O problema do brincar.
Desde as interpretações do brincar de Klein
-que não brincava muito com as crianças-, passando por Dolto -que tratou sempre seus
pacientes crianças como adultos: lhes fazia pagar com pedrinhas, brinquedos, lhes falava
sem concessão alguma de linguagem-, até a situação atual dominada por uma tendência
-no âmbito lacaniano, especialmente- a reduzir a análise de crianças à de adultos, a
estabelecer uma continuidade entre ambos campos, a brincadeira como material e como
substância da análise de crianças resulta sempre mais ou menos descuidada em proveito
de outra dimensão.
No lacanismo atual, esta dimensão compromete um
problema de método, posto que se é verdade que a análise de crianças é semelhante à
dos adultos, não haveria nada que aprender, e pouco ou nada que investigar.
Se o desenvolvimento vai do desconhecido ao
conhecido não comporta conseqüências. Para extrair conseqüências, há de se percorrer
o caminho no sentido inverso. Temos que começar, então, por reconhecer o problema que
coloca o psicanalista de crianças, e tratar de aproximar sua especificidade.
Dois casos
Vou comentar brevemente dois casos.
O primeiro deles foi publicado em Crianças na
psicanálise (Manantial, Buenos Aires, 1989, pp. 127-133). O autor é François Leguil, e
o artigo leva o título: Cura de uma criança paranóica?
Nas três páginas iniciais, encontramos dados e
referências gerais da psicose, da psiquiatria de De Clérambault, e do seminário III (As
psicoses) de Lacan. O relato do tratamento, neste artigo claramente dividido em dois,
começa na página 130.
Dados gerais e motivo da consulta. Fatah -tal é
o nome da criança- é de origem argelina. Seus pais comparem na consulta pela
"enorme indiferença que Fatah manifesta pelas atividades escolares" (p.130). Os
pais têm por volta de trinta e cinco anos. O pai é operário. "Homem secreto",
reticente, segundo observa Leguil. Aos dois anos de Fatah nasce um irmão e, dois anos
depois, uma irmãzinha. A cura transcorre entre dezembro de 1986 e outubro de 1987.
Do início do tratamento até fevereiro. No
começo da análise, a criança desenha rabiscos indecifráveis. Algumas sessões mais
adiante, imagens confusas que fazem pensar em "habitações, envolturas, um corpo
humano atravessado por cifras e letras imprecisas". Pouco depois, quer fabricar um
livro. "Reúne e pega folhas de papel".
Em fevereiro, se produz uma modificação
notável, Fatah diz: "O cérebro é fascinante. É difícil desenhar um esqueleto
porque temos que fazê-lo sem decoração. O corpo humano forma parte do cérebro?... Um
bebê contém um esqueleto, mas o que faz isso na barriga da mamãe?..."
(pp.130-131).
Tom do tratamento e perguntas. Desde aí até o
final, Fatah se perguntará pela natureza, a criação, o corpo, o tempo, a gestação, o
cérebro, as estações. Desenhará árvores nuas (árvores de inverno) aludindo ao seu
esqueleto. Mas, não obstante, antes de nada, trata-se de uma investigação da qual faz
participar seu analista. Não são perguntas à secas. Ponto sobre o qual voltaremos.
Descrição da situação analítica. Fatah se
propõe como um pequeno filósofo. Encontra, como os pré-socráticos, que a origem de
tudo é o fogo; ou busca, como Descartes, a glândula pineal, e termina como Bergson
interrogando o princípio da vida: a seiva e a vida dos lápis. Assim, pois, o tratamento
pode ser descrito como o encontro de uma criança filósofa (também cartógrafa,
bióloga, etc) com um analista de crianças. São João e o Perguntão.
A contigüidade entre o motivo da consulta e a
série de perguntas resulta imediata: Como poderia estar interessado Fatah na aprendizagem
escolar com o nível de problemas que o ocupa? Não é que esteja desinteressado; está
interessado, mas em outras coisas.
