrasekhar sobre a evolução estrelar na sequência principal...
A sua prisão e consequente exílio - ele retornou em 1953, da Europa -
significaram um atraso considerável na Ciência e na Crítica d'Arte brasileiras:
o que só não foi pior, porque ele, que se considerava um exilado no próprio
país, continuou as suas pesquisas no estrangeiro! É interessante notar, ou
anotar, que em 1962 elegeu-se novamente Deputado Estadual, pelo Partido
Trabalhista Brasileiro, mas foi novamente enxadrezado em 1964 durante o Golpe
Militar ultramontado.
Democrata, anti-fascista, Mário Schenberg
foi o Ser Humano amplamente vivido sob um roteiro mais filosófico que
ideológico, mas genuinamente político na sua auto-condução cuja Liberdade lhe
impunha um único limite: jamais ser vencido! A sua Vida foi uma proposta que
poucos aceitam: Viver vivificando e, aí, fazendo da Luz que nos anima um passo
mais na Arte que somos ou podemos ser...
Em seu discurso, na passagem dos 70 anos de
idade, em 1984, afirmou que ...As pessoas estão acostumadas a pensar apenas
na coragem física. Mas não existe só a coragem física, há também a coragem
intelectual, pois sem ela é impossível fazer uma ciência de alta qualidade. É
preciso ter coragem de fazer uma coisa que pareça absurda, que aparentemente
contradiga as leis existentes (...) tudo que é novo aparece aos olhos dos
antigos como coisa errada. É sempre nessa violação do que é considerado certo
que nasce o novo e há criação (in Perspectiva Em Física Teórica,
Org. do Prof. Alberto Luiz da Rocha Barros, IF-USP/1997). Ora, foi isto
que os seus tenazes perseguidores políticos não aceitaram: eram e são velhos de
mais para encararem o novo que o espírito intelectual livre transporta
em todas as ações, mesmo na rotina do dia a dia. Nunca os nazi-fascistas iriam
tolerar que um Ser Humano de importância cultural e científica, como Mário
Schenberg, se tornasse bandeira da Liberdade do Pensamento!...
Não quis saber de panelinhas políticas e
sociais, ou mesmo universitárias: opôs-se ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha,
coisa de interesses internacionais, como opôs-se à instalação de um Aeroporto
na Reserva Florestal de Morro Grande, em Cotia, coisa de interesse regional.
E tudo isso ele tratou na sua característica
de sereno agitador.
Mário Schenberg tinha consciência plena
da Terra que habitava e do sentimento de preservação que era e é preciso
inserir na Cultura de Massas que serve o Poder.
Não era um tecnocrata. Era, sim, um cientista
de consciência democrática, um coração aberto às causas sociais que tanto
precisam da parceria dos que partilham a natural humildade do Saber. Ora, ele
sabia que os povos das florestas resistiram a tudo ao longo de milhares de anos
não porque tivessem uma Cultura artificial mas por viverem, integralmente, a
Cultura da sobrevivência na harmonia com a Terra. Por isso, Schenberg
não se permitíu pôr os conceitos mercantis do seu tempo à frente do espectro
social do Saber. Não poderia ser um tecnocrata ou um mero investigador universitário.
Foi, na plena concepção do termo, o cientista!
Opôs-se à consciência tecnocrática, que é a
menos ideológica de todas as ideologias, porque o fito daquela, como escreve o
português Prof. Manuel Reis ...é precisamente o de eclipsar e abafar as
últimas questões práticas que poderiam constituir o rastilho da subversão (in
As Máscaras De Deus..., p. 133, Estante Edit. - Portugal, 1993). O que
se entende, aqui, por questões práticas? Precisamente o gesto e o ato de
artistas, cientistas e escritores que, sem pantufas, dimensionam a partícula
que somos do Cosmo e expõem as verdades - essas verdades
que em si carreiam a subversão social e cultural! Por isso, um tecnocrata é um
alguém quase sempre situacionista. Mário Schenberg, como crítico que se
alimentava da crítica e do experimentalismo (científico e social) não poderia
conviver com essa mediocridade...
