Em Igreja in concert, fruto de sua dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (2001), André Ricardo de Souza analisa, com precisão e versatilidade, uma gama de documentos e informações atuais que atestam a reação católica à concorrência do mercado religioso. Depurando as informações anteriormente apresentadas em sua dissertação, André Ricardo retoma suas preocupações com o marketing religioso e, com extrema habilidade, avalia a repercussão do sucesso e da popularidade que os “padres cantores” vêm ganhando na mídia e entre os fiéis das diversas classes sociais.
Recupera os marcos históricos que provocaram mudanças significativas no campo religioso brasileiro - no âmbito político-institucional e ideológico-cultural - e apura com acuidade os acontecimentos recentes que dão sustentação à tese de que a Igreja Católica, ao enfrentar a disputa por fiéis, utiliza-se de estratégias de marketing, inserindo-se na grande mídia eletrônica e televisiva através dos “padres cantores”. Estes, nacionalmente reconhecidos e assediados por grupos de fiéis e telespectadores, tornam-se verdadeiros showmen, contribuindo para um novo tipo de evangelização ao mesmo tempo em que asseguram a audiência das emissoras.
Após uma vasta pesquisa documental e de campo permeada por reflexões teóricas pertinentes, o autor apresenta traços decisivos do seu percurso na observação sistemática de eventos massivos cobertos por redes de televisão e das atividades de organismos de marketing católico. Ao relatar as dificuldades em realizar entrevistas com clérigos que não se fizeram acessíveis, como o padre Marcelo Rossi – superadas com depoimentos de outros sacerdotes e leigos que possuem representatividade na mídia -, André Ricardo esmera-se em analisar as diversas situações enfrentadas pelos “padres cantores”, relacionando-as com as informações contidas na mídia que coloca, na ordem do dia, as manifestações e repercussões de uma religião que pretende ainda ser hegemônica.
O autor deixa clara a sua preocupação com o marketing religioso católico frente a um pluralismo religioso cada vez competitivo, o que justifica a sua advertência de que “a música exerce um papel importante na atual propagação das denominações religiosas, sobretudo no segmento juvenil” (p.10).
Em oito sucintos capítulos dedicados ao processo de expansão do marketing religioso, o livro contempla, de forma clara e objetiva, temas que vão do desenvolvimento histórico do pluralismo religioso brasileiro e da expansão do movimento da Renovação Carismática Católica - RCC - até os acontecimentos mais recentes, como o surgimento do movimento da Renovação Popularizadora Católica, que, unindo tradição e inovação, apresenta-se como “uma forma de conformação da igreja ao mercado religioso formado no Brasil” (p.11). Ao analisar a origem e importância da RCC, não só como um meio eficaz de reavivar o Catolicismo brasileiro, mas também como uma resposta ao avanço do Pentecostalismo, o autor examina as estratégias de marketing utilizadas por esse movimento e sua repercussão nos meios de comunicação de massa. Daí ser enfático ao afirmar que “os católicos estão se posicionando mais energicamente, inclusive fazendo uso de uma importante arma do concorrente pentecostal: o marketing religioso” (p.28). Tal constatação possibilitou refletir sobre outras modalidades de reação católica, a exemplo da Renovação Popularizadora Católica. Esta, originária do mesmo fenômeno da Renovação Carismática, apresenta novas tendências e “vem se camuflando num discurso de defesa da Igreja Católica como um todo” (p. 46). A sutil e importante diferença é que a “Renovação Popularizadora não se volta sobremaneira para um segmento de classe média, tal como a Renovação Carismática. Ela atinge principalmente pessoas de menor renda e escolaridade, ou seja, o mesmo segmento prevalecente nas fileiras do pentecostalismo”. (p. 46)
Concedendo boa parte de suas análises ao desempenho e sucesso do padre Marcelo Rossi no cenário público, o autor dedica o quinto capítulo do livro a esse personagem, apontado como um “novo exemplo de padre”, uma vez que o sucesso de sua carreira não só influenciou outros “padres cantores” consagrados na mídia e no meio artístico - a exemplo dos padres Zeca e João Maria -, como ainda influencia novos seminaristas em sua carreira eclesiástica.
Do anonimato à consolidação de um rápido sucesso na vida pública e eclesiástica, o padre Marcelo Rossi é o personagem central da Renovação Popularizadora. Considerado por muitos como um padre que sabe atrair e interagir com a multidão de fiéis, ele, cada vez mais, consagra sua posição no ranking de um mercado religioso plural e diversificado. Suas missas, embaladas por músicas, danças e coreografias, se transformam num show musical, um verdadeiro espetáculo que reúne milhares de pessoas, que, muitas vezes, provoca polêmicas entre clérigos e adeptos de outras instituições religiosas.
