acessa a apresentação do Portal

acessa o manifesto

acessa a revista

acessa psicanálise e hospital

acessa a agenda

acessa a biblioteca

apresentação manifesto revista hospital agenda biblioteca

 

18_rev_semiotica_01.jpg (7493 bytes)

Em um ensaio inédito, a semioticista Lúcia Santaella apresenta uma discussão crítica que pensa as conexões entre semiótica e psicanálise.

Dúvidas podem ser tiradas pelo e-mail:
psilacanise@pucsp.br


Semiótica e psicanálise: pontos de partida
      por Lúcia Santaella

 

Resumo

Este ensaio está dividido em duas partes. A primeira delas apresenta uma revisão crítica e a discussão dos vários tipos existentes de conexão entre semiótica e psicanálise. Na segunda parte, são propostos os caminhos para uma pesquisa que correlacione C.S Peirce e J. Lacan. Tal correlação enfatiza a utilização da semiótica peirceana como uma teoria geral e formal de todos os tipos de semiose possíveis. Sob esse ponto de vista, a psicanálise aparece como um tipo específico e muito peculiar de semiose.

 

Abstract

This essay is divided into two parts. The first one presents a critical review followed by the discussion of the several existent types of connection between semiotics and psychoanalysis. In the second part, the issues for a research which correlates C. S. Peirce and J. Lacan are proposed. Such correlation emphasizes the use of Peircean semiotics as a general and formal doctrine of all kinds of possible semiosis. From this point of view psychoanalisys appears as a specific and very peculiar type of semiosis.

*

Antes de expor a possível relação da semiótica com a psicanálise, que pretendo propor, cumpre discutir as diversas tendências existentes de relação entre semiótica e psicanálise.

 

1. Tendências equivocadas

Em primeiro lugar, trata-se de discutir duas tendências que considero equivocadas. A primeira delas está na identificação da semiótica com a linguística, uma identificação que desconsidera as fronteiras e distinções entre ambas. A segunda, até certo ponto ligada a essa primeira, está na identificação da linguística com estruturalismo e, consequentemente, da semiótica com o estruturalismo.

É fato notório que, na sua origem, a semiótica européia, então chamada de semiologia, brotou dentro da obra de um linguísta, F. de Saussure, inegável pai do estruturalismo linguístico. Contudo, deveria ser notório também que Saussure (1971) apenas mencionou a necessidade do aparecimento de uma ciência com a amplitude da semiologia, sem que a ela tenha dispensado mais do que um ou dois parágrafos de sua obra. Desse modo, se a semiologia foi identificada à linguística estrutural, esta façanha não se deve a Saussure, mas a Roland Barthes. Em 1964, nos seus Eléments de sémiologie, Barthes expandiu os conceitos da linguística saussuriana para uma aplicação em vários outros sistema semiológicos distintos da linguagem articulada.

Ele abriu seu livro com as seguintes palavras: "Os Elementos aqui apresentados não têm outro objetivo que não seja tirar da Linguística os conceitos analíticos a respeito dos quais se pensa a priori serem suficientemente gerais para permitir a preparação da pesquisa semiológica (1971: 13).

Nisso, Barthes estava certo. Os conceitos linguísticos (língua-fala, significante-significado, sintagma-sistema e denotação-conotação) de que se apropriou nos seus Elementos eram suficientemente gerais e amplos (ou pelo menos foram por ele generalizados) para permitir a intelecção de sistemas tais como a moda, culinária, mobiliário, arquitetura etc. Mas é certo também que as generalizações barthesianas não bebiam apenas nas fontes de Saussure.

Apareciam nos Elementos os frutos de uma reelaboração ou maior precisão da linguística estrutural à luz de L. Hjelmslev, A. Martinet e R. Jakobson. Além disso, neles também já se faziam sentir efeitos da descoberta do fonema (que não foi realizada por Saussure, mas por Trubetskoy), assim como da antropologia estrutural de Levi-Strauss, então no ápice de sua repercussão no contexto europeu.

Pode-se dizer que os Elementos apareceram num momento de inflexão. Meados da década de 1960 marcavam na França o clímax alcançado pela divulgação dos conceitos saussurianos e início dos idílios, abalos e atritos que o "método estruturalista" produziria nas diversas áreas das ciências humanas e sociais. Foi nessa atmosfera que a semiologia começou a brotar. Nessa medida, seu nascimento, em território francês, ficou marcado pela raiz linguística de identidade estruturalista.

De meados de 1960 para a frente, contudo, os destinos do estruturalismo tomaram rumos críticos bastante complexos que vieram necessariamente trazer consequências para os caminhos da semiologia. Já em 1971, por ocasião da tradução de seus Elementos para o português, na nota dirigida Ao Leitor Brasileiro (p. 8), Barthes dizia:

"Faz dez anos que a Semiologia (francesa) se movimenta consideravelmente: forçada a deslocar-se, a arriscar bastante em cada encontro, manteve ela um diálogo constante e transformador com: o estruturalismo etnológico (Levi-Strauss), a análise das formas literárias (os formalistas russos, Propp), a Psicanálise (Lacan), a Filosofia (Derrida), o marxismo (Althusser), a teoria do texto (Soller, Julia Kristeva).

É toda esta fulguração ardente, freqüente, por vezes polêmica, arriscada, que se deve ler retrospectivamente na história da Semiologia: sendo precisamente a linguagem que questiona continuamente a linguagem, ela honra, por natureza, as duas tarefas que Brecht assinalava ao intelectual neste período da História: liquidar (as antigas ideologias) e teorizar (o novo saber, o novo agente, a nova relação social)".

Mas não foi sem repercurssões o abalo que, na década de 1970, o pós-estruturalismo, especialmente de M. Foucault e J. Derrida, haveria de produzir por todos os remanescentes do estruturalismo, assim como foi se tornando cada vez mais penetrante a influência de J. Lacan sobre alguns intelectuais franceses previamente engajados no desenvolvimento da semiologia.

É notório, por exemplo, o ocaso do estruturalismo na obra de Barthes, que coincidiu com o fisgamento crescente de seu pensamento pelos ensinamentos e escritos de Lacan. O mesmo viria a ocorrer, um pouco mais tardiamente, com Julia Kristeva que, em 1979, declarou, no II Congresso Internacional de Estudos Semiótico, em Viena, que a França estava sob o impacto da descoberta de Freud (!). De fato, de lá para cá, Kristeva foi cada vez mais abandonando as trincheiras de suas complicadas elucubrações batizadas de semiótica (ver especialmente Kristeva 1974) para se entregar à atividade de psicanalista e à escritura de livros marcados pela elaboração de uma psicanálise com cunho imaginário pregnante (cf., por exemplo, 1987a e 1987b).

Por volta do final dos anos 80, o que restava de semiótica em sua obra era a oposição entre o registro da linguagem ou simbólico e o registro semiótico que, para ela, "é o registro dos traços sonoros, visuais, táteis, olfativos, anteriores ao corte linguístico, logo, anteriores ao sujeito barrado" (Tenório da Motta 1987: A-42). Hoje, a notoriedade de Kristeva se firmou entre as feministas norte-americanas e européias.

