Alla Matriciana
Resenha de Matrizes da linguagem e pensamento, de Lucia Santaella – Editora Iluminuras – São Paulo – 2001.

Dentro da vasta produção teórica de Lucia Santaella, este livro constitui um marco, não apenas da sua linha de pesquisa, como das ciências da linguagem em geral. Esta afirmação seria, ao mesmo tempo, exata e exígua, na medida em que as ciências cognitivas são também arroladas no escrito, em prol de uma interlocução necessária.

Apresenta, ainda, uma das mais inspiradas aplicações das categorias de Charles Sanders Peirce. Como resultado, uma magna opera, uma suma semiótica consistente, um trabalho de fôlego amadurecido por anos de estudo e reflexão.

Com humildade e orgulho, a autora fala de si antes de entrar no assunto; para introduzi-lo, a coerência do seu percurso é testemunho, e cada um dos momentos relatados consigna mais um degrau na direção de um sistema de conceitos organizados pragmaticamente. Trata-se, pois, de um esforço de unificação do conhecimento, destinado a pôr em consonância as três matrizes semióticas fundamentais: a sonora, a visual e a verbal. Elas são responsáveis pela linguagem humana, determinando também a nossa capacidade de raciocínio.

Partindo da divisão triádica das linguagens, haveria um número provável de modalidades do pensamento, cuja ratio fica explicitada no decorrer do texto, na utilização das contribuições peircianas de primeridade, secundidade e terceridade, como instrumental. Ora, qualquer sistematização que opere de maneira trinitária permitiria que fosse cotejada com alguma outra configuração similar, mesmo se as convergências só pudessem ser assintóticas. Por este viés, as matrizes tangenciam os registros lacanianos de Real, Imaginário e Simbólico, chegando até a fronteira com a psicanálise, espaço extraterritorial; ali, os processos sígnicos costumam ser considerados numa outra perspectiva, apontando o sujeito que humanizaria suas funções, na tríplice condição de falante, sexuado e mortal.

Doravante, a importância desta obra eleva a semiótica a um novo patamar. Nele, o destaque dado às classificações nada tem de burocrático; antes, há o propósito de formalizar uma lógica, rigorosa o suficiente para dar conta das peculiaridades das linguagens definidas. Portanto, quando é afirmado que o pensar obedece à impressão matricial, avança-se a passos largos na precisão de novos saberes.

Aqui, neste ponto, deveria começar o diálogo, a argumentação, inclusive a disputa com outros discursos e disciplinas diretamente concernidas. Por exemplo, a filosofia, a comunicação, a pedagogia, mas também a psicologia, obviamente, fora um inevitável aggiornamento epistemológico para todas, à altura do debate. Conseqüências metapsicológicas são previstas. Para as ciências cognitivas, então, será uma verdadeira mão na roda, tendo que arcar com os royalties.

Ainda, ele cai como uma luva, em boa hora, para enfrentar os novos desafios. Do século passado ao milênio atual, as linguagens híbridas têm proliferado de jeito exponencial. A tecnologia permite hoje o que antes só acontecia nos sonhos, desordenadamente. Agora, interfaces e penetrações recíprocas desenham a pluralidade do antes impossível. Mas, desde sempre, a arte também pode exprimir, de maneira única e original, a conjunção das três matrizes. Assim, no poético ensaio sobre uma escultura escritural da artista plástica Betty Leirner, Santaella apresenta seu universo teórico em ato. Em seguida, oferece a sugestão de um cartograma exeqüível, junto com algumas sinalizações para ulteriores desenvolvimentos.

O futuro que já chegou demanda subsídios para entender a complexidade da experiência que a revolução digital está provocando, em termos psíquicos, sociais e culturais. Assim, a trama estética e intelectual das linguagens da hipermídia tem seu lugar específico, atendendo às características de interatividade, multidimensionalidade e arquitetura fluida. Ilustrativo, o CD-ROM de Bairon & Petry, comentado no texto, é um exemplo cabal da sofisticação dos produtos culturais contemporâneos.

Destarte, pelos seus quilates, esta edição ganha um relevo ímpar, e o prêmio Jabuti recebido há pouco tempo torna público um reconhecimento merecido.

 

Oscar Cesarotto
Psicanalista. Professor de Semiótica Psicanalítica no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP.


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