Diagnóstico. No entanto, Leguil dissolve esta
relação com o diagnóstico que emite como pergunta em seu título: paranóia? (Em rigor,
é um diagnóstico entre aspas que, pelo que veremos depois, tem mais valor de citação,
pelas aspas, que de outra coisa). Nenhum elemento avaliza esse diagnóstico. Não há
alucinações verbais, nem visuais -estas últimas, no caso da psiquiatria infantil,
também não bastariam para justificar o diagnóstico: são relativamente freqüentes em
crianças não psicóticas-, não encontramos fenômenos de automatismo mental e tampouco
há reticência paranóica, nem se vêm perseguidores. Desde o ângulo semiológico, o
diagnóstico é pouco defensável. Considerando o material psicanaliticamente, não há
nenhuma elucidação transferencial do caso que permita fazer um diagnóstico de outra
índole. E, nesse sentido, não poderia falar-se também de neurose ou de perversão.
Do diagnóstico à transferência. Mas, então,
porque lhe ocorre isso? No início, pelos temas de origem, e pelo conteúdo do diálogo
que o analista mantém com a criança. Ali caberia tomar "paranóia" alterando
um pouco sua significação grega (=demente), e traduzir a expressão como
"conhecimento de lado", ou "paralelo".
Mas há um sentido menos acessível que conecta
as três iniciais do artigo com o caso: de onde lhe vem esta idéia? Ou melhor, em geral,
e transferencialmente: Como nascem as idéias? Isto situa, sem justificá-lo, o
encabeçamento e o desenvolvimento teórico a respeito.
Uma vez examinada essa pergunta, se nota que o
perguntar da criança toma outro caminho: Fatah interroga idéias-bebês. Por ali passam
os temas do nascimento e da morte, o esqueleto como conceito das coisas e, sobretudo, o
que governa o cérebro: "O cérebro do homem programa tudo o que ele faz. Mas tem que
haver alguém ou algo que governe cada cérebro..." (p.131). Nesse sentido, se
desdobra o esforço classificador de Fatah: o princípio de classificação está na seiva
dos lápis.
Uma interpretação. Em relação a esta última,
o analista intervém assinalando a Fatah a palavra "desvitalizados" (os lápis
achavam-se nesse estado) e se produz então "a sessão do ciclone". Apenas
assinala essa palavra, Fatah mancha furiosamente o papel, o preenche com uns rabiscos
enlouquecidos e frenéticos e, comentando sua produção, relata: "É um ciclone,
deixa as pessoas sem abrigo. Os ciclones foram inventados com uma espécie de truque que
ninguém conhece, que não se pode saber." A interpretação corta o brincar (é o
mais comum quando se toma como modelo a análise de adultos, sendo, por outro lado,
também muito comum a forma da interpretação: repetir uma palavra do paciente).
A brincadeira. Mas, e aqui chegamos ao ponto que
deveria ser examinado sempre no material da análise de crianças, e que nos interessa; do
que estavam brincando, uma vez que alguma brincadeira foi interrompida?
Se atendermos ao fato de que Leguil cita
textualmente a Fatah, e que o menino quer num dado momento fazer um livro, o jogo seria
fazer o Corão (o que não deixa de remeter aos encontros iniciais de Lacan -palavra
santa). Noutro sentido, poderiam estar brincando de "arquivo" ou de
"datilógrafa". Outra descrição: brincam a dar-se importância (Que perguntas
fazem!).
Outra: brincam a inventar um mito da origem (No
princípio de tudo está...), que não encontram. Também poderiam brincar de realizar uma
Enciclopédia Argelina (por esse lado, de fato, deslizam-se as referências poéticas do
menino próximas aos enunciados e ao estilo do Corão). Essas brincadeiras estão mais ou
menos presentes; não obstante, preferiria dizer que brincam de nascimento das idéias, de
idéias que nascem como bebês. E se vê, por essa via, porque a interpretação produziu
um ciclone: O que te ocorreu? Você tem de se dar conta do que se passa! Se seguirmos esta
linha em relação à cena primária, os pais não são os que têm a idéia de como se
fazem os bebês, são os que não têm nem idéia disso.
A cena primária, interrogada nessa direção,
não leva à idéia de bebê, senão à uma idéia-bebê. Assim, as perguntas de Fatah
não são tanto pela origem das coisas como pela origem das idéias. No começo existem
idéias, embora reenviem, logo, à origem das coisas.
