Direitos
Humanos
por Fani Hisgail
Na virada do milênio, comemorou-se os cinqüenta
anos da promulgação da Declaração dos Direitos Humanos (10/12/1948). Desde
então, as agências internacionais vem lutando no sentido de promover e proteger as
liberdades individuais e coletivas das atrocidades perpetradas pelos poderes do tráfico
de pessoas, da tortura, do seqüestro, da escravidão, da exploração sexual, física e
psíquica das minorias étnicas, indígenas, e lingüísticas. Os refugiados, os
sobreviventes, as testemunhas e os doentes mentais formam uma massa, cuja identidade tem,
como pressuposto, a ameaça da perda da cidadania e dos direitos inalienáveis da vida
humana.
Segundo a Declaração, "o
reconhecimento da dignidade inerente à família humana constitui o fundamento da
liberdade, justiça e paz no mundo"; entretanto, vivemos numa época onde as guerras
e a violência são hegemônicas e constantes na vida cotidiana de populações inteiras e
das nações que sofrem pela falta de paz entre os homens. Apesar das Comissões de
direitos humanos dos órgãos internacionais e nacionais, e de todos os esforços
concentrados na prioriza"cão da defesa da humanidade, temos visto quanto é
difícil, e às vezes impossível, pôr em prática a função simbólica da lei que
permitiria a manutenção da paz no mundo.
No âmbito da liberdade de expressão e do
"espírito de fraternidade" em relação aos outros, a Declaração
invoca os direitos sociais, jurídicos e civis do homem, da mulher e da criança. Neste
sentido, a educação, a saúde e a segurança pessoal são prioridades e, para tanto, os
indivíduos perante a lei são assegurados de suas garantias de defesa e proteção. Sob
este preâmbulo, abre-se aqui um espaço de discussão, onde psicanalistas, pensadores,
especialistas, acadêmicos e humanistas podem manifestar as suas idéias e reflexões
sobre os problemas e fenômenos contemporâneos que dizem respeito aos direitos humanos.
É mister enfatizar que os sentimentos humanitários, o amor e o respeito ao próximo
precisam ser evocados de todos os lados e cantos da psique do homem.
Os psicanalistas sabem muito bem quão
embaraçoso é este sujeito do inconsciente que descobre, através do complexo de Édipo,
uma identidade narcísica para desesperadamente recobrir a castração, condição
irredutível da marca do significante. Freud já dizia que há um estado singular, onde o
sujeito sabe tudo sem o saber, e que esta complexa ambigüidade do não-saber é o cerne
da cegueira de Édipo quando toma a própria mãe como sua esposa. O incesto e o
parricídio são dois indicadores da interrupção possível do projeto de pacificação
humana, sendo que desde os tempos primevos da civilização se impôs a lei simbólica, a
obediência retrospectiva a limites válidos para todos. O texto Totem e Tabu (1)
recupera a gênese da lei e da ética, de modo que o desejo só pode se inscrever sob a
batuta do pai morto, aquele que renasce dos escombros da representação do pai
idealizado.
Assim, a Declaração dos Direitos Humanos
resgata a dignidade da espécie humana das malhas da agressividade e da paranóia
inerentes a constituição de qualquer sujeito. Por isso, o espectro do Outro na imagem
especular registra que, sem a lei suprema, o ser humano só poderá padecer não apenas
pela perda do paraíso, tal qual fora o destino de Adão e Eva, como também, e de forma
bem pior, pelo sina de Abel, primeira vítima da intolerância.
Notas:
01. Freud, Sigmund Totem e tabú
1912/13.