CIÊNCIA E EXPLICAÇÃO
Aristóteles contribuiu para o desenvolvimento de muitas
ciências, mas, em retrospectiva, percebe-se que o valor
desse contributo foi bastante desigual. A sua química
e a sua física são muito menos impressionantes
do que as suas investigações no domínio
das ciências da vida. Em parte porque não possuía
relógios precisos nem qualquer tipo de termómetro,
Aristóteles não tinha consciência da importância
da medição da velocidade e da temperatura. Ao
passo que os seus escritos zoológicos continuavam a
ser considerados impressionantes pelo próprio Darwin,
a sua física estava já ultrapassada no século
vi d. C.
Em obras como Da Geração e Corrupção
e Do Céu, Aristóteles legou aos seus sucessores
uma imagem do mundo que incluía muitos traços
herdados dos seus predecessores pré-socráticos.
Adoptou os quatro elementos de Empédocles: terra, água,
ar e fogo, caracterizado cada um deles por um único
par de qualidades primárias, calor, frio, humidade
e secura. Cada elemento tinha o seu lugar natural no cosmos
ordenado, em direcção ao qual tinha tendência
para ir por meio de um movimento característico; assim,
os sólidos terrestres caíam, enquanto o fogo
se erguia cada vez mais alto. Cada um desses movimentos era
natural ao seu elemento; existiam outros, mas eram «violentos».
(Mantemos hoje um vestígio desta distinção
aristotélica quando contrastamos a «morte natural»
com a «morte violenta».) A Terra ocupava o centro
do universo: em seu torno, uma sucessão de esferas
cristalinas concêntricas sustentavam a Lua, o Sol e
os planetas nas suas viagens ao longo dos céus. Mais
distante, uma outra esfera sustentava as estrelas fixas. Os
corpos celestes não continham os quatro elementos terrestres;
eram antes constituídos por um quinto elemento, ou
quintessência. Além de corpos, possuíam
almas: intelectos vivos divinos que guiavam as suas viagens
ao longo do céu. Estes intelectos eram responsáveis
pelo movimento, estando eles próprios em movimento,
e por detrás deles, afirmava
Aristóteles, deveria
existir uma fonte de movimento, estando ela própria,
no entanto, imóvel. Era a divindade última e
imutável que punha em movimento todos os outros seres
«em resultado do amor» — o mesmo amor que,
nas últimas palavras do Paraíso de Dante, movia
o Sol e as primeiras estrelas.
Mesmo o melhor dos estudos científicos de Aristóteles
possui hoje um interesse meramente histórico; em vez
de registar as suas teorias em pormenor, passarei a descrever
a noção de ciência que sustenta todas
as suas investigações nos diversos domínios.
A concepção aristotélica de ciência
pode ser resumida se dissermos que era empírica, explicativa
e teleológica.
A ciência começa pela observação.
No decurso das nossas vidas apercebemo-nos das coisas com
os nossos sentidos, recordamo-las, construímos um corpo
de experiências. Os nossos conceitos são retirados
da nossa experiência; na ciência, a observação
tem primazia sobre a teoria. Embora, no seu estado de maturidade,
se possa fixar e transmitir a ciência por meio da forma
axiomática descrita nos Analíticos Posteriores,
torna-se evidente, pelos trabalhos pormenorizados de Aristóteles,
que a ordem da descoberta é diferente da ordem da exposição.
Se a ciência começa com a percepção
sensorial, termina com o conhecimento intelectual, que Aristóteles
vê como possuindo um carácter especial de
necessidade. As verdades necessárias são
como as verdades imutáveis da aritmética:
dois mais dois são
quatro, sempre assim foi e sempre assim será. Opõem-se-lhes
as verdades contingentes, tais como a verdade de os gregos
terem vencido uma grande batalha naval em Salamina; algo
que poderia ter acontecido de outro modo. Parece estranho
afirmar,
como Aristóteles, que aquilo que é conhecido
tem de ser necessário: não será que
podemos ter também conhecimento de factos contingentes
da experiência,
tais como o de Sócrates ter bebido a cicuta? Houve
quem julgasse que Aristóteles estava a argumentar,
falaciosamente, partindo da verdade.
Necessariamente, se p é conhecida, p é verdadeira.
Se p é conhecida, p é necessariamente verdadeira,
o que não é de modo algum a mesma coisa. (É
uma verdade necessária que se eu sei que há
uma mosca na minha sopa, há uma mosca na minha sopa.