Em 1975, Philippe Sollers, então figura muito influente à frente do grupo Tel Quel, em Paris, publicou "Psicanálise e semiótica: algumas teses" (reeditado em espanhol em 1980). Envolvido na época com a ideologia maoista, a principal tese de Sollers defendia a relação da psicanálise com o marxismo, deixando muito vaga a relação entre a psicanálise e a semiótica. A sexta tese é aquela que deixa mais explícito o teor do breve artigo:

"Um psicanalista que ignore hoje em dia o materialismo histórico é tão anacrônico quanto um marxista que, por exemplo, não tenha se dado conta do desaparecimento do `realismo socialista´. Tão anacrônico quanto um lingüista que seguisse falando da língua como se Joyce e Artaud não tivessem existido. Tão anacrônico quanto o papa lutando contra o divórcio: logo não terá outro afazer senão o de benzer os corredores ciclistas".

No contexto parisiense daquele período, quem ficou imune a Lacan e à psicanálise e que acabou criando escola (a chamada Escola de Paris) no campo da semiótica foi A. J. Greimas. Embora suas primeiras obras (1966 e 1970) tenham sido profundamente marcadas pela influência da linguística de L. Hjelmslev, e mesmo da mitologia estrutural de Levi-Strauss, sua teoria foi gradativamente adquirindo um perfil próprio e proliferando na produção de seus discípulos, que não são poucos. Na sua evolução, sua teoria foi se constituindo numa semiótica de base semântica, narratológica e discursiva.

Diante de tudo isso, além da vida curta, os Elementos tiveram poucos seguidores, visto que, embora o grupo de investigações semio-linguísticas, que se formou em Paris, também partisse de postulações similares às dos Elementos, na busca de ampliação de conceitos lingüísticos e discursivos para cobrir campos semióticos não-lingüísticos, as pesquisas semio-lingüísticas estão mais conectadas à escola greimasiana do que às raízes da semiologia inspirada em Barthes.

De todo modo, sob um olhar retrospectivo, torna-se evidente que as propostas de uma semiologia de base estruturalista foram historicamente atropeladas pelas críticas advindas do pós-estruturalismo, de um lado, e abalroadas pela subversão psicanalítica, de outro. Além disso, foram cada vez mais colocados em questão os limites dos conceitos linguísticos para a análise dos sistemas de signos não-verbais. O caso da música, por exemplo, é típico. Os conceitos da lingüística são capazes de evidenciar o que há de semelhante entre música e língua, fala e discurso, mas falham na revelação do que difere.

Ora, o que difere é justo aquilo que faz da música o que ela é: música e não verbo. Nessa medida, foi caindo cada vez mais no descaso a proposta barthesiana, formulada nos Elementos (p. 13), de revirar a proposição de Saussure de que a linguística seria uma parte da semiologia. Segundo Barthes, "a Semiologia é que é uma parte da Linguística; mais precisamente, a parte que se encarregaria das grandes unidades significantes do discurso. Daí surgiria a unidade das pesquisas levadas a efeito atualmente em Antropologia, Sociologia, Psicanálise e Estilística acerca do conceito de significação". Creio não ser preciso pôr em discussão a exacerbação verbalista dessa formulação, visto que o filtro do tempo já deu conta de colocá-la no olvido.

O breve retrospecto, acima traçado, já permite demonstrar que a relação da linguística estrutural com a semiologia foi um fenômeno mais propriamente parisiense (e, evidentemente, epigonal nos países sobre os quais Paris exerce influência), o que não parece autorizar a generalizada confusão da identificação da semiótica com a linguística de base estruturalista. Há outras vertentes da semiótica, por exemplo, a alemã (cf., especialmente, os mais de 20 anos de publicação da revista Zeitschrift für Semiotik, assim como as publicações sobre semiótica cultural evolutiva do grupo de Bochum sob a liderança de Walter Koch). Há ainda a vertente norte-americana, que não se restringe à extração peirceana, como erroneamente se supõe.

Basta conferir, de um lado, a extensíssima obra do legendário semioticista, biólogo e antropólogo Thomas A. Sebeok (1979, 1980, 1981, 1985, 1986, 1991, 1994 ,para só citar algumas de suas publicações) e, de outro lado, os livros de J. Deely (1990, 1994). Essas vertentes diferem da francesa e nem longinquamente podem ser confundidas com a linguística estrutural. Há ainda a vertente russa que, mesmo trazendo as marcas do estruturalismo checo e do formalismo russo, essas marcas se plasmaram num caldeamento de fontes e influências amplas que não podem ser reduzidas a uma determinação meramente estruturalista [cf. Toledo org. (1975), Daniel P. Lucid org (1977), Schnaiderman org. (1979), Lotman et al. (1979), Lotman et al. (1981), H. Broms and R. Kaufmann, eds. (1987)].

 

2. O outro lado da moeda

Se as propostas de uma semiologia subjugada à linguística não chegaram a vingar e deitar raízes mais fundas, o mesmo não se pode dizer dos conceitos linguísticos formulados por Saussure. As oposições entre língua- fala, significante-significado, diacronia-sincronia, sintagma-paradigma incorporam-se indelevelmente em todos os campos das ciências humanas, tornando-se vocabulário obrigatório inclusive das teorias que pretendiam criticá-las. Em Lacan, para citar o caso que nos interessa neste ensaio, essas oposições são termos correntes.

Embora tenha se iniciado na psicanálise, já em 1936, pela porta do imaginário, com seu famoso ensaio sobre o "Estádio do Espelho" (1971), o Lacan que, durante algum tempo, ficou mais conhecido foi o Lacan do simbólico. Não há dúvida de que o simbólico é, nos seus escritos, uma noção bastante complexa e multidimensional. A mais evidente dentre essas dimensões é aquela formulada a partir da noção de significante. Ao fazer uso de conceitos de Jakobson, seu mestre e amigo, o pensamento de Lacan foi dominado por oposições binárias. Do estruturalismo, ele adotou dicotomias tais como significante e significado, língua e fala, metáfora e metonímia como instrumentos para a sua releitura de Freud. Também estruturalista foi sua adoção da teoria saussuriana da qualidade diferencial do signo e de suas determinações pelas estruturas do sistema.

Reinterpretando o modelo saussuriano do signo, Lacan argumentou que a fórmula seguinte

indica duas coisas: (a) a dominância do significante sobre o significado e (b) a fronteira primordial entre os dois lados do signo (indicada pela linha separando os dois níveis).

Para Lacan, essa barreira indica um hiato entre os dois lados do signo, que proibe qualquer acesso de um lado para o outro. É uma ilusão acreditar no significante como uma representação do significado, visto que nenhuma significação pode ser mantida a não ser por referência a um outro significado. Assim, Lacan concluiu que é na cadeia da fala que o significado insiste, sem que nenhum de seus elementos consista na significação da qual ele é capaz num dado momento. Com isso, Lacan corroborou as teorias freudianas sobre a função dos signos no sonho, pois o significado dos sonhos na cadeia significante está na cadeia significante ela mesma e não além de seus significantes (Noth 1990: 302-303).

