Verifiquemos: quem são as
pessoas internadas e em que situação isto aconteceu? Uma jovem de 18 anos, com paralisia
histérica dos membros inferiores há quatro anos, que deixou absolutamente de
alimentar-se, passando a correr risco de vida.
Uma senhora de 32 anos, mãe de dois filhos, de
12 e 10 anos, 40 dias após dar a luz ao terceiro, que tentou suicidar-se com um tiro na
cabeça; depois de vários dias de internação para o tratamento de sua ferida, estando
em sua casa e cuidando do recém-nascido, o fere gravemente no tórax com uma faca de
cozinha. Um rapaz de 28 anos, morando com sua mãe e sua irmã, afligido por pensamentos
obsessivos, que destruiu todos os móveis e objetos de sua casa, o que fez piorar seu
estado de angústia, apresentando sugestivas atitudes suicidas. Uma senhora de 34 anos,
mãe de uma menina de 8 anos e de um menino de 5, desesperada ante sua situação vital,
mesmo sem conseguir explicar claramente o por que de seu desespero, envenenou sua filha e
a si mesma com extrema gravidade.
Uma jovem de 19 anos, com total descontrole
emocional, causa de tantos transtornos em sua casa que, apesar do uso de uma forte
medicação sedativa, foi impossível evitar sua internação. Uma jovem de 24 anos, que
depois de discutir som sua irmão mais velha, tentou suicidar-se com o revólver do pai de
poderoso calibre, disparando-se um tiro no coração; resultou ilesa porque, levando em
conta a trajetória do projétil, encontrava-se certamente em sístole no momento do
disparo. Além de outros que, como estes, correram um grande risco de vida, ou
suspeitava-se de que poderiam correr, com tentativa de assassinato e outros que
apresentavam alterações de comportamento tão graves que era insuportável para a
família mantê-los em casa. Tornou-se evidente que, em todos estes casos, tratava-se de
pacientes neuróticos.
Os exemplos, citados aqui resumidamente, podem
fazer pensar que os pacientes que chegam a precisar de internação são mais graves que
aqueles que não foram tão longe, e residiria aqui a explicação de sua não aceitação
do tratamento não medicamentoso. Não obstante, recorrendo a alguns contra-exemplos,
observamos pacientes que, apesar de terem sido internados, aderem à análise. Em
particular chama a atenção que alguns dos que aceitaram o trabalho analítico, tinham
rompido seus vínculos, de forma um tanto dramática, com os responsáveis dos cuidados
que receberam durante a internação. E outros que não aderiram ao tratamento não
medicamentoso, sem nunca terem sido internados, tinham tido pelo menos uma experiência
satisfatória com o uso de medicamentos, deixaram claro que confiavam em que, se chegassem
a necessitá-los, isto se repetiria.
Dos casos, exemplos e contra-exemplos, e das
hipóteses mencionadas, podemos aventar uma lógica comum em tudo isto: que a
internação, como também o uso de medicamentos coincidindo com melhoras
sintomatológicas, conduzem a uma maneira peculiar de implicar-se ou de não se implicar,
em relação ao sintoma. Provavelmente, não é somente a internação ou o uso de
medicamentos que determinam estes resultados. No entanto, inclusive quando a não
implicação já tenha ocorrido antes que um profissional fosse procurado, a atitude deste
profissional terá relevância, na medida em que sua ação surge um Outro (a ciência, a
especialidade com seus ditames, o hospital, etc), e um desejo (do tratamento vindo pelas
mãos do Outro). O que oferece ao paciente uma alternativa cuja posição está mais
próxima da perversão que da neurose na convivência com o conflito inconsciente.
E para que esta oferta se concretize numa
modificação, para que o simbólico seja eficaz, como o descreve Lévi-Strauss (1), o
último fator necessário é que quem é definido como paciente, se admita como tal.
Ao inserir-se um elemento (alguém com suas
singularidades) num conjunto (o que pode ocorrer pela via do diagnóstico, como pela da
ação terapêutica, homogênea para os diferentes pacientes que recebem um mesmo
diagnóstico), o conjunto resultante (o proposto teoricamente e verificado em seguida nos
casos clínicos) se transforma de conjunto num novo elemento, formado por todos, mas que
não é nenhum: elemento com o qual todos os pacientes podem identificar-se, mas que não
responde por nenhuma singularidade.
Ao contrário da análise, instala-se assim uma
circunstância na qual o Outro responde pelo sintoma de alguém, ao custo de que o
diagnóstico passa a ficar incorporado a identificação que, por sua vez, redobra o
efeito da alienação. Oferece-se ao paciente uma modificação na obtenção da
satisfação, tanto em sua dimensão de gozo como de benefício secundário, dando-lhe com
o diagnóstico e/ou as ações terapêuticas, uma condição de exceção. Elaborações
realizadas a partir de casos de neurose, sua conclusão talvez possa ser estendida a
generalidade dos casos psiquiátricos, quando se considerem as peculiaridades de cada
estrutura; ou até a generalidade das instituições, cada uma provendo seus rótulos de
identificação e realizando suas respectivas ações coercitivas, sutis ou não.
Poderia objetar-se, talvez, que a estas idéias
lhes falta especificidade, e que nada de relevante acontece no mundo humano sem que seja
nomeado, portanto, imaginado, abarcando o conjunto da civilização; o que leva, entre
outras coisas, a que o trabalho analítico somente seja possível só em algumas culturas.
Isto é assim, e esta exposição busca discutir, a partir de um dos seus detalhes, como
isto acontece entre nós.
Notas:
1. Lévi-Strauss - Antropologia estructural -
Cap. X - A eficácia simbólica. Ed. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, 1989.