Rubens Romano Maciel discute os elementos da admissão hospitalar psiquiátrica e suas dificuldades a partir da racionalidade psicanalítica.


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Inter(alien)ação
           Rubens Romano Maciel

 

Para refletir a respeito das dificuldades na admissão de alguém, na qualidade de paciente, num dispensário psiquiátrico, partiremos de uma constatação: observamos, em diversas oportunidades, a ponto de concluir que constitui uma regra, que pacientes com quadros perfeitamente diagnosticáveis como neuróticos, após receberem alta de uma internação psiquiátrica, talvez até iniciem, porém, sem se comprometer, psicoterapias que busquem promover insights ou algum trabalho analítico.

 

Esta constatação exige considerar diversas hipóteses:

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  • que os pacientes que chegam para serem internados, mesmo os neuróticos, teriam alguma ou muitas diferenças fundamentais em relação aos que aderem ao trabalho analítico ou psicoterapêutico;

  • que algo inerente à própria internação produziria, no âmbito do resultado, a falta de adesão;

  • que acontecimentos fortuitos , embora freqüentes, ocorridos antes da internação, na admissão, ou durante a internação, poderiam ser os determinantes desta atitude;

  • que a não adesão, posterior à alta, seria o resultado das repercussões daquela não somente naquele que foi internado, senão também em quem convive com ele mais intimamente, quase sempre os responsáveis diretos da busca de tratamento que conduziu à internação;

  • que a não adesão seria o resultado de procedimentos inadequados no processo da alta hospitalar e a indicação do tratamento posterior; e

  • que o profissional, ao receber para um tratamento ambulatório alguém que já foi interno, cairia, intencionalmente ou não, em procedimentos que dificultam tal adesão. Talvez todas estas hipóteses estejam contidas numa mesma lógica.

Verifiquemos: quem são as pessoas internadas e em que situação isto aconteceu? Uma jovem de 18 anos, com paralisia histérica dos membros inferiores há quatro anos, que deixou absolutamente de alimentar-se, passando a correr risco de vida.

Uma senhora de 32 anos, mãe de dois filhos, de 12 e 10 anos, 40 dias após dar a luz ao terceiro, que tentou suicidar-se com um tiro na cabeça; depois de vários dias de internação para o tratamento de sua ferida, estando em sua casa e cuidando do recém-nascido, o fere gravemente no tórax com uma faca de cozinha. Um rapaz de 28 anos, morando com sua mãe e sua irmã, afligido por pensamentos obsessivos, que destruiu todos os móveis e objetos de sua casa, o que fez piorar seu estado de angústia, apresentando sugestivas atitudes suicidas. Uma senhora de 34 anos, mãe de uma menina de 8 anos e de um menino de 5, desesperada ante sua situação vital, mesmo sem conseguir explicar claramente o por que de seu desespero, envenenou sua filha e a si mesma com extrema gravidade.

Uma jovem de 19 anos, com total descontrole emocional, causa de tantos transtornos em sua casa que, apesar do uso de uma forte medicação sedativa, foi impossível evitar sua internação. Uma jovem de 24 anos, que depois de discutir som sua irmão mais velha, tentou suicidar-se com o revólver do pai de poderoso calibre, disparando-se um tiro no coração; resultou ilesa porque, levando em conta a trajetória do projétil, encontrava-se certamente em sístole no momento do disparo. Além de outros que, como estes, correram um grande risco de vida, ou suspeitava-se de que poderiam correr, com tentativa de assassinato e outros que apresentavam alterações de comportamento tão graves que era insuportável para a família mantê-los em casa. Tornou-se evidente que, em todos estes casos, tratava-se de pacientes neuróticos.

Os exemplos, citados aqui resumidamente, podem fazer pensar que os pacientes que chegam a precisar de internação são mais graves que aqueles que não foram tão longe, e residiria aqui a explicação de sua não aceitação do tratamento não medicamentoso. Não obstante, recorrendo a alguns contra-exemplos, observamos pacientes que, apesar de terem sido internados, aderem à análise. Em particular chama a atenção que alguns dos que aceitaram o trabalho analítico, tinham rompido seus vínculos, de forma um tanto dramática, com os responsáveis dos cuidados que receberam durante a internação. E outros que não aderiram ao tratamento não medicamentoso, sem nunca terem sido internados, tinham tido pelo menos uma experiência satisfatória com o uso de medicamentos, deixaram claro que confiavam em que, se chegassem a necessitá-los, isto se repetiria.

Dos casos, exemplos e contra-exemplos, e das hipóteses mencionadas, podemos aventar uma lógica comum em tudo isto: que a internação, como também o uso de medicamentos coincidindo com melhoras sintomatológicas, conduzem a uma maneira peculiar de implicar-se ou de não se implicar, em relação ao sintoma. Provavelmente, não é somente a internação ou o uso de medicamentos que determinam estes resultados. No entanto, inclusive quando a não implicação já tenha ocorrido antes que um profissional fosse procurado, a atitude deste profissional terá relevância, na medida em que sua ação surge um Outro (a ciência, a especialidade com seus ditames, o hospital, etc), e um desejo (do tratamento vindo pelas mãos do Outro). O que oferece ao paciente uma alternativa cuja posição está mais próxima da perversão que da neurose na convivência com o conflito inconsciente.

E para que esta oferta se concretize numa modificação, para que o simbólico seja eficaz, como o descreve Lévi-Strauss (1), o último fator necessário é que quem é definido como paciente, se admita como tal.

Ao inserir-se um elemento (alguém com suas singularidades) num conjunto (o que pode ocorrer pela via do diagnóstico, como pela da ação terapêutica, homogênea para os diferentes pacientes que recebem um mesmo diagnóstico), o conjunto resultante (o proposto teoricamente e verificado em seguida nos casos clínicos) se transforma de conjunto num novo elemento, formado por todos, mas que não é nenhum: elemento com o qual todos os pacientes podem identificar-se, mas que não responde por nenhuma singularidade.

Ao contrário da análise, instala-se assim uma circunstância na qual o Outro responde pelo sintoma de alguém, ao custo de que o diagnóstico passa a ficar incorporado a identificação que, por sua vez, redobra o efeito da alienação. Oferece-se ao paciente uma modificação na obtenção da satisfação, tanto em sua dimensão de gozo como de benefício secundário, dando-lhe com o diagnóstico e/ou as ações terapêuticas, uma condição de exceção. Elaborações realizadas a partir de casos de neurose, sua conclusão talvez possa ser estendida a generalidade dos casos psiquiátricos, quando se considerem as peculiaridades de cada estrutura; ou até a generalidade das instituições, cada uma provendo seus rótulos de identificação e realizando suas respectivas ações coercitivas, sutis ou não.

Poderia objetar-se, talvez, que a estas idéias lhes falta especificidade, e que nada de relevante acontece no mundo humano sem que seja nomeado, portanto, imaginado, abarcando o conjunto da civilização; o que leva, entre outras coisas, a que o trabalho analítico somente seja possível só em algumas culturas. Isto é assim, e esta exposição busca discutir, a partir de um dos seus detalhes, como isto acontece entre nós.


Notas:

1. Lévi-Strauss - Antropologia estructural - Cap. X - A eficácia simbólica. Ed. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, 1989.


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