É certo, portanto, que o significante lacaniano subverteu a barra do algoritmo saussuriano. À correspondência par a par entre significante-significado proposta por Saussure, Lacan (1966: 255-263) contrapôs a insistência da cadeia significante em oposição ao deslizamento do significado. Além disso, o termo significante adquiriu, na psicanálise lacaniana, uma potência que jamais teve em Saussure, o que não deixou de ser enfatizado por Lacan (1985: 73):

"O que me importa não é esgotar uma filosofia da condição humana; o que me importa definir de minha posição de analista, e o que me parece para todos extremamente importante, é que esta posição particular – de onde parto e para onde retorno- destaca como valor fundamental certa relação do homem com o significante. Creio que é isto que define o campo que descobrimos mediante a análise e tudo que está verdadeiramente envolvido pela análise está nesse campo".

Também fundamentalmente estruturalista e importante para a compreensão das re-facções a que Lacan submeteu o conceito de significante foi a revolucionária descoberta linguística do fonema como unidade (forma abstrata) elementar da língua, feixe de traços distintivos que instaura a ordem significante como repetição, diferença e negatividade (ver Jakobson 1967). De outro lado, também fundamental para Lacan foi a oposição entre metáfora e metonímia, esta extraída de Jakobson (1973: 34-72), mas apresentando uma correspondência perfeita com a oposição saussuriana entre paradigma e sintagma, isto é, os dois eixos interdependentes de estruturação dos elementos linguísticos.

O sintagma ou eixo metonímico se refere às combinações das unidades linguísticas que compõem um contexto. Essas unidades vão desde as unidades menores, os fonemas, até as unidades maiores, as frases ou contexto ainda maiores do que a frase, o que faz do sintagma uma organização linear de elementos dispostos uns após os outros. Na sentença "O menino caiu", por exemplo, cada palavra é composta por unidades menores, como no caso de / m/, / e/, / n/, / i/, / n/, / o/, que, por sua vez, como palavra se une a outras palavras formando uma sequência significativa ou sentença.

Contudo, os elementos que se combinam em sintagmas são elementos substituíveis, isto é, pertencem ao que podemos denominar um elenco de elementos que a eles se assemelham ou a eles equivalem, podendo ocupar a mesma posição no sintagma. Assim, na palavra /som/, o fonema /s/ do início poderia ser substituído por /d/ e teríamos /dom/, por /t/ e teríamos /tom/, e assim por diante. O contexto vai se modificando pela substituição dos elementos, o mesmo ocorrendo no nível das frases, onde / menino/, na sentença "O menino caiu" poderia ser substituído por /guri/, /caiu/, por /escorregou/ etc. Portanto, esses elementos são substituíveis e equivalentes funcionalmente, sua função dependendo da posição que ocupam no sintagma. É por isso que se diz que o paradigma ou eixo metafórico é o eixo da seleção, dos elementos que se associam em ausência, enquanto o sintagma é o eixo da combinação ou dos elementos que se combinam em presença, quer dizer, um depois do outro.

Embora a linguística estrutural tenha tornado famosa a dicotomia acima, pode-se afirmar que a descoberta dessa dicotomia é muito anterior à linguística moderna. Na sua releitura dos empiristas ingleses, Peirce (CP 7.391-498) já dizia, no século passado, que as associações por contiguidade e similaridade são as duas leis da mente. E são tão gerais que estão para a mente assim como a lei da gravidade está para a natureza. De fato, em todo e qualquer sistema de signos, verbais, não-verbais, e talvez até mesmo naturais, as mensagens se organizam de acordo com esses dois eixos. E não foi outra coisa senão a operacionalidade deles, nos processos de fragmentação, deslocamento, identificação e condensação que Freud descobriu no funcionamento do sonho como linguagem.

Portanto, quando Lacan retomou de Jakobson as noções de metonímia e metáfora, ele estava reinterpretando os eixos de estruturação do sonho à luz das novas elaborações da linguística para as quais Freud, de maneira indireta, também deu suas contribuições.

Frente a tudo isso, não se pode desprezar a importância das descobertas da linguística para o pensamento lacaniano, especialmente o Lacan do simbólico (cf. Miller 1984: 14-15). Muitas são as passagens em que Lacan, ele mesmo, confessa seu débito para com a linguística, cujas descobertas lhe deram apoio sólido (1979: 26) para o tratamento mais preciso de muitas das formulações freudianas que, aliás, indiscutivelmente anteciparam a chegada da linguística.

Entretanto, se, de um lado, Lacan aderiu, até certo ponto, ao estruturalismo, de outro lado, seu pensamento foi, cada vez mais radicalizando esse paradigma, e, de uma certa forma, subvertendo-o. Quanto mais se aproximava do real e dos seus conceitos, tais como exemplarmente o conceito de objeto pequeno a, ou objeto faltante, causa do desejo, quanto mais radicalizava a noção de letra, como significante fora do simbólico, mais as palavras "estrutura", "linguagem" e mesmo "língua" foram sendo ressignificadas, nos seus seminários, em prol de uma linguisteria irredutíval à linguística (cf. Souza Leite 1995: 360-42).

Daí decorre que, quanto mais Lacan se afastava do paradigma da linguística, rumo à descoberta do impossível do real, daquilo que há de impossível de ser simbolizado no real, quanto mais descobria as antinomias e incompletudes do simbólico, tanto mais Lacan aproximava a psicanálise de um paradigma mais propriamente semiótico, especialmente daquele conceituado por C.S Peirce, pois não parece haver existido qualquer pensador que tenha levado a noção de incompletude do signo a consequências lógicas tão radicais quanto Peirce.

Há, de todo modo, um ângulo eminentemente linguístico na psicanálise lacaniana. Embora Lacan (1982: 25) tenha procedido à transfiguração da linguística em lingüisteria, seu ponto de partida eminentemente linguístico não pode ser desconsiderado, sob pena de só se compreender muito metaforicamente o papel que o registro simbólico desempenha em sua teoria, assim como fica difícil entender estruturalmente tanto o automatismo da repetição quanto a célebre afirmação de que "o inconsciente está estruturado como uma linguagem" junto ao postulado de que "a linguagem é a condição do inconsciente". Neste ponto, contudo, cumpre pôr em evidência uma curiosa conversão.

 

3. Entre a semiótica e a linguística

Se, de um lado, a linguística é um pressuposto para a intelecção da complexidade do registro simbólico, a heterogeneidade dessa noção em Lacan é tamanha que transcende, de longe, os limites das bases linguísticas, passando a adquirir uma natureza mais propriamente semiótica. O postulado, por exemplo, de que o "falo é um significante"(1978: 267), assim como a impossibilidade de se pensar o significante sem seu resto, o objeto a, são articulações que estão mais perto de indagações semióticas do que linguísticas.

Consequentemente, se entramos nos escritos lacanianos pela porta da linguística, é pela casa da semiótica que precisamos caminhar neles. O processamento analítico, por que passam os conceitos, converte-os em conceitos semióticos, visto que não é a fala em si, sua estrutura e procedimentos apenas que estão em jogo, mas também as condições, implicações e efeitos da fala no sujeito, além da sobre-determinação como condição de toda formação do inconsciente. Se a cena da fala é linguística, a "outra cena", que faz desfalecer a fala, para fazer falar o sujeito do inconsciente, por ser lingüistérica, é necessariamente semiótica.