Dos grupos em que se inseria, recordo aquele
onde passaram W. Paioli, Piero Luoni, Dalmo Dallari, Sidônio Muralha, José
A. Lutzenberger, Ernesto Zwarg, Aziz Ab'Sáber e outros, e de onde nasceu a
semente que ergueu a Associação Paulista de Proteção à Natureza, em
parte, raiz do atual Manifesto do Fraternalismo, obras sempre inacabadas
porque a Humanidade e a Terra são um eixo em permanente mutação.
A Ciência não pode consertar o mundo,
dizia ele, mas poderá, e muito, ajudá-lo na conscentização para a problemática
Terra-Humanidade, digo eu. E foi precisamente neste enquadramento
sociocultural, científico e político, que Schenberg atuou.
O seu trabalho não é um exemplo só para a
Ciência e a Política brasileiras, é um exemplo para o universo humano, por ter
transformado questões da Ecologia em peças didáticas para uma estratégia
pedagógica que tem como oposição a Tecnocracia bestial alimentada pelo Poder
instituido... Espera-se que não seja preciso um holocausto nuclear para
que entendam a palavra e a ação de Mário Schenberg!
O religioso D. Helder Câmara, em sua
veia poética e vieiriana, diz-nos, cantando: ...sou cidadão (...) ligado a
todas as estrelas, a todas as águas, a todas as pedras, a todas as plantas, a
todos os animais. Aos espaços e aos vazios, à luz e à sombra, ao ruído e ao
silêncio. Neste cântico telúrico encontramos o Ser e a Obra schenbergianas,
porque como ele mesmo sabia do poema de Sidônio Muralha, ... esquecer
não esqueço,/ Se caráter custa caro/ pago o preço!
Destas realidades do sobre-viver fez Mário
Schenberg as fontes de referência onde bebeu o humanitarismo que lhe
foi tão peculiar, e sempre saudado por seus companheiros de luta ecopolítica,
artística e científica.
Somos o que queremos ser nas circunstâncias
que nem sempre nós fabricamos, ou formulamos, daí que somos a pedra do cais da
Humanidade em busca do humanismo que parece perdido no binômio bem-mal.
Na essência da Obra schenbergiana encontramos a demanda sociocultural pelas
luzes do progresso humano.
Ele passou a ser, na sua busca de novos
talentos artísticos, um Crítico d'Arte que expunha e se expunha com toda a
nudez do Pensamento. Era o analista que personalizava o Amanhã nos atos desenvolvidos
no Hoje, porque ele simbolizava aqueles dois instantes e o Ontem - ou, como ele
dizia: A crítica tem de mostrar o que não pode ser idealizado agora, que a
próxima geração idealizará (...) importante (...) não é julgar no sentido
comum, quer dizer, comparar uma coisa com as idéias existentes e ver se essa
coisa é boa ou ruim à base das idéias existentes - isso é castração de coisa
nova (...) o processo, de certo modo, é contrário, é não julgar, é aceitar a
coisa e pensar como é que ele poderá ser idealizado depois (in entrevista à
Folha de S. Paulo, Dez.-1977). Eis aqui aquele pensador de largas e
ricas correlações, como constatou Elza Ajzenberg.
No vivenciar a Vida encontrou a Magia da
intuição que, em todo o percurso, lhe foi a chave e a visão pelo Descobrir dos
mundos científico e artístico e humano que o rodeavam.
Aquilo que hoje denominamos como Ecologia
Humana deve-se muito aos poucos seres que, como Mário Schenberg,
dimensionam e redimensionam a Humanidade no seu berço cósmico - a Terra.
Por isso, a Obra schenbergiana não pode
ser lida à luz do Brasil mas à luz do Universo.
Por isso, Encorajando - aquele poema de
Sidônio Muralha, cai como uma luva no perfil schenbergiano...
e a quem tiver sede oferece a
canção
do futuro sem grades e dos homens sem dono.