Mas, mesmo que eu saiba que há uma mosca na minha
sopa, não é necessariamente verdade que haja
uma mosca na minha sopa: posso tirá-la de lá.)
Mas
talvez Aristóteles estivesse a definir a palavra
grega para
«conhecimento» de modo a restringir-se ao conhecimento
científico. É uma hipótese muito mais
plausível, especialmente se levarmos em linha de
conta que, para Aristóteles, as verdades necessárias
não se restringem às verdades da lógica
e da matemática, mas incluem todas as proposições
universalmente verdadeiras, ou mesmo «verdadeiras
na sua maior parte». Mas a consequência — que
seria certamente aceite por Aristóteles — de
que a história não pode ser uma ciência,
já que lida com acontecimentos individuais,
mantém-se.
A
ciência é, pois, empírica; é
também explicativa, no sentido em que é uma
procura de causas. No léxico filosófico incluído
na sua Metafísica, Aristóteles distingue quatro
tipos de causas ou explicações. Em primeiro
lugar, afirma, há aquilo de que as coisas são
feitas, e a partir da qual são feitas, tal como o bronze
de uma estátua ou as letras de uma sílaba. A
isto chama causa material.
Depois, há a forma e o padrão
de uma coisa, que podem ser expressos na definição
da mesma; Aristóteles fornece-nos um exemplo: o comprimento
proporcional de duas cordas de uma lira é a causa de
uma ser a oitava da outra. O terceiro tipo de causa é
a origem de uma mudança ou estado de repouso em qualquer
coisa:
Aristóteles dá como exemplos uma pessoa
que toma uma decisão, um pai que gera uma criança,
e em geral todos os que fazem ou alteram uma coisa. O quarto
e último tipo de causa é o fim ou objectivo,
aquilo em virtude do qual se faz algo; é o tipo de
explicação que damos quando nos perguntam por
que motivo estamos a passear e nós respondemos «para
manter a boa forma».
O quarto tipo de causa (a «causa final») tem um
papel muito importante na ciência aristotélica.
Aristóteles investiga as causas finais não só
da acção humana, como também do comportamento
animal («Por que razão tecem as aranhas teias?»)
e dos seus traços estruturais («Por que razão
têm os patos membranas interdigitais?»). Existem
causas finais também para a actividade das plantas
(tais como a pressão descendente das raízes)
e dos elementos inanimados (tais como o impulso ascendente
das chamas). Às explicações deste tipo
chamamos «teleológicas», a partir da palavra
grega telos, que significa fim ou causa final. Ao procurar
explicações teleológicas, Aristóteles
não atribui intenções a objectos inconscientes
ou inanimados, nem está a pensar em termos de um Arquitecto
Supremo. Está, sim, a enfatizar a função
de diversas actividades e estruturas. Uma vez mais, estava
mais inspirado na área das ciências da vida do
que na química e na física. Até mesmo
os biólogos posteriores a Darwin continuam a procurar
incessantemente a função, ao passo que ninguém,
depois de Newton, se lembrou de procurar uma explicação
teleológica para o movimento dos corpos inanimados
METAFISICA
Há uma
disciplina, escreve Aristóteles no quarto livro da
sua Metafísica,
«que teoriza sobre o Ser enquanto ser e sobre as coisas
que pertencem ao Ser tomado em si mesmo.» A esta disciplina
chama Aristóteles «filosofia primeira»,
definindo-a noutro texto como o conhecimento dos primeiros
princípios e das causas supremas. As outras ciências,
afirma, lidam com um tipo de ser particular, mas a ciência
do filósofo diz respeito ao Ser universalmente e
não
apenas parcialmente. Noutras obras, contudo, Aristóteles
parece restringir o objecto da filosofia primeira a um tipo
particular de ser, nomeadamente a uma substância divina,
independente e imutável. Existem três filosofias
teóricas, afirma ele num outro texto: a matemática,
a física e a teologia; e a primeira e mais digna
das filosofias é a teologia. A teologia é a
melhor das ciências teóricas porque lida
com os seres mais dignos; precede a física e a
filosofia natural, sendo mais universal do que elas.
Ambos
os conjuntos de definições
até ao momento considerados tratam a filosofia primeira
como dizendo respeito ao Ser ou aos seres; diz-se também
que é a ciência da substância ou substâncias.
Em determinado ponto, Aristóteles afirma que a velha
questão «O que é o Ser?» equivale
à questão «O que é a substância?»
Assim, a filosofia primeira pode ser considerada a teoria
da substância primeira e universal.
Serão todas estas definições
do objecto de estudo da filosofia equivalentes ou mesmo compatíveis?
Alguns historiadores, considerando-as incompatíveis,
atribuíram os diferentes tipos de definições
a diferentes períodos da vida de Aristóteles.
Mas, com algum esforço, podemos mostrar que é
possível conciliá-las.
Antes
de perguntarmos o que é
o Ser enquanto ser, precisamos de esclarecer o que é
o Ser. Aristóteles utiliza a expressão grega
to on do mesmo modo que Parménides: o Ser é
seja o que for que é seja lá o que for. Sempre
que Aristóteles explica os sentidos de «to on»,
fá-lo explicando o sentido de «einai»,
o verbo «ser». O Ser, no seu sentido mais lato,
é tudo o que possa surgir, numa qualquer frase verdadeira,
antes da forma verbal «é». Segundo esta
perspectiva, uma ciência do ser não seria tanto
uma ciência daquilo que existe, mas antes uma ciência
da predicação verdadeira.
Todas
as categorias, diz-nos Aristóteles,
exprimem o ser, porque qualquer verbo pode ser substituído
por um predicado que contenha o verbo «ser»: «Sócrates
corre», por exemplo, pode ser substituído por
«Sócrates é um corredor». E todo
o ser em qualquer categoria que não a da substância
é uma propriedade ou modificação da substância.
Isto significa que sempre que temos uma frase sujeito-verbo
na qual o sujeito não seja um termo para uma substância,
podemos transformá-la numa outra frase sujeito-verbo
na qual o termo sujeito denota realmente uma substância
— uma substância primeira, como um homem ou uma
couve particulares.
Para
Aristóteles, assim como
para Parménides, é um erro equiparar simplesmente
o ser à existência. Quando discute, na Metafísica,
os sentidos de «ser» e «é»
do seu léxico filosófico, Aristóteles
nem sequer refere a existência como um dos sentidos
do verbo ser, uma utilização que deverá
distinguir-se da utilização do verbo com um
complemento num predicado, tal como em «ser um filósofo».
Isto surpreende-nos, já que ele próprio parece
fazer essa distinção em livros anteriores. Nas
Refutações Sofísticas, para contradizer
a falácia segundo a qual aquilo em que se pensa deve
existir para ser pensado, Aristóteles distingue entre
«ser F», no qual ao verbo se segue um predicado
(por exemplo, «ser pensado»), e apenas «ser».
Aristóteles toma uma posição semelhante
em relação ao ser F daquilo que deixou de ser,
sem mais: por exemplo, de «Homero é um poeta»
não se segue que Homero é.
Será talvez um erro procurar
na obra de Aristóteles um só tratamento da existência.
Quando os filósofos levantam questões a propósito
das coisas que realmente existem e daquelas que não
existem, é possível que tenham em mente três
contrastes diferentes: entre o abstracto e o concreto (por
exemplo, sabedoria versus Sócrates), entre o ficcional
e o factual (por exemplo, Pégaso versus Bucéfalo)
e entre o existente e o defunto (por exemplo, a Grande Pirâmide
versus o Colosso de Rodes). Aristóteles lida com os
três problemas em obras diferentes. Lida com o problema
das abstracções quando discute os acidentes:
são sempre modificações da substância.
Qualquer afirmação sobre abstracções
(como cores, acções, mudanças) deve ser
analisável como uma afirmação sobre substâncias
primeiras concretas. Lida com o problema do ficcional conferindo
ao «é» o sentido de «é verdadeiro»:
uma ficção é um pensamento genuíno,
mas não é (ou seja, não é um pensamento
verdadeiro). O problema sobre o existente e o defunto, que
lida com as coisas que existem e aquelas que deixaram de existir,
é resolvido pela aplicação da doutrina
da matéria e da forma. Neste sentido, existir é
ser matéria sob uma certa forma, é ser uma coisa
de certa categoria: Sócrates deixa de existir ao deixar
de ser um ser humano. Para Aristóteles, o Ser inclui
qualquer coisa que exista de uma destas três maneiras.
Se
o Ser é isso, o que é
então o Ser enquanto Ser? A resposta é que não
existe tal coisa. É certamente possível estudar
o Ser enquanto ser e procurar as causas do mesmo. Mas isto
é entrar num tipo de estudo especial, procurar um tipo
de causa especial. Não é estudar um tipo de
Ser especial nem procurar as causas de um tipo de Ser especial.
Mais do que uma vez, Aristóteles insistiu em que «Um
A enquanto F é G» deve ser entendido como um
sujeito A e um predicado «é, enquanto F, G».
Não deve ser entendido como consistindo num predicado
«é G» que está ligado ao sujeito
Um-A-enquanto-F. Eis um dos seus exemplos: «Um bem pode
ser conhecido como bem» não deve ser analisado
como «um bem como bem pode ser conhecido», porque
«um bem como bem» é uma expressão
destituída de sentido.
Mas
se «A enquanto F» é
um pseudo-sujeito em «Um A enquanto F é G»,
também «A enquanto F» é um pseudo-objecto
em «Nós estudamos A enquanto F». O objecto
desta frase é A, e o verbo é «estudamos
enquanto F». Estamos a falar não do estudo de
um tipo particular de objecto, mas de um tipo particular de
estudo, um estudo que procura tipos particulares de explicações
e causas, causas enquanto F. Por exemplo, quando estudamos
fisiologia humana, estudamos os homens enquanto animais, ou
seja, estudamos as estruturas e funções que
os homens têm em comum com os animais. Não existe
um objecto que seja um homem enquanto animal, e seria um disparate
perguntar se todos os homens, ou se apenas alguns especialmente
embrutecidos, serão homens enquanto animais. É igualmente
disparatado perguntar se o Ser enquanto Ser significa todos
os seres ou apenas alguns seres especialmente divinos.
Contudo,
podemos estudar qualquer ser do ponto de vista particular
do ser, ou seja, podemos estudá-lo
em virtude daquilo que tem em comum com todos os outros seres.
Será talvez legítimo pensar que isto é
muito pouco: de facto, o próprio Aristóteles
afirma que nada possui ser enquanto sua essência ou
natureza: não há nada que seja apenas ser e
nada mais. Mas estudar algo enquanto um ser é estudar
algo sobre o qual é possível fazer predicações
verdadeiras, precisamente do ponto de vista da possibilidade
de fazer predicações verdadeiras sobre isso.
A filosofia primeira de Aristóteles não estuda
um tipo particular de ser; estuda tudo, todo o Ser, precisamente
enquanto tal.
Ora,
a ciência aristotélica
é uma ciência de causas, pelo que a ciência
do Ser enquanto ser será uma ciência que procura
as causas da existência de qualquer verdade acerca de
toda e qualquer coisa. Poderão existir tais causas?
Não é difícil conferir sentido ao facto
de um tipo particular de ser possuir uma causa enquanto ser.
Se eu nunca tivesse sido concebido, nunca existiriam quaisquer
verdades sobre mim; Aristóteles afirma que se Sócrates
nunca tivesse existido, as frases «Sócrates está
bem» e «Sócrates não está
bem» jamais poderiam ser verdadeiras. Portanto os meus
pais, que me deram existência, são as minhas
causas enquanto ser. (São também as minhas causas
enquanto ser humano.) Tal como os pais deles, e os pais dos
pais deles por sua vez, e, em última instância,
Adão e Eva, no caso de descendermos todos de um único
par. E se algo tivesse dado existência a Adão
e Eva, seria essa a causa de todos os seres humanos, enquanto
seres.
Posto
isto, podemos ver claramente de que modo o Deus cristão, o criador do mundo, pode
ser entendido como a causa do Ser enquanto ser — a causa,
pela sua própria existência, das verdades sobre
si próprio, e, como criador, a causa eficiente da possibilidade
de toda e qualquer verdade acerca de toda e qualquer coisa.
Mas no sistema de Aristóteles, que não inclui
um criador do mundo, qual é a causa do Ser enquanto
ser?
No
cume da hierarquia aristotélica
dos seres estão os motores móveis e imóveis
que são as causas finais de toda a geração
e corrupção. São assim, de certo modo,
as causas de todos os seres perceptíveis e corruptíveis,
desde que sejam seres. A ciência que pretenda alcançar
o motor imóvel estará a estudar a explicação
de toda e qualquer predicação verdadeira e,
desse modo, de todo e qualquer ser enquanto ser. Na sua Metafísica,
Aristóteles explica que existem três tipos de
substâncias: os corpos perecíveis, os corpos
eternos e os seres imutáveis. Os dois primeiros tipos
pertencem à ciência da natureza, e o terceiro
à filosofia. Aquilo que explicar a substância,
afirma, explicará todas as coisas, já que sem
substâncias não existiriam mudanças activas
nem passivas. Aristóteles avança então
para a comprovação da existência de um
motor imóvel, concluindo que «de tal princípio
dependem os céus e a natureza» — ou seja,
tanto os corpos eternos como os corpos perecíveis dependem
do ser imutável. E este é o divino, o objecto
da teologia.
O
motor imóvel é anterior
às outras substâncias, e estas são anteriores
a todos os outros seres. «Anterior» é aqui
utilizado não num sentido temporal, mas para denotar
dependência: A é anterior a B, se pudermos ter
A sem B mas não B sem A. Se não existisse um
motor imóvel, não existiriam os céus
e a natureza; se não houvesse substâncias, não
haveria qualquer outra coisa. Podemos agora entender por que
motivo Aristóteles afirmava que aquilo que é
anterior possui um poder explicativo mais elevado do que aquilo
que é posterior, e por que razão a ciência
dos seres divinos, sendo anterior, pode entender-se como a
mais universal das ciências: porque lida com seres que
são anteriores, isto é, mais recuados na cadeia
da dependência. A ciência dos seres divinos é
mais universal do que a ciência da física porque
explica tanto os seres divinos como os seres naturais; a ciência
da física explica apenas os seres naturais e não
os seres divinos.
Por
fim, conseguimos compreender como se harmonizam as diferentes
definições da filosofia
primeira. Qualquer ciência pode ser definida pela área
que pretende explicar ou por meio da especificação
dos princípios pelos quais o explica. A filosofia primeira
tem como área de explicação o universal:
propõe-se apresentar um tipo de explicação
para toda e qualquer coisa e encontrar uma das causas da verdade
de toda e qualquer predicação verdadeira. É
a ciência do Ser enquanto ser. Mas, se passarmos do
explicandum para o explicans, podemos dizer que a filosofia
primeira é a ciência do divino; pois aquilo que
explica fá-lo por referência ao motor imóvel
divino. Não lida apenas com um só tipo de Ser,
já que faz a descrição não apenas
do próprio divino, mas de tudo o que existe ou é
alguma coisa. Mas é, por excelência, a ciência
do divino, já que explica tudo por referência
ao divino e não, como a física, por referência
à natureza. Assim, a teologia e a ciência do
Ser enquanto ser são uma e a mesma primeira filosofia.
Somos
por vezes levados a pensar que a fase final da compreensão da metafísica aristotélica
é uma apreciação da natureza profunda
e misteriosa do Ser enquanto Ser. Na verdade, o primeiro passo
em direcção a essa compreensão é
a tomada de consciência de que o Ser enquanto Ser é
um espectro quimérico engendrado por não se
prestar atenção à lógica aristotélica
A COSMOLOGIA
Uma
questão geral da física
aristotélica, como filosofia da natureza, é
a análise dos vários tipos de movimento, mudança,
que já sabemos ser passagem da potência ao ato,
realização de uma possibilidade. Aristóteles
distingue quatro espécies de movimentos:
1.
Movimento substancial - mudança
de forma, nascimento e morte;
2.
Movimento qualitativo - mudança
de propriedade;
3.
Movimento quantitativo - acrescimento e diminuição;
4.
Movimento espacial - mudança
de lugar, condicionando todas as demais espécies de
mudança.
Outra
especial e importantíssima
questão da física aristotélica é
a concernente ao espaço e ao tempo, em torno dos quais
fez ele investigações profundas. O espaço
é definido como sendo o limite do corpo, isto é,
o limite imóvel do corpo "circundante" com
respeito ao corpo circundado. O tempo é definido como
sendo o número - isto é, a medida - do movimento
segundo a razão, o aspecto, do "antes" e
do "depois". Admitidas as precedentes concepções
de espaço e de tempo - como sendo relações
de substâncias, de fenômenos - é evidente
que fora do mundo não há espaço nem tempo:
espaço e tempo vazios são impensáveis.
Uma
terceira questão fundamental
da filosofia natural de Aristóteles é a concernente
ao teleologismo - finalismo - por ele propugnado com base
na finalidade, que ele descortina em a natureza. "A natureza
faz, enquanto possível, sempre o que é mais
belo". Fim de todo devir é o desenvolvimento da
potência ao ato, a realização da forma
na matéria.
Quanto às ciências químicas,
físicas e especialmente astronômicas, as doutrinas
aristotélicas têm apenas um valor histórico,
e são logicamente separáveis da sua filosofia,
que tem um valor teorético. Especialmente célebre
é a sua doutrina astronômica geocêntrica,
que prestará a estrutura física à Divina
Comédia de Dante Alighieri.