Pelas razões acima esboçadas, grande parte dos estudos que pretendem estabelecer a relação entre semiótica e psicanálise, quando utilizam uma base conceitual advinda da linguística, acabam sendo (mesmo se não reconhecem isto) estudos semióticos graças à própria psicanálise e não à linguística. Isso evidentemente, quando mergulham, de fato, nos entreveros psicanalíticos. Nesse caso, então, é a psicanálise que transforma os conceitos linguísticos em semióticos, até o ponto de podermos afirmar que é na psicanálise, especialmente a de Freud e Lacan, onde mais perfeitamente se realiza a semiótica do verbal, isto é, daquilo que há de não-verbal no verbal.

Também psicanalítica é a semiótica que se desenvolve através das interações da teoria analítica do sujeito com a semiótica discursiva (cf. Tasca 1987, 1989). Uma tal interação é oportuna porque problematiza as noções do sujeito do discurso, vigentes na semiótica discursiva: sujeito enunciante, sujeito-actante, destinatário-sujeito, sujeito modalizado etc. todas elas noções de sujeito que, em todas as suas variações, ainda permanecem dentro da tradição anterior aos abalos sísmicos da subversão freudiana.

Há ainda uma outra tendência batizada de semiótica e psicanálise que vale a pena ser discutida.

 

4. Intersemiose, interdisciplinaridade ou psicanálise aplicada

Trata-se das leituras de sistemas ou processos de signos não-verbais, tais como cinema, pintura, teatro, música, arte (cf. Chnaiderman 1989, Cesarotto 1999) que utilizam, digamos, um filtro psicanalítico para suas interpretações. Ainda dentro de uma tendência similar, aparecem as relações entre poesia e psicanálise, literatura e psicanálise. Tais relações se processam em dois níveis: (a) ou são realizadas simplesmente leituras psicanalíticas de obras literárias, (b) ou então teorias e textos literários são chamados a colaborar no entendimento de questões psicanalíticas e vice-versa.

Neste caso, há uma troca complementar, na qual textos poéticos e a teoria da poesia podem iluminar a complexidade psicanalítica, por exemplo, do real e da verdade (cf. Chalhub 1993, 1998), assim como a descrição dos mecanismos, que operam nas formações do inconsciente, podem auxiliar na compreensão das formações do inconsciente. Tanto no caso da aplicação da psicanálise a sistemas de signos não-verbais, quanto no caso das relações da psicanálise com a poesia e literatura, resta levantar uma pergunta: por que esses estudos recebem o nome de semióticos?

Tornou-se voz corrente chamar semiótico todo e qualquer estudo que envolva as linguagens não-verbais, o que equivale a tomar o semiótico como oposto ao verbal, quer dizer o que não é lingüístico é, por conseqüência, semiótico. Há aí um pequeno equívoco que precisa ser sanado. A semiótica abrange todo e qualquer processo de signo, inclusive os verbais. Nessa medida, não há entre a semiótica e a lingüística o drástico antagonismo que se costuma pregar. A diferença reside, de um lado, na especificidade da lingüística como estrita teoria do verbal e, de outro, no modo como a semiótica enxerga o próprio verbal, isto é, como uma trama inextricável de traços verbais e não-verbais, ou melhor, intersemióticos (pelo menos esta é a postulação da semiótica peirceana, sobre a qual discorrei adiante).

Disso se pode concluir que o fato de se estar trabalhando com signos não-verbais não caracteriza, por si só, um trabalho como semiótico, Há leituras estritamente verbalistas e eminentemente lingüísticas do universo não-verbal, como é, muitas vezes, o caso das análises do discurso. Assim, também, quando se trata de leituras psicanalíticas de linguagens não-verbais, se o substrato teórico, que informa as interpretações, vem apenas da psicanálise, não é ponto pacifico que se tem aí um estudo semiótico. O julgamento, porém, deve ser feito caso a caso, levando-se em consideração o relevo que é dado ou não à linguagem. Isto, para que não se confunda com semiótica toda e qualquer modalidade de psicanálise aplicada.

Do mesmo modo, as relações entre psicanálise e literatura caracterizam-se, em primeira instância, como interdisciplinares e não necessariamente semióticas. Novamente aqui, as fronteiras devem ser observadas caso a caso. Se a relação interdisciplinar é de natureza intersemiótica, isto é, de confronto complementar das questões de linguagem entre um campo e outro, então o estudo é nitidamente intersemiótico. Isto também para que não se confunda toda e qualquer aproximação interdisciplinar com semiótica. Evidentemente, o deslinde dos limites entre essas áreas nunca é tácito. Na maior parte das vezes, há misturas, desequilíbrios, pretensões de fazer semiótica que não saem do terreno da psicanálise e vice-versa. De todo modo, vale o alerta para que semiótica não se veja convertida em saco de gatos pardos e indefinidos.

 

5. Por que Freud e Lacan?

Durante este ensaio, só fiz menções à psicanálise em nome de Freud e Lacan. É isto casual? Ou tendencioso?

Dentre todos os campos do saber relacionados às humanidades, com exceção da linguística que, evidentemente trabalha com e sobre a linguagem verbal, a psicanálise é aquela que não pode, de modo algum, dispensar de suas indagações as questões da linguagem e dos processos sígnicos. Não importa qual seja a linha adotada pela psicanálise, o problema da linguagem acaba sempre tendo de ser levado em conta. Mas uma vez que é na psicanálise freudiana e na lacaniana onde as questões da linguagem são enfrentadas frontalmente, são essas linhas da teoria psicanalítica que estão sendo aqui favorecidas.

De fato, não há psicanálise sem linguagem. No seu nível mais superficial, isso já é verdadeiro porque a clínica psicanalítica não pode prescindir da linguagem. A regra fundamental do tratamento psicanalítico - que o paciente fale, simplesmente fale, o que lhe vem à cabeça - é evidência cabal da posição fundante ocupada pela linguagem na clínica. Num nível menos superficial, à luz de Freud e Lacan, todas as formações do inconsciente, através das quais ele aparece, dependem da linguagem para seus aparecimentos. Ficou conhecida a afirmação lacaniana de que "a linguagem é condição do inconsciente". (Lacan 1993). Num nível de maior complexidade, além das formações do inconsciente serem precondicionadas pela linguagem, sob um ponto de vista semiótico, elas são, nelas mesmas, formações sígnicas que apresentam um estatuto próprio. Por isso mesmo, ganhou celebridade o axioma, enunciado por Lacan em 1953, de que "o inconsciente está estruturado como uma linguagem" (cf. Miller 1987: 15).

Para corroborar nossa propensão para Freud e Lacan, há duas passagens de N. Tasca (1987: 82-83), que são bastante oportunas. No tocante a Freud:

"Se existe uma prática psicanalítica que extrai o sujeito da linguagem, dela o dissociando, esvaziando assim o seu lugar para aprendê-lo na sua in-existência através de significações apriorísticas, que nutrem, aliás, as certezas de certos lingüistas e mesmo semioticistas, a verdade é que, para a psicanálise freudiana, se impõe a consideração do sujeito na e a partir da linguagem, o seu discurso dela procedendo, sendo, para o analista, o único documento onde fundar a análise da transferência, dele dependendo a investigação do inconsciente".