Esta dimensão converge com fato -disse
anteriormente- de que não se trata de um perguntar à secas. Existe uma situação de
investigação em curso, da qual o analista participa convidado por Fatah. O menino lhe
diz: "O importante entre você e eu é estudar o esqueleto... Para que saibas de que
modo um esqueleto cresce e envelhece" (p.131).
Fatah vai revelando segredos ao seu analista.
Mas, o que é um segredo? A princípio, um segredo revela-se sobre o fundo da ignorância
ou a não resposta do Outro. Em segundo lugar, contrasta com o esqueleto das coisas. Fatah
não respeita intimidade, perfura. A respeito das pessoas, ele "segreda" que
elas não teriam a menor idéia. Neste ponto, é necessário recordar o que dizia antes da
cena primária, assim como a menção ao "homem secreto" que era o pai.
Esta apresentação do caso (a minha) vê-se mais
ou menos corroborada pela forma na qual termina o tratamento: Fatah o deixa sofrendo de
dores de estômago e de cabeça. Disse, então, que se curou porque pôde falar sobre como
se faz um iogurte. Fatah adquire uma concepção alimentícia, e responde por seu
tratamento com uma concepção (nos dois sentidos do termo).
Por quê supõe Leguil que Fatah pode responder
pela sua cura? Em algum ponto, o analista obtém uma resposta estranha, ele se surpreende
(talvez sem razão). E, finalmente, pergunta e resposta -como as perguntas e respostas do
material- enrarecidas e enigmatizadas, ficam como explicação do caso. "Curei-me
porque pude falar com Leguil de como se faz um iogurte". A seqüência não se
descarta, se registra, esta vez para surpresa do leitor. Resulta óbvio que aqui existe
algo invertido. Comumente, falamos a um menino: "Falei com teus pais, falamos de
você. Você sabe por quê você vem me ver?". É atípico que umas semanas depois de
terminado um tratamento se pergunte ao menino: "Como você se curou? e Por
quê?". O analista encara o tratamento de maneira conceitual, desde um ponto de vista
técnico de não brincar com o menino, no máximo, observa como desenha.
A unidade do psicanalista. Leguil pensa, mais
bem, num desenvolvimento no nível do fantasma, e para nada no brincar. Por isso sustenta,
apesar de citar antes a opinião contrária de Michel Silvestre, que a psicanálise é uma
só, e que sua unidade justifica-se no desejo do analista: "O que está em jogo é
exatamente o mesmo (na análise de crianças), pois a unidade da psicanálise (isto lembra
um velho título de Lagache) não se deve a similitudes fenomenológicas senão ao desejo
do analista, a sua função no sustento que deve proporcionar a experiência regulada de
uma transferência. (...) Um menino é um analisante de pleno direito. Também sabemos que
os analisantes, mesmo sendo adultos, são meninos quando os significantes de sua história
reaparecem!" (p.129)
Este último argumento, indelével por sua
circulação: re-introduz na definição o que se busca delimitar. Deveria advertir-se que
o desejo do analista, quando aparece de maneira mais ou menos pura na análise de
crianças, é angustiante. Neste caso, temos como exemplo a sessão do ciclone. Esta é,
por outra parte, a razão de que não haja possibilidade de interpretação direta.
De qualquer forma, resultaria esperada uma
fundamentação transferencial do caso que elucide o desejo do analista. Não há nada
disso. Neste aspecto, o único que aparece -como expressão de desejos, meramente-, é uma
tímida menção ao atravessamento do fantasma.
"Fatah serviu-se do que me disse para
modificar sua posição enquanto ao saber (...) ...já não parece estar-lhe vedado um
horizonte de conhecimento ao qual dirigir sua interrogação naquele ponto no qual o
fantasma não o sustenta." (p.133) Situação de lapso, posto que, se existe algo
seguro, é que nada limitava a interrogação de Fatah. O menino nunca sofreu uma
inibição do conhecimento; em todo caso, padeceu de um desinteresse extremo. E nisto se
parece a Ernesto de Marguerite Duras. Ernesto, frente ao colégio, dizia: "Não vale
a pena", e dava meia-volta.