Reconhecendo que a música nas celebrações religiosas católicas não é novidade, André Ricardo chama atenção para a introdução e a assimilação de “coreografias, práticas e ritmos mundanos, de modo mais intenso, tal como tem sido feito em algumas igrejas evangélicas, explicitamente” (p.36), o que dá um tom diferenciado às celebrações. Como adverte o autor, “a música e a dança aí se encaixam como luvas, macias e confortáveis, afinal prazer não é necessariamente pecado. E por que não ligar fé e entretenimento?” (p.36). De acordo com suas análises, muitas pessoas concebem essas celebrações como uma oportunidade de distração, pois, cada vez mais, a participação religiosa vem sendo caracterizada como busca de sociabilidade e lazer. Um outro trunfo desse padre é a introdução do terço bizantino, versão simplificada do terço comumente rezado por católicos tradicionais. Como instrumento de promoção e auto-ajuda, a reza do terço bizantino gradativamente ganha novos adeptos, surgindo, assim, a necessidade de ampliar e criar novos os espaços, como o Santuário do Terço Bizantino, onde se reúnem, semanalmente, milhares de fiéis que ali vão para assistir às missas e participar da reza do terço. O sucesso e a popularidade desse “padre cantor” vêm aumentando consideravelmente sua participação na mídia e contribuindo para a dinâmica de um mercado religioso com a produção de mercadorias, como terços, CDs, fitas de vídeo, cassetes e filmes.
Ainda de acordo com o autor, a Renovação Popularizadora é um fenômeno que extrapolou a Renovação Carismática ao ganhar expressividade nas classes mais populares e representar “uma contra-ofensiva da Santa Madre na busca de seus filhos indiferentes ou desagregados” (p.46). Essa observação não deixa dúvidas sobre seu compromisso de mostrar como “os eventos de massa e cobertura da mídia” têm funcionado como um excelente instrumento de divulgação e evangelização da religião católica, contribuindo para novas formas de vivência religiosa. Como atesta André Ricardo, “a programação religiosa funciona a um só tempo como substituição da presença do telespectador no templo e como convite para freqüentá-lo” (p.51).
É nesse contexto de show musical que os “padres cantores” vêm se tornando um negócio atrativo para as emissoras de rádio e televisão, as quais, através da participação desses “artistas” nos programas e eventos artísticos, conseguem obter altos níveis de audiência. Tais reflexões nos conduzem a pensar que as novas tendências dos “padres cantores” e sua inserção na mídia parecem transgredir as normas de uma Igreja que tem como representante um papa austero e conservador. Entretanto, apoiado numa minuciosa pesquisa de campo, o autor deixa claro que a fusão mídia-religião tem sido um negócio promissor, tanto por parte dos meios de comunicação de massa, quanto das instituições religiosas, as quais têm se revelado verdadeiras empresas de marketing religioso. Para exemplificar a consagração deste marketing, analisa empreendimentos católicos como a Associação do Senhor Jesus (ASJ), a Comunidade de Aliança e Vida Canção Nova, a Rede Vida de Televisão, a Rádio Imaculada e a Associação Beneficente Deus é Dez, criada recentemente pelo padre Zeca. Assim, convenientemente, a Igreja Católica não só investe nos jovens “padres cantores” como álibi para a propagação da religião católica na luta contra a adesão a outras instituições religiosas, especialmente ao Pentecostalismo, como também para o desenvolvimento de suas atividades econômicas, uma vez que se constata o crescimento das vendas de produtos ligados à devoção religiosa.
Não restam dúvidas de que a forma de exposição adotada pelo autor constitui uma excelente lição de clareza para todos aqueles envolvidos com a árdua tarefa de pesquisar um campo religioso plural e diversificado. Neste breve convite à leitura do livro, é importante chamar atenção para o último capitulo, em que o autor, com perspicácia, mostra a continuidade do espetáculo religioso no seu incessante processo de luta por uma hegemonia católica. Refiro-me, aqui, à habilidade do autor em trazer para o centro de suas discussões acontecimentos atuais, como a morte do Papa João Paulo II (em 02 de abril de 2005), a eleição do seu substituto, Papa Bento XV, e sua repercussão através de uma ampla cobertura dos meios de comunicação. Em síntese, o livro constitui uma referência para pesquisadores, professores e estudantes de religião que se encontram na busca de novas reflexões.
[*] Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP e professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN.