Apresenta, ainda,
uma das mais inspiradas aplicações das categorias de Charles Sanders Peirce. Como
resultado, uma magna opera, uma suma semiótica consistente, um trabalho de fôlego
amadurecido por anos de estudo e reflexão.
Com humildade e orgulho, a autora
fala de si antes de entrar no assunto; para introduzi-lo, a coerência do seu percurso é
testemunho, e cada um dos momentos relatados consigna mais um degrau na direção de um
sistema de conceitos organizados pragmaticamente. Trata-se, pois, de um esforço de
unificação do conhecimento, destinado a pôr em consonância as três matrizes
semióticas fundamentais: a sonora, a visual e a verbal. Elas são responsáveis pela
linguagem humana, determinando também a nossa capacidade de raciocínio.
Partindo da divisão triádica das
linguagens, haveria um número provável de modalidades do pensamento, cuja ratio fica
explicitada no decorrer do texto, na utilização das contribuições peircianas de
primeridade, secundidade e terceridade, como instrumental. Ora, qualquer sistematização
que opere de maneira trinitária permitiria que fosse cotejada com alguma outra
configuração similar, mesmo se as convergências só pudessem ser assintóticas. Por
este viés, as matrizes tangenciam os registros lacanianos de Real, Imaginário e
Simbólico, chegando até a fronteira com a psicanálise, espaço extraterritorial; ali,
os processos sígnicos costumam ser considerados numa outra perspectiva, apontando o
sujeito que humanizaria suas funções, na tríplice condição de falante, sexuado e
mortal.
Doravante, a importância desta
obra eleva a semiótica a um novo patamar. Nele, o destaque dado às classificações nada
tem de burocrático; antes, há o propósito de formalizar uma lógica, rigorosa o
suficiente para dar conta das peculiaridades das linguagens definidas. Portanto, quando é
afirmado que o pensar obedece à impressão matricial, avança-se a passos largos na
precisão de novos saberes.
Aqui, neste ponto, deveria
começar o diálogo, a argumentação, inclusive a disputa com outros discursos e
disciplinas diretamente concernidas. Por exemplo, a filosofia, a comunicação, a
pedagogia, mas também a psicologia, obviamente, fora um inevitável aggiornamento
epistemológico para todas, à altura do debate. Conseqüências metapsicológicas são
previstas. Para as ciências cognitivas, então, será uma verdadeira mão na roda, tendo
que arcar com os royalties.
Ainda, ele cai como uma luva, em
boa hora, para enfrentar os novos desafios. Do século passado ao milênio atual, as
linguagens híbridas têm proliferado de jeito exponencial. A tecnologia permite hoje o
que antes só acontecia nos sonhos, desordenadamente. Agora, interfaces e penetrações
recíprocas desenham a pluralidade do antes impossível. Mas, desde sempre, a arte também
pode exprimir, de maneira única e original, a conjunção das três matrizes. Assim, no
poético ensaio sobre uma escultura escritural da artista plástica Betty Leirner,
Santaella apresenta seu universo teórico em ato. Em seguida, oferece a sugestão de um
cartograma exeqüível, junto com algumas sinalizações para ulteriores desenvolvimentos.
O futuro que já chegou demanda
subsídios para entender a complexidade da experiência que a revolução digital está
provocando, em termos psíquicos, sociais e culturais. Assim, a trama estética e
intelectual das linguagens da hipermídia tem seu lugar específico, atendendo às
características de interatividade, multidimensionalidade e arquitetura fluida.
Ilustrativo, o CD-ROM de Bairon & Petry, comentado no texto, é um exemplo cabal da
sofisticação dos produtos culturais contemporâneos.
Destarte, pelos seus quilates,
esta edição ganha um relevo ímpar, e o prêmio Jabuti recebido há pouco tempo
torna público um reconhecimento merecido.
Oscar Cesarotto
Psicanalista. Professor de Semiótica Psicanalítica no Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. |