Retendo esta oposição entre fantasma e
brincadeira como questão teórica e técnica, passo ao segundo caso. Desse material,
tomarei uma seqüência da brincadeira. O texto chama-se Um desejo de brinquedo, de Marta
Beisim. Foi publicado pelo Hospital Espanhol formando parte de uma série de quatro
conferências.
Motivo da consulta. Era um menino de nove anos
trazido para a consulta devido a problemas de aprendizagem não muito graves, e que
giravam em torno da dispersão (menos grave que o caso anterior e típico): não terminava
as tarefas, não as completava, etc. Os pais estavam preocupados também porque o menino
dormia mal, tinha pesadelos. Ao despertar, dizia que sonhado com tubarões.
Seqüência da brincadeira. Uma brincadeira se
repetia em distintas sessões. O menino se jogava sobre um tapete (que não cobria todo o
espaço do consultório e era de pêlo muito alto) fazendo escarcéu, dando gritos e
rindo. Dizia que ali existiam plantas carnívoras. Ou: "Socorro, socorro, as plantas
carnívoras outra vez!"
A analista lhe disse: "Nós, as plantas
carnívoras, estamos muito contentes de estarmos aqui porque gostamos do alimento que nos
cai de vez em quando", tomando a voz da planta. Foi o contrário de uma
interpretação na qual assinala-se algo além do brincar ou do que o brincar simboliza ou
expressa. Estava aquém do próprio brincar. Por outro lado, seria uma das formas de
brincar esquecida (ou reprimidas) pelo adulto.
Paradigma do modo de brincar em muitos aspectos:
se faz o objeto falar, se fala desde dentro do brinquedo. Neste caso, desde embaixo do
tapete.
A seqüência prossegue. O menino diz: "Mas
se as plantas carnívoras não comem pessoas, comem insetos, vi na televisão. Você não
sabia?" A analista diz: "Olha, poderíamos colocar um cartaz que dissesse:
Perigo! Zona de plantas carnívoras, por via das dúvidas, embora não comam mais que
insetos..." O menino diz: "vamos, vamos!" Com este cartaz, que depois não
é feito, ficaria marcada a entrada e saída do brincar, porque, além disso, a
brincadeira está intercalada com outras brincadeiras.
A sessão prossegue com o menino dizendo que viu
um filme proibido: Esplendor. (Conectado com a proibição, o terror e se ele pode entrar
ou não).
Cena primária. A construção da analista aqui,
referida como no caso anterior à cena primária, toma o fato de que as plantas
carnívoras ficam com fome (provavelmente o desejo do sonho: deixar famintos os
tubarões). Levado ao terreno da cena primária, seria: a mamãe está insatisfeita, o
papai lhe fica grande (coisa que poderia ser ao contrário).
Brincar suposto. Mas. para além desta
construção do tipo "não lhe entra", o importante é que fica suposta uma
brincadeira: o de deixar com fome, deixar insatisfeito.
Nesse sentido, a tarefa com crianças não
giraria, tomando como modelo este caso, sobre uma interpretação da oralidade (os desejos
retaliadores ligados ao sadismo oral, à voracidade e aos problemas de aprendizagem como
incorporação), ou sobre a posição do analista como objeto oral -clássica no sentido
lacaniano: construção retroativa do Sujeito Suposto Saber a partir da posição do
analista como objeto. Aqui o suposto é uma brincadeira e não um objeto ou uma fantasia.
Assim como a interpretação deixa lugar à brincadeira, a transferência não se produz
pela instalação do objeto no Outro (no analista) porque a transferência (o que está
suposto e funciona como SSS) é uma brincadeira que se brincou sem ter sabido.
A transferência se produz na suposição de um
brincar (de uma regra da brincadeira), da qual o analista participa com dificuldade e com
bastante resistência.
Não existe continuidade entre análises de
crianças e de adultos. Este modo de apresentar as coisas ameaça a continuidade do campo
da psicanálise, já que, de fato, teria que ser reconhecida que a experiência da
análise de crianças é descontínua em diversos aspectos. A criança não adquire a
significação da operação analítica, não é afetado pelas conseqüências da queda do
saber. Não poderíamos nos perguntar por que Joãozinho (o pequeno Hans) não foi
analista.