No tocante a Lacan, a autora continua:

"Foi partindo da matriz freudiana que é Die Traumdeutung, texto reconhecido pelo semioticista como um notável trabalho de análise semiótica avant la lettre (Greimas e Courtes 1979: 302), que J. Lacan postulou a linguagem como primordial para a constituição e estruturação do ser falante, encontrando neste sentido as proposições de E. Benveniste, ele próprio não indiferente à psicanálise, e as do semioticista. Afirmar que, para além do domínio circunstancial da fala, a prática analítica localiza no inconsciente a estrutura da linguagem (Lacan 1966), não significava somente advogar a reabilitação desta prática, convidando o psicanalista a uma travessia do puramente contingente, para ouvir na e apesar da fala a mensagem inconsciente ou verdade subjetiva."

"De fato, a tese que a partir daí se explica –o inconsciente é estruturado como uma linguagem – diz respeito à divisão inaugural do sujeito (Spaltung), que o torna dependente de dois registros heterogêneos (o consciente e o inconsciente)".

Essas passagens de Tasca nos revelam que a primazia, que é dada a linguagem tanto em Freud quanto, e mais pronunciadamente, em Lacan, cria um pólo de atração natural desses autores com a semiótica. Embora possam existir cruzamentos da semiótica com outras correntes da psicanálise, nunca serão cruzamentos viscerais, visto que a exclusão ou negligência da linguagem, em qualquer área que seja, psicanalítica ou não, só pode permitir intercâmbios temáticos e conteudistas, que muito pouco oxigenam o centro cardíaco da semiótica, que se localiza muito justamente nas questões de linguagem.

Isto posto, creio que é chegada a hora de formular, num traçado geral, a veia especifica da semiótica e psicanálise que pretendo propor: a relação Peirce-Lacan.

 

6. Para introduzir Peirce

Alguns esclarecimentos prévios sobre o caráter sui-generis da semiótica peirceana são aqui necessários. Peirce é o criador de um sistema filosófico concebido como ciência. Sua aproximação da filosofia se deu a partir das ciências e através da lógica, mais particularmente da lógica da ciência. Trata-se, pois, de um cientista e lógico que levou o espírito da investigação científica para dentro da filosofia, postulando que as disciplinas filosóficas são ou podem se tornar ciências. Propunha, assim, aplicar, dentro da filosofia – com as modificações necessárias – os métodos de observação, hipótese e experimento que são praticados nas ciências.

No entanto, sua concepção de ciência, batizada de falibilismo. ou seja, a teoria de que nosso conhecimento nunca é absoluto, mas sempre navega num continuum de incerteza e indeterminação (cf. Santaella 1988 67-75) em nada se assemelha a quaisquer versões positivistas, neo-positivistas ou pós-positivistas de ciência. Não é função deste ensaio demonstrar essas diferenças. Chamo atenção para elas para evitar malentendidos desnecessários. A semiótica é, assim, uma entre as disciplinas filosóficas, que se incrustam no gigantesco sistema filosófico peirceano, este entendido mais propriamente como sistema de pensamento científico que é, por sua vez, entendido de modo rigoroso, mas inelutavelmente falível.

Peirce, ele mesmo, estava perfeitamente consciente do caráter intensamente diferencial de sua obra que, segundo ele, "tinha pouco em comum com as doutrinas das escolas modernas" (apud Ketner 1983 69). Essa declaração, que já era verdadeira no início do século XX, hoje, um século depois, continua tão ou mais verdadeira. É isso que levou Ketner (1983 81) a afirmar:

"Creio que ainda temos dificuldade para interpretar Peirce corretamente porque freqüentemente achamos que sua obra está, de algum modo, em sintonia com o estilo de pensamento de nossa era, mas ela não está. Podemos facilmente (e com recompensas consideráveis) começar a construir uma compreensão correta da obra peirceana (algo que ainda nos falta) se procedermos de uma maneira científica".

Evidentemente essa afirmação tem de ser lida com alguns adendos. Primeiro, ela não significa que não há atualidade no pensamento de Peirce. Se devotamos aos seus escritos o tempo que eles exigem, sem a ansiedade das finalidades imediatas, se conseguimos entendê-lo nos termos que ele propõe, sem asfixiá-lo num círculo de analogias, mais aparentes do que verdadeiras, com outros possíveis autores e obras, as recompensas que advêm não são poucas.

Uma delas está no poder que seu sistema de pensamento científico tem para nos ajudar a detectar formas emergentes de pensamento e questões complexas com que o mundo contemporâneo nos desafia. Peirce não estava brincando, nem blefando quando, castigado pela solidão e miséria, numa carta de 1911, em tom desolado, mas ainda irônico, dizia a L. Welby:

"Para lhe dizer a pura verdade, sei que tenho pensamentos que seriam de grande utilidade para o mundo e que, por um longo tempo, ninguém tem probalidade de alcançar as mesmas verdades. Mas assim mesmo, devido à minha obscuridade a falta de informação, seria bem melhor eu procurar meu túmulo tão depressa quanto possível" (Hardwick, ed. 1977: 147).

Para, de certa forma, justificar essa certeza de Peirce, é preciso, no entanto – e este é o segundo adendo à afirmação de Ketner, citada acima – levar em consideração o fato de que o sistema peirceano de pensamento é arquitetônico, funcionando como uma Gestalt. Desligados do conjunto, seus conceitos perdem seu sentido e poder heurístico. Conhecer e entender Peirce, nessa medida, não significa gravar na memória uma somatória de definições, ou isolar uma pequena parcela de sua teoria como se essa parcela tivesse auto-suficiência. Peirce é um antídoto contra as formas de especialização que são cegas à Gestalt do universo e da vida.

É claro que a cartografia do sistema peirceano não é algo que possa ser apreendido sem a demorada convivência e intimidade com seus escritos. Mas o caminho para apreender sua gestalt está se tornando cada vez menos obstruído. A Brief Intellectual Auto Biography by Charles Sanders Peirce, por exemplo, nas palavras de seu editor (Ketner 1983: 61) funciona como "um breve, mas confiável guia para o pensamento peirceano, que apresenta sua estrutural geral e como a semiótica se encaixa nela". Mais longo, mas não menos iluminador é também MS L75, que se constitui em precioso documento que Peirce nos fornece das misturas inseparáveis entre sua vida e obra. Nesse MS, a sequência de suas descobertas é claramente apresentada, ao mesmo tempo em que as partes de sua obra vão gradativamente se integrando numa vasta topografia. Outra obra fundamental são os dois volumes de Essential Peirce (Houser ed. 1992, 1998).

 

7. Semiótica geral e semióticas especiais

Embora a questão sobre "Just how general is Peirce's general theory of signs" já tenha sido discutida por Fisch (1983: 55-60) e retomada por Colapietro (1989: 1-25), esse assunto merece ser enfatizado. Não é apenas a semiótica ou a formal e quase necessária doutrina dos signos que é abstrata e geral. De acordo com a concepção arquitetônica das ciências, só a matemática seria mais geral do que seu sistema de pensamento científico. Então, dentro deste, as hierarquias também não podem ser desprezadas. Assim como a fenomenologia é uma fundação para as ciências normativas, estas são uma fundação para a metafísica. Dentro das ciências normativas, a lógica ou semiótica tem seu alicerce na ética e esta na estética (para mais detalhes ver Santaella 1992).

Ao se referir ao seu pragmastismo, Peirce dizia:

"Parece-me que sou, no presente, o único repositório do sistema (pragmatismo) completamente desenvolvido, que só funciona com todas as suas partes e não pode ser apresentado em fragmentos. A minha visão de 1877 era grosseira. Mesmo quando fiz as conferências de Cambrigde não tinha chegado ao fundo ou visto a essência da coisa toda. Foi só depois que a prova de que a lógica deve estar fundada na ética, da qual é um desenvolvimento mais elevado. Mesmo então, fiquei estupidamente sem ver que a ética assenta no alicerce da estética, com o que, não preciso dizer, não me refiro a leite, água e açucar. Essas três ciências normativas correspondem às minhas três categorias (...). A verdadeira essência do pragmatismo não pode ser entendida sem elas" (CP 8255-256).

Aí está, em poucas palavras, a relação do pragmatismo com o todo do sistema, assim como aí estão configuradas as mais amplas hierarquias internas do sistema (há outras menores dentro destas maiores). Creio que a apreensão dessas hierarquias é o beabá para quem quiser começar a compreender Peirce. Estudar a semiótica, por exemplo, ignorando sua fenomenologia, é tão fora de mão quanto estudar sua metafísica ignorando a semiótica, assim como só pode gerar confusões desnecessárias querer compreender seu pragmatismo sem ter passado antes ou simultaneamente pela compreensão do sistema como um todo.

As hierarquias ainda não param aí. Para Peirce, o todo do sistema filosófico cientificamente concebido, tal como ele pretendia devolvê-lo, deveria funcionar como fundação para todas as outras espécies de possíveis ciências (ver Eisele, ed 1976: vol. IV, 185-199). Como uma teoria sígnica do conhecimento (ver Oehler 1979), o sistema peirceano não se propunha, portanto, apenas como um sistema de pensamento científico, mas também como um sistema para o pensamento científico. Esse foi o sonho de Peirce:

"...delinear uma teoria tão compreensiva que, por um longo tempo, o trabalho inteiro da razão humana, na filosofia de todas as escolas e espécies, na matemática, na psicologia, na ciência física, na sociologia, e em qualquer outro departamento que possa haver, deverá aparecer como o preenchimento de seus detalhes. O primeiro passo para isso é encontrar conceitos simples aplicáveis a qualquer assunto". (Peirce, Prefácio aos CP, vol. I)

A interação do seu sistema com qualquer ciência especial deve ser feita, portanto, levando-se em conta a diferença de graus de abstração entre ambos e o caráter de fundação epistemológica que Peirce dá ao signo. Se não estivermos alertas a esses fatores, qualquer comparação entre os conceitos peirceanos e os conceitos de qualquer ciência ou teoria mais especializada não tem o rendimento que deveria ter e fica certamente em dívida com o potencial dos conceitos peirceanos. Interessante notar que, quando comparações dessa ordem são feitas, é sempre Peirce quem sai perdendo. A abstração de seus conceitos é abaixada até atingir o grau de abstração menos genérico dos conceitos das outras ciências ou teorias que são chamadas à comparação.

Não estou querendo insinuar que, por ser mais abstrata, a teoria peirceana é superior a qualquer outra. Não se trata disso. A questão real é, isto sim, levar em consideração aquilo que uma teoria visa atingir, a que finalidades ela se presta. A teoria peirceana é tão ampla a geral a ponto de ser capaz de servir de fundação para qualquer outra teoria de qualquer espécie. Sob esse aspecto, o sistema peirceano funciona muito mais como uma infra teoria do que como meta teoria. É por isso que a semiótica geral pode nos fornecer subsídios para analisar quaisquer semioses especiais, sejam elas vegetais, animais, humanas, psíquicas, sociais, celulares, neuronais e provavelmente estelares.

Sendo geral, a semiótica peirceana é feita de definições abstratas e vazias de conteúdos materiais específicos. São as teorias especiais (ciências idioscópicas) com suas semioses específicas que funcionam como preenchimento dos detalhes, trazendo estofo material para os diagramas lógico-formais do sistema peirceano, ao mesmo tempo que esses diagramas ajudam a mapear e compreender o modo como cada ciência delimita e configura seu campo de conhecimento. Nessa medida, o dialogismo está no cerne não apenas da noção de signo, mas da própria concepção do sistema peirceano (Santaella 1986a). Seu sistema é proposto para a intelecção dos fundamentos epistemológicos e configurações conceituais das ciências especiais, quer elas se considerem ou sejam consideradas ciências ou não, como é o caso da psicanálise (questão, aliás, que seria motivo para uma longa discussão que, infelizmente, não cabe nos limites deste ensaio).

 

8. Peirce e Lacan: uma investigação em progresso

A primeira coisa a lembrar, antes de propor a relação Peirce-Lacan, é o fato de que o diálogo entre o sistema peirceano e qualquer outra ciência especial não produz grandes rendimentos se as comparações forem feitas a nível de fragmentos de ambas as partes. Sob este aspecto a teoria lacaniana é exemplar, visto que ela se estrutura notadamente dentro de uma rede conceitual topológica que não pode ser fragmentada, sob pena de se perder a função que cada conceito desempenha no conjunto.

Se enfatizei a importância da integridade do todo do sistema peirceano, assim como estou agora enfatizando a importância da visão do conjunto da teoria lacaniana, isso significa que o diálogo entre ambas se estabelece de par a par, no mesmo nível? Não, visto que cumpre evidenciar que a teoria lacaniana trabalha sobre um campo bem específico: o do funcionamento do aparelho psíquico humano, tal como ele se estrutura sob as determinações e sobre-determinações da realidade sexual inconsciente.

À primeira vista, não parece haver nada em comum entre a arquitetura filosófica de Peirce e a teoria lacaniana. Na superfície, de fato, nada as aproxima. Contudo, devemos ponderar: o sistema peirceano, na sua alta generalidade, propõe fornecer subsídios lógicos para o exame de quaisquer semioses especiais. Por que, então, não forneceria esses subsídios para o exame da semiose psíquica tal como esta se estrutura sob as determinações do inconsciente? Aliás, reconhecer que a teoria lacaniana trata de um tipo de semiose, a psíquica, e, dentro desta, reconhecer um subtipo, aquela semiose que se estrutura sob as determinações do inconsciente, já são modos de reconhecimento de caráter semiótico.

Ou seja, é o sistema peirceano que nos permite perceber o mapeamento e delimitação desse campo de conhecimento como um tipo especial de semiose, assim como nos permitirá, caso seja necessário, perceber as interfaces complementares ou conflituosas que o mapeamento desse tipo especial de semiose mantém com outras semioses especiais, que se limitam com a semiose psíquica, tal como a psicologia cognitiva ou a etologia, por exemplo. Não tenho a intenção, nem caberia aqui aprofundar a discussão dessas interfaces, na maior parte das vezes bem conflituosas. Pretendo apenas indicar, de modo breve, através de exemplos, como as propostas de dialogismo, que teoricamente o sistema peirceano permite, podem se concretizar.