Primeiras conclusões. Os exemplos que dei levam
a distinguir a interpretação da brincadeira, da brincadeira como meio (como material
próprio da análise de crianças) e, por ali, distinguem a fantasia da brincadeira. A
brincadeira não é uma fantasia suplente, atuada, está no lugar da fantasia e é o termo
último com o que o analista opera. Não existe um além da brincadeira, uma fantasia
fundamental nem fantasia inconsciente. Em segundo lugar, a posição do analista não
está concernida no objeto senão em sua participação na brincadeira. Acrescento: esta
inserção não é a mesma segundo a idade da criança: na latência o analista aparece
como par, como semelhante, e em menininhos menores como brinquedo. Isto complica ainda
mais o problema.
Volta sobre a interpretação e a transferência.
Interpretação e transferência nos adultos e
comparação. Até o momento, considerei a interpretação e a transferência sem
conectá-las. Agora vou trabalhar um pouco na comparação com a análise de adultos. O
que acontece na análise de adultos quando o analista interpreta? O que chamamos
transferência é, em parte, o ponto ao que o analista é arrastado pelas conseqüências
da tarefa interpretativa. O analista se vê conduzido a um lugar que responde (o lugar e
não ele) pela interpretação. Este é o objeto.
Correlativamente, a associação livre tende à
mesma produção. Entre associação livre e interpretação existe um ponto de
convergência. Exemplo: o analista interpreta fazendo construções de cenas infantis, e o
paciente associa corroborando sempre. E depois de certo tempo, resulta que toda esta
história tem que ver com a vida religiosa da paciente e, especialmente, com uma dúvida
sobre a confirmação. Suponhamos um pouco mais, ainda: se tratava de confirmar a
inexistência do objeto fálico na mulher. Qualquer que seja o caso, chegam ali sem
sabê-lo e sem plano.
Outro exemplo: as interpretações são
sinópticas, agrupam muito material e o sintetizam. O paciente, quando associa, engloba as
interpretações, as generaliza, as arredonda. A coisa vai pelo lado do erotismo uretral.
Apresenta-se a nós uma "sorte de bexiga".
Esta convergência no objeto não ocorre na
análise de crianças. Não há associação livre, nem interpretação. O ponto de
convergência do trabalho analítico não é um objeto. Muito menos, então, poderia
dizer-se que existe um atravessamento do fantasma ou um ato analítico.
Posição do analista na brincadeira. Quando se
descobre um brincar suposto, ou a regra de um jogo, não poderíamos dizer que o analista
faz semblante de regra, de jogo, nem que representa de algum modo ao brincar. O analista
tem uma posição lateral a respeito do brincar suposto. Eu diria que faz alavanca ou
proporciona um ponto de apoio para que essa brincadeira não reconhecida - conectada com a
sexualidade e a cena primária- possa emergir e seja reconhecida. É o caso das plantas
carnívoras. Mas o analista não acaba arrastado ali por algo que faria de equivalente a
interpretação. A questão, então, pode ser estabelecida assim: como definir a
participação do analista no material da brincadeira em relação à produção de um
brincar suposto e rasgado pela sexualidade? É a pergunta pela transferência na análise
de crianças.
Por contraposição e como contra-exemplo, para
situar a âmbito da pergunta: é legível a sexualidade infantil na caso de Leguil? Não
há sequer referências. De maneira que, ao contrário, temos que deduzir que algo do
material infantil da brincadeira, senão o surpreende, leva ao terreno sexual. Mas aqui
-como no fantasma que não está atrás do brincar- não se trata de que exista uma
sexualidade além do brincar, o brincar é sexual, porque a sexualidade infantil é
infantil, quer dizer, "de brincadeira." Descritivamente, para responder a
pergunta que fiz, o analista aparece como brinquedo, pondo voz ao brinquedo, como
máscara, disfarce, personagem, par, companheiro de brincadeira, semelhante; como
sustentando o equívoco sobre a pessoa, brincando de todas essas maneiras. O erro sobre a
pessoa se produz no interior da brincadeira.
Menos descritivamente, o analista participa
atualizando a brincadeira (nos dois sentidos, de atualidade e de encenação de algo que
não foi) como um jogador inadvertido oferecido a uma leitura. E, por isto último,
teríamos que distinguir que o analista não é a causa do brincar.