Seguindo mais um passo na consideração da relação Peirce-Lacan, veremos que uma compreensão da globalidade da teoria lacaniana evidencia que sua estrutura está alicerçada na divisão do campo psíquico em três grandes registros. Esses registros, que Lacan (1953: 2) chamou de categorias essenciais da realidade humana, são o registro do Imaginário, Simbólico e Real. Numa das apresentações desses três registros, Lacan (apud Ballat 1986b) faz referência explicíta à lógica triádica de Peirce, na qual seus registros estão baseados: "Alguém chamado Charles Sanders Peirce construiu sobre isto a sua própria lógica que, dada a ênfase que ele coloca sobre a relação, o conduz a fazer uma lógica ternária. É exatamente essa mesma via que eu sigo, com a diferença de que eu nomeio as coisas em questão pelo nome- simbólico, imaginário, real".

Essa é evidentemente uma relação explícita, que permite uma comparação imediata entre Peirce e Lacan. Mas uma tríade similar já estava em Freud (id, ego e super-ego), e Freud nunca chegou a conhecer Peirce. Aponto para este fato para evidenciar que a correlação entre Peirce e Lacan já seria possível, mesmo que Lacan não tivesse se baseado em Peirce na divisão dos seus três registros. Tanto ela seria possível que outras comparações de tópicos que não foram baseados em Peirce também são possíveis.

Desse modo, além da correlação entre Imaginário e a categoria fenomenológica peirceana da Primeiridade, Real e a categoria da Secundidade, Simbólico e a categoria da Terceiridade, que é uma correlação ampla, e, por isso mesmo, vaga, pode-se avançar no confronto, quando os conceitos lacanianos são incrustados na configuração semiótica compreensivamente articulada. Uma vez que essas articulações foram explicitadas em Santaella (1999), limito-me a seguir a apresentar um breve panorama delas.

Como se sabe, para Peirce, o signo é uma relação triádica entre um primeiro, o signo, que representa, indica ou sugere um segundo, seu objeto, para um terceiro, ou seja, produz algum tipo de efeito em uma mente atual ou pontencial, que vem a ser o interpretante do signo. Tomando-se essa lógica relacional como parâmetro, tem-se que a pulsão, sob a dominância do Real, localiza-se na posição lógica do Objeto, a demanda de amor, que está sob a dominância do Imaginário, situa-se na posição do Signo, e o desejo, sob a dominância do Simbólico, situa-se na posição do Interpretante. Essas posições lógicas ajudam a compreender as intrincadas e indissolúveis interações entre os três registros lacanianos (com seus conteúdos específicos: pulsão, amor e desejo), assim como plantam esses registros no mapa lógico da estrutura semiótica.

Essa análise pode ganhar grandemente em precisão e detalhes se as articulações semióticas forem microscopicamente aprofundadas pela consideração dos tipos de objetos. Segundo Peirce, há dois tipos de objetos: o Dinâmico, aquilo que está fora do signo e que o signo representa, indica ou sugere, e o objeto Imediato, que está dentro do signo e que apresenta algum tipo de correspondência com o objeto Dinâmico. Justamente por apresentar, dentro de si, algum tipo de correspondência com o objeto Dinâmico é que o signo pode representar, indicar ou sugerir este último. Há três sub-tipos de objeto Dinâmico e três sub-tipos de objeto Imediato.

O mapeamento lógico, baseado nas três categorias, em que esses sub-tipos se organizam nos permitiriam perceber, no polo Real da pulsão, a recursividade do Imaginário e do Simbólico, no polo Imaginário do objeto de amor, a recursividade do Real e do Simbólico, no polo Simbólico do desejo, a recursividade do Real e do Imaginário. Isto nos possibilita apreender com rigor e propriedade pelo menos duas questões fundamentais: (a) a dominância dos registros em seus respectivos campos (Real-pulsão, Imaginário-amor, Simbólico-desejo) e (b) os diferentes valores lógicos que os registros adquirem nas suas recursividades em cada um dos campos em que eles necessariamente fazem presença, quer dizer, o Real da pulsão, por exemplo, tem propriedades lógicas diferentes do Real do objeto de amor, do mesmo modo que o Simbólico do desejo tem propriedades diferentes do Simbólico da pulsão, e assim por diante.

O aprofundamento dessas considerações só pode ser objeto de um longo estudo a ser desenvolvido no futuro. A intenção deste ensaio foi aquela de cartografar o campo, evidenciando as perspectivas que nele se abrem. Passo a indicar abaixo um esboço dessas perspectivas.

 

9. Peirce- Freud- Lacan: vigas mestras

Cada um dos itens, que serão focalizados abaixo, deverão ser, com o tempo, objetos de estudos aprofundados. Eles aqui comparecem a título de sugestões de pesquisas possíveis e necessárias para se evidenciar que as relações entre Peirce, Freud e Lacan são conseqüentes.

9.1 Os três pólos semióticos da OBJETIVAÇÃO (relação do signo com seus objetos), SIGNIFICAÇÃO (relações do signo consigo mesmo) e INTERPRETAÇÃO (relações do signo com seus interpretantes) e os três registros lacanianos. Um início de caminho para esse trabalho foi desenvolvido em Santaella (1999).

9.2 As sintonias entre o anti-cartesianismo peirceano e a subversão do sujeito psicanalítico. As primeiras fundações para o encaminhamento dessa pesquisa já se encontram em Santaella (no prelo).

9.3 Do Real e da verdade em Peirce como via de acesso ao real e à verdade em psicanálise. Um breve texto introdutório a essa questão pode ser encontrado em Santaella (1992: 190-192).

9.4 Sobre a ética semiótica e psicanalítica. Esta questão encontra-se em fase embrionária, não passando ainda de um pressentimento de que algumas conseqüências podem ser extraídas dela tanto no campo da psicanálise quanto da semiótica.

Do que foi aqui exposto e proposto, em especial no caráter acentuadamente conceitual com que se reveste, concluo com uma afirmação lacaniana que vem bem a propósito: "Não há empirismo possível sem uma esmeralda conceitualização".

 


Referências Bibliográficas:

BALAT, M. (1986a). La triade en psychanalyse: Peirce, Freud et Lacan. Tese de doutoramento. França, Université de Perpignan.

__________(1986 b). Peirce e Lacan: Introdução a uma abordagem formalizada. Cruzeiro Semiótico 4, 12-24. Porto: APS.

BARTHES, R (1971). Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix.

BROMS, H. e KAUFMANN, R. (eds.) (1987). Semiotics of culture. Helsinki: Arator INC.

CESAROTTO, Oscar (1999). Lunfardo. A língua paterna dos argentinos. Tese de doutoramento, Pucsp.

CHALHUB, Samira (1993). Poética do erótico. São Paulo: Escuta.

________________ (1999). Animação da escrita. Ensaios de psicanálise e semiótica aplicada. São Paulo: Hacker.

CHNAIDERMAN, M. (1989). Ensaios de psicanálise e semiótica. São Paulo: Escuta.

COLAPIETRO, V. (1989). Peirce's approach to the self : a semiotic perspective on human subjectivity. New York : State of New York. University Press.

DEELY, John (1990). Basics of semiotics. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press.

____________ (1994). The human use of signs or elements of anthroposemiosis. Lanham, Maryland: Rowman & Littlefield Publishers.

EISELE, C. (ed.) (1976). The new elements of mathematics by Charles S. Peirce. The Hague: Mouton.

FISCH, M. A. (1983). Just how general is Peirce's general theory of signs? American Journal of Semiotics vol 2, numbers 1-2, 55-60. Esse ensaio está incluído (p. 356-361) em Fisch (1986).

___________ (1986). Peirce, semiotic and pragmatism, K. L. Ketner and C.J. W Kloesel (eds.) Bloomington: Indiana University Press.

FREUD, S. (1986). La interpretacion de los sueños. Em Obras completas. vol. I, 231-585. Madrid: Ed. Biblioteca Nueva.

GREIMAS, A. J. (1966). Sémantique structurale. Paris. Larrouse.

____________ (1970). Du Sens. Paris: Seuil.

___________e Courtés (1979). Sémiotique. Dictionnaire raisonné de la théorie du langage, vol I. Paris: Hachette Université.

HARDWICK, C.S. (ed.) (1977). Semiotic and significs: the correspondence between Charles S. Peirce and Victoria Lady Welby. Bloomington: Indiana University Press.

HOUSER, Nathan et al. (1992). The essential Peirce 1. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press.

____________________ (1998). The essential Peirce 2. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press.

JAKOBSON, R. (1967). Fonema e fonologia. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica.

____________ (1973). 'Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia. 'Em Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix.

KETNER, K. L. (ed.). (1983). A brief intellectual autobiography by Charles Sanders Peirce. American Journal of Semiotics, vol. 2, numbers 1-2, 61-73.

KRISTEVA, J. (1974). Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva.

___________ (1987a). Histórias de amor. Siglo XXI Editores.

___________(1987b). No princípio era o amor. São Paulo. Brasiliense.

LACAN, J. (1953). Le symbolique, l'imaginaire et le réel. Cópia xerox do acervo da Biblioteca Freudiana Brasileira.

_______ (1966). L'instance de la lettre dans l'inconscient. Em Escrits I. Paris: Seuil, 249-289.

_______ (1971). El estadio del espejo como formador de la función del yo tal como se nos revela en la experiencia psicanalítica. Em Lectura estructuralista de Freud. Mexico: Siglo Veinteuno, 11-20.

_______ (1978). A significação do falo. Em Escritos. São Paulo: Perspectiva, 261-274.

_______ (1979). O seminário. Livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.

_______ (1982). O seminário. Livro 20. Mais Ainda. Rio de Janeiro: Zahar.

LACAN, J. (1985). Diálogo com los filósofos franceses. Em Intervenciones y Textos. Argentina: Manancial.

_______ (1993). Televisão. Rio de Janeiro: Zahar.

LOTMAN, J. M. et al. (1979). Semiotica de la cultura. Madrid: Ed. Catedra.

_________________(1981). Ensaios de semiótica soviética. Lisboa: Livros Horizonte.

LUCID, D. P. (org.) (1979). Soviet semiotics. Batimore, Maryland: The Johns Hopkins University Press.

MILLER, J. A. (1984). Recorrido de Lacan. Argentina: Ed. por Hacia el tercero encuentro del Campo Freudiano.

____________ (1987). Percurso de Lacan. Uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar.

NÖTH, Winfried (1990). Handbook of semiotics. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press.

OEHLER, Klaus (1979). Peirce´s foundation of a semiotic theory of cognition. Em Peirce Studies 1. Institute for Studies in Pragmaticism, Lubbock, Texas, 67-76.

PEIRCE, C. S. (1931-1966). Collected Papers. C. Hartshorne, P. Weiss e A. W. Burks (eds.). cambridge, MA: Harvard University Press. Os manuscritos não publicados são indicados por MS, seguido do número da página, de acordo com a paginação estabelecida pelo Institute for Studies in Pragmaticism, Lubbock, Texas.

POSNER, R. (ed.) (1979-). Zeitchrift für semiotik. Tübingen: Stauffenburg Verlag.

SCHNAIDERMAN, B. (org.) (1979). Semiótica russa. São Paulo: Perspectiva.

SANTAELLA, L. (1986a). Dialogism – M. M. Bakhtin and C. S Peirce: similarities and differences. Semiotisch Berichte Jg 10/1-2, 129-140. Austria.

____________ (1986b). As três categorias peirceanas e os três registros lacanianos. Em Cruzeiro Semiótico 4, 25-30. Porto: APS.

____________ (1988). Ciências e amor evolutivo. Em Cruzeiro Semiótico 8, 67-75. Porto: APS.

_____________ (1992). A assinatura das coisas. Peirce e a literatura. Rio de Janeiro: Imago.

_____________ (1999). As três categorias peircianas e os três registros lacanianos (2a. versão). Psicologia USP, vol. 10, no. 2, 81-91.

_____________ (no prelo). O método anticartesiano de C. S. Peirce.

SAPORITI, E. (1988). Pressupostos para a interpretação analítica. Tese de doutoramento. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

SAUSSURE, F. (1971). Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix.

SEBEOK, T. A. (1979). The sign and its masters. Austin: University of Texas Press.

_____________ (1980). You Know my method- a juxtaposition of C.S. Peirce and Sherlock Holmes. Bloomington: Indiana University Press.

_____________ (1981). The play of Musement. Bloomington: Indiana University Press.

_____________ (1985). Contributions to the doctrine of signs. Sources in Semiotics. Lanham, MD: University Press of America.

SEBEOK, T. A. (1986). I think I am verb. More contributions to the doctrine of signs. New York: Plenum.

_____________ (1991). A sign is just a sign. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press.

_____________ (1994). Signs. An introduction to semiotics. University of Toronto Press.

SOLLER, Philippe (1980). Psicoanálisis y semiótica: algunas tesis. Em Psicoanálisis y semiótica. Bardelona: Gedisa, 146-148.

SOUZA LEITE, Márcio P. (1995). O inconsciente está estruturado como uma linguagem. Em Idéias de Lacan, Oscar Cesarotto (org.). São Paulo: Iluminuras, 31-42.

TASCA, N. B. (1987). Das construções do sujeito. Cruzeiro Semiótico 6, 76-91. Porto: APS.

___________ (1989). Da transferência. Cruzeiro Semiótico 10, 122-130. Porto: APS.

TENÓRIO DA MOTTA, L. (1987). Kristeva, a luxúria cultural de Paris. Folha de S.Paulo, 11 de outubro.

TOLEDO, D. (org.) (1975). Círculo Linguístico de Praga: estruturalismo e semiologia. Porto Alegre: Globo.

 

 


acessa a apresentação do Portal

acessa o manifesto

acessa a revista

acessa psicanálise e hospital

acessa a agenda

acessa a biblioteca

apresentação manifesto revista hospital agenda biblioteca